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Sara Pinho

Último Recurso: “Os protestos, nas suas mais variadas formas, devem ser vistos como a expressão mais pura da democracia”

25 Apr 2024 - 09:00
A associação ambientalista Último Recurso é a primeira associação portuguesa que “utiliza o Direito como principal ferramenta de responsabilização dos principais responsáveis pela crise climática do país”, lê-se no seu site.

No ano passado, juntamente com as organizações ambientalistas Quercus e Sciaena, a Último Recurso processou o Estado português por falhar na implementação da Lei de Bases do Clima, elencando as medidas que não foram implementadas conforme prometido, como um orçamento de carbono, um portal de ação climática, um plano nacional de energia e clima e planos setoriais de mitigação das alterações climáticas.

De acordo com Carolina Ramalho Santos, membro do Departamento Jurídico da Último Recurso, esta ação judicial contra o Estado português “relaciona-se bem com as conquistas do 25 de abril, no que diz respeito ao direito no acesso à Justiça”.

Perante os fenómenos climáticos extremos, que em Portugal se revelam, por exemplo, com a seca no Algarve e com o aumento da temperatura ano após ano, a Último Recurso considera que este é “um bom momento para falarmos do legado que nos foi deixado e como é que esta geração está a defender esse mesmo legado no contexto das alterações climáticas”, invocando o artigo 66º da Constituição da República Portuguesa: Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”

Segundo Carolina Ramalho Santos, membro do Departamento Jurídico da Último Recurso, esta ação judicial contra o Estado português “relaciona-se bem com as conquistas do 25 de abril, no que diz respeito ao direito no acesso à Justiça”.

O acesso à Justiça de que fala Carolina Ramalho Santos materializa-se na litigância climática, que se traduz na pressão social para que os Estados aumentem a sua ambição na implementação e cumprimento de medidas concretas e efetivamente capazes de limitar os efeitos da crise climática, protegendo os cidadãos.

Na aceção ativista do conceito, como explica Carolina Ramalho Santos, a litigância climática “quer passar uma mensagem”. A seu ver, além da ação judicial apresentada pela Último Recurso contra o Estado português, dois bons exemplos disso são o caso “Avós do Clima”, no qual o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) condenou o governo da Suíça por não ter adotado medidas para combater as alterações climáticas, proferindo a violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar e do direito ao acesso aos tribunais, e o caso conhecido por “Duarte Agostinho and Others v. Portugal and 32 Other States”, no qual seis jovens portugueses acusaram 32 países de inação climática.

Apesar de este último ter sido declarado como inadmissível por Portugal por não ter esgotado as vias legais internas e ter recorrido diretamente ao TEDH, Carolina Ramalho Santos sublinha que “a mensagem passou na mesma”.

“A falta de medidas concretas para combater as alterações climáticas corresponde a uma violação de direitos humanos que se encontram consagrados na Convenção Europeia de Direitos Humanos”, reitera.

Embora a relação entre as alterações climáticas e a deterioração da democracia ser um fenómeno pouco estudado, a Último Recurso considera que “não há necessidade de existir um estudo que [o] comprove”, quando se olha para o contexto político atual, a nível mundial, aludindo à crescente tendência de governos de extrema-direita, que vê com preocupação.

“Com esses governos, começamos a perceber que existe um pêndulo para a desvalorização das medidas políticas concretas para a mitigação dos problemas causados pelas alterações climáticas”.

Carolina Ramalho Santos considera que os atos de manifestação, no contexto do ativismo climático, deixam uma mensagem de esperança para as comemorações dos 50 anos do 25 de abril.

Ainda assim, Carolina Ramalho Santos considera que os atos de manifestação, no contexto do ativismo climático, deixam uma mensagem de esperança para as comemorações dos 50 anos do 25 de abril, na medida em que “são um claro reflexo do exercício dos direitos que nos são constitucionalmente garantidos”, acrescentando que os protestos, nas suas mais variadas formas, “devem ser vistos como a expressão mais pura da democracia”.

Se olharmos para o conceito de liberdade à luz do impacto que as alterações climáticas estão a ter nas nossas vidas, a Último Recurso deixa claro que a luta pela justiça climática “é a continuação de uma luta cujas conquistas nunca devemos dar por garantidas.”