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Bernardo Simões de Almeida

A grande tempestade do Dubai foi causada pela chuva artificial?

4 Jul 2024 - 09:00
Em meados de abril ocorreu uma enorme tempestade no Dubai que rapidamente inundou várias autoestradas e também o aeroporto internacional da cidade. Foi um fenómeno meteorológico sem precedentes nesta região do globo, que rapidamente se tornou viral nas redes sociais, em especial pelas teorias sobre sua origem entretanto surgidas, como a de ter sido criado por via de um método artificial de indução de chuva.
desastre

Um dia depois de ter começado a cair, a chuva já registava níveis que correspondiam à precipitação de um ano inteiro, atingindo os 255 mm de água no espaço de apenas 24 horas (equivalente a 255 litros por m2). Foram pelo menos 20 as pessoas que perderam a vida devido a esta tempestade, entre elas, 10 crianças.

A teoria principal entretanto surgida foi a de que o temporal teria sido criado por via de um método artificial de indução de chuva, envolvendo a dispersão de substâncias como iodeto de prata ou cloreto de sódio nas nuvens, de modo a estimular a formação de gotas. Esta dispersão é geralmente feita de forma aérea recorrendo a pequenos aviões, mas também existem geradores terrestres que libertam os agentes na atmosfera e são transportados pelo vento até às nuvens.

Na rede social Facebook, logo a 18 de abril, ou seja apenas dois dias depois do evento, aparece um vídeo com o título “Cloud seeding in Dubai”, que lança esta narrativa. No mesmo dia, aparece outro vídeo, com o título “Dubai cloud seeding gone wrong”.

Ao mesmo tempo, mas agora no YouTube, um outro vídeo, com a descrição “Cloud seeding causes floods in Dubai, CONSPIRACY theorists proven right… Again”, alimentava ainda mais a ideia, desta vez, pondo o foco na polarização entre as teorias da conspiração e os denominados “mainstream media”

A teoria principal entretanto surgida foi a de que o temporal teria sido criado por via de um método artificial de indução de chuva.

Esta narrativa recebe maior ampliação quando a própria imprensa começa a disseminar títulos similares. O jornal indiano digital Mint, publica, a 17 de abril, um artigo cujo título contem as palavras Dubai, Cloud Seeding, enquanto o jornal queniano The Star, publicava também uns dias mais tarde, a 25 de abril, um artigo a mencionar uma weather experiment no Dubai.

Ao lerem-se os artigos percebe-se que a fonte original é a agência noticiosa americana Bloomberg, que publicou um vídeo no LinkedIn com o mesmo título e contendo as mesmas palavras-chave. O que está no centro desta controvérsia é a alegada afirmação de Ahmed Habib, um meteorologista do Centro Meteorológico Nacional dos EAU, sobre a existência de aviões naquela zona nos dias anteriores, para efeitos de produção de chuva artificial, o chamado “cloud seeding”.

Em resposta a esta alegação, a 18 de abril, a Associated Press, investigou os supostos voos e apenas encontrou o registo aéreo de um avião e não de vários que alegadamente se juntaram para dispersar as substâncias necessárias.

Também nesse mesmo dia, a Royal Meteorological Society britânica publicava um artigo sobre “a grande probabilidade” deste temporal ter sido causado por “um sistema convectivo de mesoescala”, fenómeno que acontece quando várias tempestades mais pequenas se juntam e formam uma super-tempestade. Estas tendem a cobrir uma enorme área geográfica, com uma duração que pode ir de algumas horas a vários dias. O artigo lembra ainda que em 2016 houve um evento equiparável na mesma região, onde os ventos sopraram a mais de 120km/h e a chuva chegou então aos 240 mm.

A Royal Meteorological Society britânica publicou um artigo sobre “a grande probabilidade” deste temporal ter sido causado por “um sistema convectivo de mesoescala”, fenómeno que acontece quando várias tempestades mais pequenas se juntam e formam uma super-tempestade.

O site indiano de fact check climatefactcheck.org publicou, 25 de abril, um artigo em que entrevista o diretor geral de meteorologia do Sri Lanka, Athula Karunanayake, no qual este afirma que tal evento temporal extremo é “resultado das alterações climáticas e aquecimento global”. O responsável salienta ainda que a tecnologia de cloud seeding “não consegue produzir este tipo de tempestades”, apesar da sua sofisticação.

Antes, já o departamento de fact check do canal televisivo francês France 24, True or Fake, publicara também um vídeo sobre o assunto, a 18 de abril. Nele, a jornalista Vedika Bahl mostra várias alegações de cloud seeding nas redes sociais e posteriormente explica que, para esta tempestade ter sido criada por mão humana, o cloud seeding não poderia ser feito durante a mesma, mas sim previamente. A jornalista cita ainda alguns meteorologistas que, tal como o diretor geral da meteorologia do Sri lanka, avisam que a tempestade ocorreu “devido às alterações climáticas”.

O vídeo mostra ainda que o artigo original da Bloomberg foi substituído por outro, cujo título não tem já nenhuma menção sobre cloud seeding.

Também a agência Reuters publicou um artigo a 18 de abril, citando fontes da EAU que atribuíam a tormenta a fenómenos naturais. Citam ainda a climatologista alemã Friederike Otto, com esta a afirmar que a chuva se está a tornar mais intensa a nível global “por efeito do aumento da temperatura do planeta”. A perita afirma ainda que a chuva artificial não produz nuvens, estas já têm de estar presentes previamente.

Já em maio, a secção de fact checks da AAP (Australian Associated Press) cita outros três peritos, o professor universitário na School of Earth Atmosphere and Environment  Steven Siems, o professor de ciência climática Richard Washington e Maarten Ambaum, professor de física atmosférica. Todos garantem “não ser possível que esta tempestade tenha sido causada pela chuva artificial”.