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Teresa Lencastre

O mundo bateu um novo recorde de calor?

15 Jun 2024 - 09:00
Maio de 2024 foi o mês de maio mais quente de que há registo, em terra e no mar. De acordo com o observatório europeu Copernicus, há 12 meses consecutivos que o mundo bate recordes de calor. A temperatura média global dos últimos 12 meses foi a mais elevada já registada, com um aumento de 1,63 °C em relação à média pré-industrial de 1850-1900.
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Em reação aos números entretanto conhecidos, o secretário-geral da ONU disse que os humanos representam o mesmo “perigo” para o planeta que “o meteorito que exterminou os dinossauros”. Num discurso em Nova Iorque, o português António Guterres pediu a proibição da publicidade do petróleo, do gás e do carvão, as principais causas do aquecimento global, e deu o exemplo do tabaco, cuja propaganda foi proibida no passado por preocupações de saúde.

“Na questão do clima, não somos os dinossauros. Somos o meteorito. Não estamos apenas em perigo. Somos o perigo”, disse António Guterres, apelando à ação urgente de líderes mundiais e empresas nos próximos 18 meses.

O secretário-geral da ONU defendeu a redução das emissões de gases com efeitos de estufa, o aumento do financiamento para o clima e uma restrição rigorosa à indústria dos combustíveis fósseis, que descreve como os “padrinhos do caos climático”.

“O nosso planeta está a tentar dizer-nos alguma coisa. Mas parece que não estamos a ouvir. Estamos a bater recordes de temperatura global e a colher tempestades. É a hora do aperto climático. Chegou o momento de nos mobilizarmos, de agirmos e de apresentarmos resultados.”

Segundo o Observatório Europeu Copernicus, A temperatura média global dos últimos 12 meses foi a mais elevada já registada, com um aumento de 1,63 °C em relação à média pré-industrial de 1850-1900.

Apesar de alarmante, o recorde de calor não surpreende a comunidade científica. Em entrevista ao Green eFact, Filipe Lisboa, português que observa a terra a partir dos satélites do Copernicus, sublinha que a temperatura média à superfície do planeta no primeiro dia de maio foi de 15,91 °C, 0,65 °C acima da média de 1991-2020.

“Recebi esta notícia com preocupação, mas sem surpresa. (…) Os dados são inequívocos: a temperatura média à superfície está a aumentar, confirmando os modelos mais preocupantes previstos pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas (IPCC).”

Filipe Lisboa acrescenta que a temperatura média do oceano entre as latitudes 60°S e 60°N em maio foi de 20,93 °C, o valor mais elevado para esse mês. De acordo com o cientista, um oceano mais quente pode provocar uma maior frequência e intensidade de tempestades tropicais, que agora começam a afetar também a Europa.

“Estes dados devem também ser contextualizados com outros dois factos importantes: por um lado, conhecendo os ciclos de aquecimento e arrefecimento do planeta – chamados ciclos de Milankovitch – deveríamos estar a observar um arrefecimento e não um aquecimento. Por outro, importa dizer que a maior parte do calor adicional vai para os oceanos”, refere.

De acordo com o cientista português Filipe Lisboa, um oceano mais quente pode provocar uma maior frequência e intensidade de tempestades tropicais, que agora começam a afetar também a Europa.

Um outro relatório, publicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) no mesmo dia da análise do Copernicus, conclui que existe uma probabilidade de 80% de a temperatura média anual global exceder 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais em pelo menos um dos próximos cinco anos civis.

Nos últimos 12 meses, o mundo tem enfrentado ondas de calor recorde, secas e tempestades intensificadas pelas alterações climáticas. Entre os eventos mais significativos estão uma vaga de calor na Índia, com as temperaturas a rondar os 50 °C, chuvas intensas que resultaram em inundações na África Oriental, cheias súbitas na cidade desértica do Dubai e incêndios florestais sem precedentes no Canadá.

A par da ação humana, a variabilidade cíclica e natural do Oceano Pacífico, conhecida como El Niño, é amplamente reconhecida pela comunidade científica como um fator que também contribui para o aumento, ainda que temporário, das temperaturas globais. A redução da poluição marítima, particularmente das emissões de enxofre dos combustíveis marítimos, é ainda considerada uma possível causa. Apesar disso, a extensão exata do seu impacto é alvo de debate e ainda está a ser investigada.

Depois de um catastrófico 2023 ao nível de incêndios florestais, que resultou na emissão de 480 milhões de toneladas de carbono e a destruição uma área equivalente ao dobro do território de Portugal, a temporada dos grandes fogos florestais no Canadá começou este ano mais cedo mais cedo que o previsto, devido ao inverno quente e seco.

A resposta política às preocupações dos cientistas climáticos é “extremamente importante” no contexto atual, especialmente no “rescaldo de umas eleições europeias em que o grupo dos verdes europeus perdeu uma representação importante”, considera Filipe Lisboa.

De acordo com o cientista, em 2019 a crise climática merecia finalmente atenção mediática, mas acabou ofuscada. “Nos anos que precederam a pandemia de Covid-19, muita da contestação pública sobre as alterações climáticas influenciou até pacotes legislativos como o Pacto Ecológico Europeu”, descreve.

Entretanto, o cenário mudou, não só com a Covid-19, mas também com outros acontecimentos, como a guerra na Ucrânia – “preocupações bem prementes e importantes, mas que também criaram um clima de preocupação, desconfiança e polarização na sociedade que nada ajuda à tomada de boas decisões”, considera.

Filipe Lisboa, português que observa a terra a partir dos satélites do Copernicus, sublinha que a temperatura média à superfície do planeta no primeiro dia de maio foi de 15,91 °C, 0,65 °C acima da média de 1991-2020.

Filipe Lisboa apela a uma preocupação “informada”, à participação em protestos pacíficos pelo clima e a um esforço para não confundir causas.

“Infelizmente, a última marcha do clima em que participei teve muito menos adesão e os cânticos misturavam alterações climáticas com a guerra na Palestina e outros assuntos. Todas as causas são importantes, mas vejo as pessoas muito confusas, muito mais perdidas que em 2019”, refere.

O cientista defende ainda uma mudança de hábitos no quotidiano, como privilegiar a “mobilidade suave em detrimento do carro” e reduzir o consumo de carne, por exemplo.