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Teresa Lencastre

O fumo dos incêndios florestais pode ser fatal para a saúde humana?

23 Jun 2024 - 09:00
Os incêndios florestais têm impactos potencialmente fatais na saúde humana. Um novo estudo reforça isso mesmo ao concluir que o fumo dos incêndios florestais na Califórnia resultou em dezenas de milhares de mortes prematuras. Ao Green eFact, um especialista diz ser “essencial” mitigar esses efeitos, sobretudo num cenário de alterações climáticas e consequente aumento de incêndios.
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Uma análise, publicada este mês na revista Science Advances, estima que os incêndios florestais na Califórnia entre 2008 e 2018 levaram a cerca de 52.500 a 55.700 mortes prematuras ao longo de 11 anos, o que equivale a um impacto económico de 432 a 456 mil milhões de dólares.

Divulgada um dia depois de um grande incêndio ter sido contido no norte da Califórnia, a pesquisa mostra que os efeitos das nuvens de fumo na saúde se fazem sentir não só nos primeiros dias de exposição, mas também anos depois.

A investigação usou um modelo matemático para avaliar o impacto a longo prazo do fumo na mortalidade da população. Os resultados indicam que a poluição por partículas finas libertadas pelos incêndios – conhecidas como PM2.5 – é prejudicial à saúde. Estas partículas, com um diâmetro inferior a 2,5 micrómetros, podem penetrar nos pulmões e até entrar na corrente sanguínea, danificando os sistemas cardiovascular e respiratório.

O estudo publicado na revista Science Advances mostra que os efeitos das nuvens de fumo dos incêndios florestais na saúde continuam a fazer sentir-se vários anos depois.

Em entrevista ao Green eFact, Ediclê Duarte, especialista em Ciências Atmosféricas e Climáticas com foco na qualidade do ar, diz que a descoberta é “alarmante”, sobretudo num “cenário de alterações climáticas”.

O investigador clarifica ainda o conceito de mortes prematuras, explicando que as “pessoas podem morrer mais cedo do que o esperado devido a essas condições”.

“A exposição prolongada ao fumo de incêndios florestais pode agravar doenças respiratórias, como asma e doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), e pode levar a problemas cardiovasculares graves, como ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais. Em casos extremos, essas complicações podem ser fatais,” reitera o especialista.

Ediclê Duarte é o autor principal de outro estudo, publicado em 2023 na revista GeoHealth, que também abordou os efeitos dos incêndios florestais na saúde. A análise incidiu sobre a temporada de incêndios em Portugal entre 2011 e 2020 e encontrou ligações entre a exposição ao fumo e o aumento da mortalidade.

“Descobrimos que os meses mais quentes, secos e poluídos do período de incêndios estavam fortemente associados a um aumento na mortalidade por doenças cardiorrespiratórias”, diz o investigador.

Outro estudo, publicado em 2023 na revista GeoHealth, incidiu sobre a temporada de incêndios em Portugal entre 2011 e 2020 e encontrou ligações entre a exposição ao fumo e o aumento da mortalidade.

De acordo com Ediclê Duarte, esse “resultado estatisticamente significativo” foi evidenciado pela presença de poluentes como partículas finas (PM10 e PM2.5), monóxido de carbono (CO) e ozono (O3), aliada a condições meteorológicas como temperaturas elevadas e baixa humidade relativa.

Segundo o investigador, ao avaliar os riscos dos incêndios para a saúde pública, é importante considerar não só a intensidade dos fogos, mas também a qualidade do ar e as condições meteorológicas.

“Essas descobertas são importantes para orientar políticas públicas voltadas para a mitigação dos impactos dos incêndios florestais, destacando a necessidade de estratégias que aumentem a resiliência das comunidades expostas a esses eventos ambientais extremos.”

Os seniores, grávidas e populações socioeconómicas desfavorecidas são particularmente suscetíveis aos riscos associados aos incêndios, adianta Ediclê Duarte. Numa altura em que a temporada de incêndios se aproxima, importa tomar “medidas preventivas conforme orientadas pelo IPMA e pelo SNS24”, refere o investigador.

Os seniores, grávidas e populações socioeconómicas desfavorecidas são particularmente suscetíveis aos riscos associados aos incêndios, adianta o investigador Ediclê Duarte.

Ediclê Duarte apela a que as pessoas estejam atentas aos alertas meteorológicos emitidos por essas instituições e deixa outros conselhos, como respeitar as proibições de queima, manter áreas ao redor das casas limpas de vegetação inflamável e evitar exercício físico ao ar livre em períodos de muito calor e baixa qualidade do ar.

“Essas precauções não apenas protegem indivíduos e propriedades, mas também contribuem para a segurança coletiva durante períodos de alto risco de incêndios,” explica.

O especialista defende ainda um “entendimento partilhado dos efeitos dos incêndios na saúde e no meio ambiente” para melhor combater os efeitos das alterações climáticas e avisa que incêndios florestais vão ser cada vez mais frequentes.

“A frequência crescente dos incêndios florestais e as previsões de que esses eventos se tornarão mais comuns exigem ações climáticas urgentes para mitigar os impactos das alterações climáticas no meio ambiente e na saúde pública,” refere.