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Teresa Lencastre

As alterações climáticas contribuíram para as cheias no Brasil?

16 May 2024 - 09:00
Um novo estudo concluiu que as alterações climáticas provocadas pela ação humana intensificaram as cheias devastadoras no Rio Grande do Sul, no Brasil. Os investigadores do ClimaMeter dizem que as chuvas ficaram 15% mais intensas devido às mudanças climáticas, em especial causadas pela emissão de gases com efeitos de estufa proveniente da queima de combustíveis fósseis.
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As cheias no Rio Grande do Sul têm sido descritas como a maior tragédia climática do Estado do sul do Brasil. O primeiro alerta vermelho de volume elevado de chuva foi emitido pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) a 29 de abril. Desde então, foram registados dezenas de mortos e desaparecidos e centenas de milhares de pessoas ficaram desalojadas. O governador do Estado, Eduardo Leite, disse estar perante “um cenário de guerra”. Dos 497 municípios que compõem o Rio Grande do Sul, 90% foram afetados, apontou a Defesa Civil brasileira.

Divulgado a 10 de maio, um estudo do ClimaMeter examinou dados meteorológicos dos últimos 40 anos e comparou padrões climáticos semelhantes no final do século XX (de 1979 a 2001) com os observados em décadas mais recentes (de 2002 a 2023), quando as alterações climáticas se intensificaram.

“Atribuímos o aumento da precipitação que produziu as inundações do Sul do Brasil principalmente às mudanças climáticas causadas pelo homem e a variabilidade climática natural provavelmente desempenhou um papel modesto”, referem os cientistas.

Os investigadores concluíram que as depressões atmosféricas – regiões onde a pressão do ar é mais baixa em relação ao ambiente ao redor – semelhantes às que afetaram o Rio Grande do Sul são agora cerca de 15% mais intensas.

Dos 497 municípios que compõem o Rio Grande do Sul, 90% foram afetados pelas cheias, apontou a Defesa Civil brasileira. (foto de Gustavo Mansur/Governo do Rio Grande do Sul)

O estudo também avaliou a influência de fenómenos naturais como o El Niño-Oscilação Sul, caracterizado pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico Equatorial, juntamente com mudanças na pressão atmosférica. Para os autores, este fenómeno conhecido por aumentar a chuva no sul do Brasil não chega para explicar o que aconteceu.

“Embora o El Niño-Oscilação Sul possa ter favorecido a precipitação intensa, não explica as alterações associadas a este evento quando se comparam os períodos passado e presente”, referem os investigadores.

“Interpretamos as cheias do Brasil como um evento cujas características locais podem ser atribuídas maioritariamente a alterações climáticas de origem humana”, reiteram.

De acordo com os investigadores, foram observadas alterações nos padrões de precipitação em diferentes partes do Brasil ao longo do último século, com impactos na agricultura.

“As alterações na precipitação e nas temperaturas extremas estão a ter impacto na produção agrícola da região, com o aumento da precipitação média a ter um impacto positivo na agricultura em algumas áreas, mas com períodos de seca extremamente longos a afetar as economias do sudeste do Brasil”, referem.

Desde 29 de abril, as cheias já provocaram dezenas de mortos e desaparecidos e centenas de milhares de pessoas ficaram desalojadas. (foto de Lauro Alves/Governo do Rio Grande do Sul)

ClimaMeter é composto por cientistas de diferentes países que contextualizam e analisam eventos climáticos extremos de uma perspetiva climática. Liderado por investigadores do centro especializado em ciências climáticas da Universidade Paris-Saclay, o grupo é financiado pela União Europeia e pela Agência Francesa de Investigação (CNRS).

As descobertas do ClimaMeter vão ao encontro da opinião pública no Brasil. De acordo com uma sondagem recente da Quaest, a esmagadora maioria dos brasileiros acredita que a catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul está ligada às alterações climáticas.

A maior fatia dos inquiridos – 64% – considera que as alterações climáticas explicam “totalmente” a tragédia. 30% acham que as alterações climáticas são “em parte” responsáveis pela crise no Rio Grande do Sul. 5% veem “um pouco” de ligação entre os dois fenómenos e apenas 1% dizem que não há relação “nenhuma”.

Para a empresa que levou a cabo o inquérito, os resultados revelam que as alterações climáticas são dos poucos tópicos que não polarizam opiniões na sociedade brasileira. Um outro inquérito, feito em 2023, concluiu isso mesmo: 94% dos brasileiros acreditam que as alterações climáticas estão a acontecer e três em cada quatro dizem que são causadas pela atividade humana.