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Marina Prieto Afonso

O que podem os animais ensinar-nos sobre empatia e altruísmo?

7 Apr 2024 - 10:00
Acreditamos genericamente que os comportamentos morais são típicos dos seres humanos. A perspetiva de que a ética e a moral humana são moldados pela cultura e pela educação é tradicionalmente discutida por vários autores das humanidades, mas observações recentes de animais não humanos têm documentado exemplos de cooperação, cuidado parental e comportamento pró-social, a par de agressão e comportamentos hierárquicos e competitivos, em várias espécies de mamíferos e aves.

Segundo o filósofo John Dewey, por exemplo, a educação é fundamental para o desenvolvimento moral, pois é através dela que os indivíduos aprendem a internalizar valores e normas sociais que guiam as suas ações. Além disso, Dewey argumentou que a educação não se limita apenas à transmissão de conhecimentos, mas também desempenha um papel crucial na formação do caráter e da personalidade moral dos indivíduos.

A visão de que os seres humanos possuem inclinações naturalmente egoístas é debatida por outros filósofos como Thomas Hobbes, por exemplo, que argumentou na sua obra Leviathan que os indivíduos são motivados principalmente pelo desejo de poder e de autopreservação, o que torna o egoísmo uma característica intrínseca da natureza humana.

Contrariando esta versão, Jean-Jacques Rousseau foi um filósofo que defendeu a ideia de que o ser humano é naturalmente bom. O Contrato Social argumenta que nascemos livres e bons por natureza, e que é a sociedade que corrompe e nos distancia da nossa essência original. Para Rousseau, a verdadeira natureza humana é marcada pela bondade, solidariedade e compaixão, e seria possível restaurar essa bondade natural através da criação de uma sociedade mais justa e igualitária.

As observações recentes dos comportamentos dos animais não humanos integram estas duas visões. Biólogos como Frans de Waal e Marc Bekoff têm documentado exemplos de cooperação, cuidado parental e comportamento pró-social, a par de agressão e comportamentos hierárquicos e competitivos, em várias espécies de mamíferos e aves.

De acordo com esses investigadores, e outros, tais comportamentos sugerem que o altruísmo e a empatia, ou a agressão e a competição, não são exclusivos dos humanos, mas têm raízes evolutivas mais profundas.

Ao considerar esses trabalhos, podemos entender que os seres humanos não apenas herdaram inclinações altruístas e empáticas dos seus ancestrais não humanos, mas também comportamentos de dominância, agressão e até de exclusão social. E a par destes comportamentos, desenvolveram características próprias como a consciência moral e a capacidade de raciocínio ético.

Alguns comportamentos observados em várias espécies de mamíferos e aves sugerem que o altruísmo e a empatia, ou a agressão e a competição, não são exclusivos dos humanos, mas têm raízes evolutivas mais profundas.

Considerando a origem evolutiva dos comportamentos, estas observações obrigam-nos a reconhecer a importância dos animais não humanos na formação dos nossos próprios valores morais. Para além do valor intrínseco que possuem pelo simples facto de existirem como seres únicos no interior das comunidades vivas, o reconhecimento de que são capazes de uma proto-moral é mais um argumento para nos incentivar a adotar práticas de conservação como formas de respeitar e proteger vidas sociais e mentais complexas.

Muitos trabalhos em etologia animal – o estudo do comportamento dos animais não humanos – têm demonstrado que estes já possuem regras sociais implícitas e frequentes que lhes permite viver em sociedade, controlando a agressividade e a competição. Sabemos hoje que os animais não humanos têm regras sociais implícitas, e estas são particularmente visíveis nos mamíferos.

Mark Bekoff é um etólogo conhecido que dedicou muitas horas à observação meticulosa do comportamento dos cães, salientando a importância das interações sociais entre eles. As suas observações enfatizam que essas interações frequentemente envolvem uma compartilha cooperativa das regras do jogo, especialmente entre animais de diferentes estatutos sociais.

Bekoff ilustra este ponto ao descrever o comportamento lúdico em cães e lobos, onde diferentes sequências comportamentais, como agressão, reprodução e predação, são representadas de forma moderada e incompleta. Este comportamento não só proporciona prazer aos animais, como foi demonstrado através da análise de marcadores fisiológicos, mas também desempenha um papel crucial na socialização dos jovens, ensinando-lhes as normas básicas de convivência dentro do grupo.

Além disso, Bekoff argumenta que a brincadeira entre os cães envolve habilidades sociais complexas como a retidão, a equidade, a empatia e a reputação. Ele observa que, embora haja punição para aqueles que transgridem as regras sociais, muitas vezes o que se segue são comportamentos de apaziguamento, reconciliação e perdão.

Estas observações refletem a sofisticação das interações sociais entre os animais não humanos, neste caso nos canídeos, que incluem cães, lobos, chacais, coiotes e raposas, destacando a presença de comportamentos proto-morais que transcendem as fronteiras da espécie.

A brincadeira entre os cães envolve habilidades sociais complexas como a retidão, a equidade, a empatia e a reputação.

A preservação da reputação e da cooperação nas aves é conhecida pela forma complexa como se estabelece no seio dos grupos. A vida social das aves implica a reputação de honestidade cooperativa, desempenhando um papel crucial na manutenção de relações altruístas.

Em espécies como corvos e gaivotas, indivíduos que cooperam e compartilham recursos são favorecidos pela comunidade, ganhando em reputação positiva. Essa reputação pode abrir portas para futuras colaborações e acesso a recursos valiosos, como alimentação e lugares para a construção do ninho, demonstrando que a cooperação é reforçada através da reputação. Os animais que não cooperam geralmente são punidos e por vezes rejeitados do grupo, a pior consequência para um animal social.

A cooperação também é observada nas formigas e nas abelhas, que são insetos sociais. Para estes insetos, a cooperação é essencial para a sobrevivência da colónia. Cada membro desempenha uma função específica e colabora para o bem-estar do grupo.

Um exemplo notável é o comportamento altruísta encontrado em algumas castas de abelhas, onde as operárias sacrificam a sua própria reprodução para cuidar da rainha e da prole. Esta cooperação é compreendida como uma forma de seleção de parentesco, que diz que é mais adaptativo abdicar da sua própria reprodução em função da reprodução dos indivíduos aparentados, ou seja, que compartilham genes comuns.

Nas sociedades de abelhas, as operárias compartilham 75% de seus genes com a rainha, e o benefício das operárias para a reprodução da rainha pode superar o custo de sua própria reprodução.

A seleção de parentesco é um conceito fundamental na biologia evolutiva e permite explicar a evolução do comportamento altruísta e cooperativo nos animais. Este conceito foi formalizado por W.D. Hamilton na década de 1960, quando argumentou que o altruísmo pode ser favorecido pela seleção natural se o benefício do comportamento altruísta para o parente beneficiado for maior do que o custo para o doador, ponderado pelo grau de parentesco entre eles.

A seleção de parentesco é um conceito fundamental na biologia evolutiva e permite explicar a evolução do comportamento altruísta e cooperativo nos animais.

A seleção de parentesco também pode ocorrer nos humanos, e o cuidado parental é frequentemente explicado pelo facto de pais e filhos partilharem 50% dos genes entre si, muito mais do que com qualquer outro indivíduo do grupo, excetuando os próprios pais e irmãos. O investimento nos filhos é visto como uma estratégia evolutivamente vantajosa para maximizar a transmissão de seus próprios genes para a próxima geração.

Outros exemplos de comportamentos proto-morais encontram-se em algumas espécies de primatas, como os chimpanzés e os macacos-prego, que apresentam comportamentos refletindo noções rudimentares de justiça. Por exemplo, experiências realizadas pelo primatólogo Franz de Waal demonstraram que os macacos-prego rejeitam alimentos se perceberem que os seus parceiros estão a receber recompensas de qualidade superior para a mesma tarefa. Este comportamento sugere uma sensibilidade à equidade e uma aversão à desigualdade, aspetos fundamentais da justiça.

Em 1996 de Waal observou certos aspetos da vida social do chimpanzé pigmeu (Pan paniscus) que o levaram a concluir que esta espécie animal apresenta padrões sociais muito próximos dos nossos. São capazes de estabelecer alianças com o objetivo de aumentar a influência junto do grupo, apresentam verdadeiras amizades que por vezes duram toda a sua vida, reagem emocionalmente à morte de congéneres e são afetivos com os filhos e outros animais do grupo.

É frequente a ocorrência de adoções de juvenis abandonados por chimpanzés mais velhos não aparentados, inclusivamente por machos do grupo. Juntamente com o chimpanzé comum (Pan troglodytes), o chimpanzé pigmeu é, do ponto de vista genético, um dos primatas mais próximos dos humanos e, portanto, o estudo destas duas espécies reveste-se de um particular interesse quando se trata de encontrar semelhanças comportamentais. De facto, partilhamos cerca de 98.7% do DNA, o que nos torna em espécies de primatas muito próximas.

Algumas espécies de primatas, como os chimpanzés e os macacos-prego, que apresentam comportamentos refletindo noções rudimentares de justiça.

Recentes estudos sugerem que os primatas antropoides, como orangotangos, gorilas e chimpanzés, possuem a capacidade de inferir intenções nas interações sociais, ou seja, possuem a capacidade de desenvolver uma ‘teoria da mente’ do outro. Essa habilidade implica que eles são capazes de desenvolver formas de empatia emocional e cognitiva, e de agir com base nelas.

Os trabalhos publicados em 2006 de Langford e colaboradores, já tinham mostrado que este mecanismo está ativo nos ratos, que empatizam com a dor dos companheiros, sofrendo quando os vêm sofrer. Mas os mesmos ratos não reagem se quem sofre forem ratos estrangeiros! Estes trabalhos vão no sentido de considerar que a empatia é uma resposta emocional bastante difundida nos animais parentais, que cuidam dos filhos, mas somente em relação aos congéneres.

Nos animais sociais mais sofisticados, a empatia emocional associa-se à empatia cognitiva, que é a capacidade para perceber o que se passa com o outro e, portanto, para o ajudar de uma forma eficaz. Num jardim zoológico americano, um gorila que encontrou uma ave ferida no chão foi observado a pegar nela, empurrá-la e fazer movimentos para que esta pudesse voar.

Conforme afirmado por de Waal, acima citado, a empatia é uma parte central do repertório social dos primatas não humanos, desempenhando um papel fundamental na coesão social e na resolução de conflitos. Essa capacidade de se colocar no lugar do outro e de compreender as suas emoções não apenas fortalece os laços sociais, mas também pode servir como base para comportamentos pró-sociais, como a cooperação e o auxílio mútuo.

A empatia, entendida como a capacidade de compreender e compartilhar os estados emocionais dos outros, é um fenómeno que tem sido alvo de investigação em diversas áreas, incluindo a biologia evolutiva e a neurociência. Tem uma base neurofisiológica complexa, envolvendo a ativação de regiões cerebrais relacionadas com a cognição social e a perceção emocional.

Num jardim zoológico americano, um gorila que encontrou uma ave ferida no chão foi observado a pegar nela, empurrá-la e fazer movimentos para que esta pudesse voar.

Estudos neurocientíficos com macacos, por exemplo, têm demonstrado a ativação de áreas cerebrais similares às encontradas em humanos durante situações que requerem empatia. Essas descobertas consolidam a ideia de que a empatia não é exclusiva dos seres humanos, mas tem raízes evolutivas profundas.

A identificação por Rizolatti e colaboradores, na década de 1990, dos neurónios-espelho em macacos e, mais tarde, em seres humanos, elucida uma parte dos fundamentos biológicos para as nossas capacidades empáticas de interação social.

Neste tipo de empatia automática estão principalmente envolvidas áreas cerebrais como o córtex cingulado e a ínsula anterior. A empatia cognitiva, ou seja, a compreensão dos estados mentais dos outros, ativa sobretudo áreas como o córtex medial pré-frontal e a junção temporoparietal, envolvidos na ‘teoria da mente’ acima citada, a capacidade de compreender os sentimentos e pensamentos dos outros.

Assim, a capacidade dos primatas antropoides de atribuir intenções e de demonstrar empatia sugere que esses comportamentos sociais complexos têm uma base biológica compartilhada entre humanos, outros primatas e animais. Essa compreensão amplia a nossa visão sobre a natureza da empatia e seus fundamentos evolutivos, destacando a continuidade entre as capacidades cognitivas e emocionais de diferentes espécies.

Estes e vários outros exemplos destacam que os animais não humanos possuem uma vida emocional e afetiva profundamente complexa, que serve de base fundamental para as suas interações sociais.

Como diz Carl Safina, um ecologista defensor da integridade dos ecossistemas e da vida animal, os animais não humanos sentem alegria, tristeza, medo, empatia, inveja, ciúme, amor, dor e compaixão. Esta ampla gama de emoções e afetos não se limita apenas aos mamíferos e às aves, mas também é observada nos invertebrados, desafiando as conceções tradicionais sobre a natureza emocional dos animais.

As recentes descobertas destacam a necessidade contínua de compreender mais profundamente os seres com os quais compartilhamos o mundo, reconhecendo a sua riqueza emocional e afetiva, na busca de uma convivência ética mais respeitosa do nosso planeta.