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Diogo Tavares

A arte de Viajar Devagar – de bicicleta (um de quatro)

11 Feb 2024 - 10:00

Quando penso em viagens lentas, a cabeça transporta-me (rapidamente) para um comboio regional que vai avariar a qualquer momento, uma fila de trânsito em hora de ponta ou voos com escalas intermináveis e cadeiras desconfortáveis. Essas são de facto dolorosamente lentas. No entanto, gostava de vos mostrar em particular, um caminho muito mais gratificante, que nos oferece a liberdade de não ter de esperar ou de passar demasiado rápido: Viajar Devagar.

Slow Travel é um movimento que contraria a tendência do turismo de massa. Trata-se de experiências lentas e conscientes. O foco está no processo da jornada, tal como Einstein gostava. E muito! Não dando tanto ênfase à inevitabilidade do destino. No contacto com as comunidades locais e a essência do que os rodeia. Slow Travel inclui uma responsabilidade na sustentabilidade ecológica e social.

Adoro viajar, mas odeio chegar.
Albert Einstein

Viajar Devagar (original “A manifesto for slow travel”), foi escrito por Nicky Gardner, em 2009. Gardner é uma escritora de viagem que, pouco confortável com o aumento desenfreado do turismo massivo, decide propor ao mundo uma lista com 10 princípios que deveriam ser norteados pelos viajantes.

  1. Começa em casa. A chave para viajar devagar é um estado de espírito. Isso pode ser desenvolvido no quotidiano da nossa vida.
  2. Viaja devagar. Evita aviões, se possível, e aproveita barcos (não são cruzeiros, por favor!!!), carreiras locais e comboios. A velocidade destrói a ligação com a paisagem. A viagem lenta dá-nos tempo para absorver.
  3. Aguarda ansiosamente a chegada ao destino escolhido, mas não deixes que essa antecipação ofusque o prazer da viagem.
  4. Deixa-te perder nos lugares que visitas. Explora os mercados e lojas locais.
  5. Saboreia a cultura do café. Sentado num café, passas a ser parte da paisagem urbana e não apenas um observador passageiro.
  6. Reserva um tempo para conhecer os idiomas e dialetos dos territórios que visitas. Aprende algumas frases para quebrar o gelo, usa o dicionário e compra um jornal local. Mesmo que não entendas a língua, dá sempre para sentir o pulso às imagens.
  7. Envolve-te com as comunidades no nível certo. Escolhe opções de alojamento e alimentação adequadas à região onde estás.
  8. Observa e imita o que os habitantes locais fazem, não apenas o que dizem os guias.
  9. Saboreia o inesperado. Comboios atrasados ​​ou conexões de autocarros perdidas criam novas oportunidades na viagem e promovem o inesperado.
  10. Pensa de que forma podes retribuir às comunidades que visitas.

Mount Nebo, Jordânia, 2021

O tema dá pano para mangas e, nesse sentido, resolvi concentrar as energias numa só modalidade, fazendo deste artigo o primeiro de uma tetralogia que pretende elogiar a arte de desacelerar as nossas viagens e, porque não, a imensa jornada que é a nossa vida.

 

Viajar de Bicicleta

Ando de bicicleta desde que me conheço. Nasci e cresci em Lisboa. O meu primeiro emprego, ainda no liceu, foi andar de bike pela cidade fora como estafeta de uma conhecida empresa de aluguer de equipamento industrial.

A minha função era simples: transportar um molho de títulos, escrituras e esquisitices bancárias dentro de uma mochila e mandar-me para o centro da cidade e distribuir pelos bancos, seguradoras, notários e afins, até a mochila ficar vazia.

A opção que me deram foi o passe social que, rapidamente, descartei para substituir pela minha velhinha Órbita. Este impulso não só me livrou da seca tremenda dos transportes públicos, fiquei com o dinheiro do passe, faço desporto e, o que mais tarde vim a constatar, conhecer a minha cidade como a palma das mãos.

Entretanto já passaram quase 30 anos e a bicicleta continua a ser a minha primeira escolha para ir ao pão no bairro ou viajar para o outro lado do mundo.

De bicicleta, estando um pouco acima do nível dos olhos dos pedestres e dos carros, é possível ter uma visão perfeita do que está acontecendo na própria cidade.
David Byrne

Esta fotografia foi tirada numa pausa para café no trajecto casa > trabalho. Há sempre tempo para uma pausa e respirar o que temos à nossa volta. Lisboa, 2011

Uma volta no teu bairro ou a Volta ao Mundo?

O ritmo das viagens de bicicleta é fluído o suficiente para sentir que estamos a progredir na paisagem, e lenta quanto baste para nos deixar levar pelos estímulos que o trilho nos oferece: ser convidado a parar por um grupo de crianças no meio do nada para beber um chá de menta com toda a família em plena apanha da azeitona, pode tornar-se num momento memorável numa viagem.

Este episódio bonito foi um de imensos que surgiram numa jornada de 700 km de Norte a Sul no Médio Oriente que, em 10 intensos dias, me mostrou a Jordânia por dentro.

Circuito dos Annapurnas, Nepal, 2019

Para não correr o risco de se aborrecerem com a prosa, ousei da liberdade e convidei gente bem mais incrível do que eu, que conhece de ginjeira o sabor da viagem lenta de duas rodas, colocando-lhes o desafio de responder a uma pergunta muito simples.

Porque viajas de bicicleta?

Tânia Muxima:

O meu gosto pelas viagens, aliado a gostar de fazer ‘aquilo que me apetece’ levou-me a procurar uma forma de viajar sem depender. Eu sei que de bicicleta vou ao ritmo ideal. Não se salta de lugar em lugar, galga-se cada metro de um lugar, sente-se tudo, cruzam-se sorrisos e trocam-se palavras e muito mais com as gentes locais. É a forma mais especial de viajar e que me dá uma sensação de plenitude, ‘estou a fazer exatamente aquilo que tinha imaginado’, e não há melhor sensação na vida que esta!!

Tânia Muxima

João Gonçalo Fonseca:

Viajar em bicicleta permite um contacto profundo com o país e as pessoas, leva-te longe desfrutando devagar, vais “despido”, é ecológico e económico.

João Gonçalo Fonseca

Luís Simões – World Sketching Tour:

Viajo de bicicleta porque torna uma viagem numa aventura desafiante fisicamente e mentalmente. Porque me sinto livre e autónomo. Por poder passar mais tempo na natureza e parar onde eu quiser. Enquanto casal, viajar de bicicleta ajudou-nos a perceber as diferenças e criar laços de superação em conjunto. Fez-nos temer pelo incerto que é seguir sem rumo durante quilómetros, mas sentir que, ao pé um do outro, encontramos um porto seguro.

Luís Simões – World Sketching Tour

Mara Mures:

Viajar de bicicleta é sentir pura liberdade. É ir ao ritmo do meu próprio corpo, pedalar e descansar quando o corpo pede. É poder sentir o vento, o frio, o calor, o amanhecer e o entardecer. Sentir tudo, passar e ver os animais à minha volta e a paisagem que fica e não foge como quando viajamos com outros meios. A única coisa que é preciso ter é tempo, e tempo temos todos.

Mara Mures

Curiosamente (ou não), o ponto comum quando estamos em cima da bicicleta é a liberdade que pulsa nas veias, a intensidade de como olhamos para o mundo. Sem distrações, os sentidos abrem-se para imagens, sons e cheiros.

As sensações estão à flor da pele. Não há a proteção da chapa do carro que nos proteja dos elementos, levas com a natureza toda na cara e, em dias frios, até ao osso. Estamos mais cientes de nós e do mundo. Mais vivos.

 

Pelas incríveis terras altas da Islândia, testei os limites do corpo e a paciência de me aturar sozinho. Islândia, 2016

Viajar lentamente de bicicleta oferece uma maneira única e gratificante de explorar o mundo que nos rodeia. É uma jornada de descoberta física e mental com as nossas expectativas, valores e limitações.

Uma oportunidade para desenvolvermos habilidades com a simplicidade de criar uma relação mais próxima com a natureza e com as pessoas que encontramos ao longo do caminho. Concluindo, se estás à procura de uma maneira de rolar no trilho das maravilhas da viagem, porque não embarcar numa viagem tranquila sobre duas rodas?
Boa viagem!

*Fundador do projeto Vadiagem Outdoors e líder de viagens de aventura na agência Landescape, em destinos como Guatemala, Islândia e Nepal