Slow Travel é um movimento que contraria a tendência do turismo de massa. Trata-se de experiências lentas e conscientes. O foco está no processo da jornada, tal como Einstein gostava. E muito! Não dando tanto ênfase à inevitabilidade do destino. No contacto com as comunidades locais e a essência do que os rodeia. Slow Travel inclui uma responsabilidade na sustentabilidade ecológica e social.
Viajar Devagar (original “A manifesto for slow travel”), foi escrito por Nicky Gardner, em 2009. Gardner é uma escritora de viagem que, pouco confortável com o aumento desenfreado do turismo massivo, decide propor ao mundo uma lista com 10 princípios que deveriam ser norteados pelos viajantes.
- Começa em casa. A chave para viajar devagar é um estado de espírito. Isso pode ser desenvolvido no quotidiano da nossa vida.
- Viaja devagar. Evita aviões, se possível, e aproveita barcos (não são cruzeiros, por favor!!!), carreiras locais e comboios. A velocidade destrói a ligação com a paisagem. A viagem lenta dá-nos tempo para absorver.
- Aguarda ansiosamente a chegada ao destino escolhido, mas não deixes que essa antecipação ofusque o prazer da viagem.
- Deixa-te perder nos lugares que visitas. Explora os mercados e lojas locais.
- Saboreia a cultura do café. Sentado num café, passas a ser parte da paisagem urbana e não apenas um observador passageiro.
- Reserva um tempo para conhecer os idiomas e dialetos dos territórios que visitas. Aprende algumas frases para quebrar o gelo, usa o dicionário e compra um jornal local. Mesmo que não entendas a língua, dá sempre para sentir o pulso às imagens.
- Envolve-te com as comunidades no nível certo. Escolhe opções de alojamento e alimentação adequadas à região onde estás.
- Observa e imita o que os habitantes locais fazem, não apenas o que dizem os guias.
- Saboreia o inesperado. Comboios atrasados ou conexões de autocarros perdidas criam novas oportunidades na viagem e promovem o inesperado.
- Pensa de que forma podes retribuir às comunidades que visitas.
Mount Nebo, Jordânia, 2021
O tema dá pano para mangas e, nesse sentido, resolvi concentrar as energias numa só modalidade, fazendo deste artigo o primeiro de uma tetralogia que pretende elogiar a arte de desacelerar as nossas viagens e, porque não, a imensa jornada que é a nossa vida.
Viajar de Bicicleta
Ando de bicicleta desde que me conheço. Nasci e cresci em Lisboa. O meu primeiro emprego, ainda no liceu, foi andar de bike pela cidade fora como estafeta de uma conhecida empresa de aluguer de equipamento industrial.
A minha função era simples: transportar um molho de títulos, escrituras e esquisitices bancárias dentro de uma mochila e mandar-me para o centro da cidade e distribuir pelos bancos, seguradoras, notários e afins, até a mochila ficar vazia.
A opção que me deram foi o passe social que, rapidamente, descartei para substituir pela minha velhinha Órbita. Este impulso não só me livrou da seca tremenda dos transportes públicos, fiquei com o dinheiro do passe, faço desporto e, o que mais tarde vim a constatar, conhecer a minha cidade como a palma das mãos.
Entretanto já passaram quase 30 anos e a bicicleta continua a ser a minha primeira escolha para ir ao pão no bairro ou viajar para o outro lado do mundo.
Esta fotografia foi tirada numa pausa para café no trajecto casa > trabalho. Há sempre tempo para uma pausa e respirar o que temos à nossa volta. Lisboa, 2011
Uma volta no teu bairro ou a Volta ao Mundo?
O ritmo das viagens de bicicleta é fluído o suficiente para sentir que estamos a progredir na paisagem, e lenta quanto baste para nos deixar levar pelos estímulos que o trilho nos oferece: ser convidado a parar por um grupo de crianças no meio do nada para beber um chá de menta com toda a família em plena apanha da azeitona, pode tornar-se num momento memorável numa viagem.
Este episódio bonito foi um de imensos que surgiram numa jornada de 700 km de Norte a Sul no Médio Oriente que, em 10 intensos dias, me mostrou a Jordânia por dentro.
Circuito dos Annapurnas, Nepal, 2019
Para não correr o risco de se aborrecerem com a prosa, ousei da liberdade e convidei gente bem mais incrível do que eu, que conhece de ginjeira o sabor da viagem lenta de duas rodas, colocando-lhes o desafio de responder a uma pergunta muito simples.
Porque viajas de bicicleta?
O meu gosto pelas viagens, aliado a gostar de fazer ‘aquilo que me apetece’ levou-me a procurar uma forma de viajar sem depender. Eu sei que de bicicleta vou ao ritmo ideal. Não se salta de lugar em lugar, galga-se cada metro de um lugar, sente-se tudo, cruzam-se sorrisos e trocam-se palavras e muito mais com as gentes locais. É a forma mais especial de viajar e que me dá uma sensação de plenitude, ‘estou a fazer exatamente aquilo que tinha imaginado’, e não há melhor sensação na vida que esta!!
Tânia Muxima
Viajar em bicicleta permite um contacto profundo com o país e as pessoas, leva-te longe desfrutando devagar, vais “despido”, é ecológico e económico.
João Gonçalo Fonseca
Luís Simões – World Sketching Tour:
Viajo de bicicleta porque torna uma viagem numa aventura desafiante fisicamente e mentalmente. Porque me sinto livre e autónomo. Por poder passar mais tempo na natureza e parar onde eu quiser. Enquanto casal, viajar de bicicleta ajudou-nos a perceber as diferenças e criar laços de superação em conjunto. Fez-nos temer pelo incerto que é seguir sem rumo durante quilómetros, mas sentir que, ao pé um do outro, encontramos um porto seguro.
Luís Simões – World Sketching Tour
Viajar de bicicleta é sentir pura liberdade. É ir ao ritmo do meu próprio corpo, pedalar e descansar quando o corpo pede. É poder sentir o vento, o frio, o calor, o amanhecer e o entardecer. Sentir tudo, passar e ver os animais à minha volta e a paisagem que fica e não foge como quando viajamos com outros meios. A única coisa que é preciso ter é tempo, e tempo temos todos.
Mara Mures
Curiosamente (ou não), o ponto comum quando estamos em cima da bicicleta é a liberdade que pulsa nas veias, a intensidade de como olhamos para o mundo. Sem distrações, os sentidos abrem-se para imagens, sons e cheiros.
As sensações estão à flor da pele. Não há a proteção da chapa do carro que nos proteja dos elementos, levas com a natureza toda na cara e, em dias frios, até ao osso. Estamos mais cientes de nós e do mundo. Mais vivos.
Pelas incríveis terras altas da Islândia, testei os limites do corpo e a paciência de me aturar sozinho. Islândia, 2016
Viajar lentamente de bicicleta oferece uma maneira única e gratificante de explorar o mundo que nos rodeia. É uma jornada de descoberta física e mental com as nossas expectativas, valores e limitações.
Uma oportunidade para desenvolvermos habilidades com a simplicidade de criar uma relação mais próxima com a natureza e com as pessoas que encontramos ao longo do caminho. Concluindo, se estás à procura de uma maneira de rolar no trilho das maravilhas da viagem, porque não embarcar numa viagem tranquila sobre duas rodas?
Boa viagem!
*Fundador do projeto Vadiagem Outdoors e líder de viagens de aventura na agência Landescape, em destinos como Guatemala, Islândia e Nepal