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Marina Prieto Afonso

Alterações climáticas e saúde mental: Como é que a relação com a natureza pode ajudar a nossa saúde e a Terra?

22 Mar 2024 - 10:00
Para além das reconhecidas implicações sobre os ecossistemas, as alterações climáticas impactam também a saúde, particularmente a saúde mental. As temperaturas altas e a degradação do ar por gases de efeito de estufa como o CO2, por exemplo, têm efeitos adversos tanto na saúde física como na mental.

Um dos problemas mais graves da atualidade são as alterações climáticas e os seus diversos efeitos sobre o ambiente. Os governos, as empresas, as associações de cidadãos e os profissionais de saúde unem-se para tentarem resolver este problema que tem impacto ao nível de todo o planeta Terra.

Para além das reconhecidas implicações sobre os ecossistemas, as alterações climáticas impactam também a saúde, particularmente a saúde mental. As temperaturas altas e a degradação do ar por gases de efeito de estufa como o CO2, por exemplo, têm efeitos adversos tanto na saúde física (danos nos pulmões, coração e outros órgãos do corpo), como na saúde mental.

Há evidências cada vez mais crescentes de que certos poluentes atmosféricos estão relacionados com doenças mentais como depressão, ansiedade, demência e até mesmo suicídio. Especialmente em áreas urbanas, o risco é maior entre os jovens. Um estudo recente mostrou que crianças com 12 anos expostas a altos níveis de poluição do ar, são três a quatro vezes mais propensas a ter depressão aos 18 anos.

Esses poluentes podem penetrar no sistema nervoso central e afetar negativamente o funcionamento do cérebro, contribuindo para a deterioração cognitiva e o aumento do risco de doenças mentais. A urbanização excessiva e o aumento da poluição do ar podem contribuir para a perda de conexão com a natureza e a sensação de isolamento social, o que pode levar a um aumento da incidência de perturbações mentais.

Em 2017, a American Psychological Association sugeriu o termo “ecoansiedade” para descrever o medo crónico da degradação ambiental, a sensação iminente de uma catástrofe como inundações ou incêndios florestais, ou a progressiva destruição dos ecossistemas e recursos naturais do planeta. A ecoansiedade apresenta sintomas semelhantes à perturbação generalizada de ansiedade: pânico e sentimento de catástrofe iminente, fobia relativamente a uma situação que pode afetar o clima (p. ex. recusar ingerir determinado alimento que é considerado poluente), stress pós-traumático associado a vivências ambientais extremas como incêndios ou inundações, preocupação constante com o estado do ambiente, ruminação e atenção persistente no foco de preocupação ambiental, sintomas psicossomáticos, etc.

Há evidências cada vez mais crescentes de que certos poluentes atmosféricos estão relacionados com doenças mentais como depressão, ansiedade, demência e até mesmo suicídio.

Apesar da ecoansiedade não ser considerada uma patologia e ser tratada como uma perturbação da ansiedade, cada vez há mais recomendações “naturais” para combater este estado, porque o medo existencial que a carateriza consiste num desconforto grave que resulta, em grande parte, da falta de conexão com a natureza. Assim, a par da psicoterapia e, quando necessário, da medicação, o regresso à natureza é uma das mais importantes formas de combater a ecoansiedade.

Sabemos, desde os anos 1980 do século passado, que a natureza tem efeitos muito benéficos sobre a saúde física e mental. O célebre estudo de 1984, realizado por Roger Ulrich no hospital da Pensilvânia, mostrou que basta olhar para uma árvore da janela do quarto para que os pacientes recuperem mais rapidamente das suas intervenções cirúrgicas.

O contato com a natureza tem o poder de restaurar o equilíbrio emocional e de reduzir o stress do quotidiano, além de proporcionar um senso de conexão com os elementos naturais do ambiente de vida. As pessoas que participam em atividades ao ar livre relatam frequentemente sentimentos de admiração e de reverência para com a natureza, percebendo como é importante para o equilíbrio das suas vidas e para um sentimento maior de pertença ao planeta Terra.

A par da psicoterapia e, quando necessário, da medicação, o regresso à natureza é uma das mais importantes formas de combater a ecoansiedade.

Estudos mostraram que estudantes cansados e ansiosos experimentaram melhorias em várias dimensões psicológicas e fisiológicas após caminhadas em bosques, e que a convivência com áreas selvagens foi mais eficaz na promoção da autoestima, mudanças comportamentais e habilidades interpessoais em jovens, do que caminhadas na cidade.

Há uma relação consistente entre as atividades em espaços naturais e a promoção da saúde psicológica, com diminuição de sentimentos negativos e aumento do otimismo, da autoestima e dos níveis de energia mental. Observar árvores e animais em liberdade, ouvir os sons do vento e o canto dos pássaros, respirar os odores das plantas e da terra molhada, saborear frutas da época em que são produzidas e colhidas, passear descalço na relva ou na areia da praia, são atividades simples que recorrem aos nossos sentidos e que promovem profundamente o bem-estar psicológico.

A contemplação da natureza, com o efeito de fascinação que tem sobre a atenção, mesmo que seja feita durante apenas alguns minutos, tem efeitos benéficos sobre a recuperação da fadiga mental e cerebral.

Há uma relação consistente entre as atividades em espaços naturais e a promoção da saúde psicológica.

A natureza pode ser um importante aliado para tratar a ecoansiedade através da ecoterapia, que promove o eco-bem-estar (ecowellness). O eco-bem-estar, ao contrário da ecoansiedade, baseia-se no sentimento de conexão com a natureza e promove experiências de bem-estar que podem contribuir positivamente para resultados terapêuticos, médicos e psicológicos. Programas específicos de ecoterapia são desenvolvidos em função dos sintomas de ecoansiedade apresentados.

Assim, a par da psicoterapia, individual ou de grupo, que examina as razões pessoais e comunitárias para a ecoansiedade, é possível encarar alguns dos seus sintomas através de atividades que promovem a relação, muitas vezes inexistente, com a natureza. Por exemplo, o pânico e a sensação de catástrofe eminente podem ser moderados através de passeios no parque e da atenção às flutuações relacionadas com as estações do ano e à forma positiva como a natureza se adapta às mudanças climáticas; a preocupação constante e a ruminação podem ser limitadas pela observação das espécies animais e dos seus ciclos reprodução,  e como se têm adaptado à vida nas cidades; uma fobia alimentar ecológica pode ser resolvida por uma alimentação de proximidade, respeitosa dos ciclos naturais e do ambiente; o stress pós-traumático resultado de uma catástrofe natural pode ser amenizado através do desenvolvimento dos laços comunitários na recuperação de uma zona afetada; o foco excessivo da atenção sobre as alterações climáticas pode ser abordado através de uma educação para as mudanças inevitáveis da vida e para os ciclos de renovação naturais. Estes últimos permitem recuperar a esperança e o desejo de viver, nestes tempos de grandes transformações.

A relação com a natureza não resolve, por si só, os problemas mentais que surgem como consequência das alterações climáticas e os seus efeitos adversos sobre o ambiente de vida dos humanos e dos outros seres vivos. Um acompanhamento especializado e empático que se mostre interessado pela história de vida da pessoa que sofre, e que apresente uma atenção solidária sobre o estado do mundo, é o ponto de partida para o processo de recuperação e para uma maior consciencialização sobre as formas de agir para a regeneração da Terra. A natureza é uma aliada ímpar neste processo de adaptação a um mundo em mudança.

 

Marina Prieto Afonso, Psicóloga e professora universitária, neste momento a coordenar o projeto Compor Mundos. Humanidades, Bem-estar e Saúde, na esperança de construir um mundo melhor, mais sustentável e inclusivo. Psicoterapeuta dinâmica com anos de experiência em educação ambiental