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Miguel Judas

Vanessa Barragão: “Não me considero uma artista ativista, mas a sustentabilidade está refletida no meu trabalho de diversas formas”

14 Apr 2024 - 09:00
Com obras expostas um pouco por todo o mundo, a artista plástica algarvia Vanessa Barragão tornou-se conhecida por criar tapeçarias de grande escala a partir de desperdícios têxteis e feitas através de técnicas ancestrais, tendo quase sempre como ponto de partida conceitos como a sustentabilidade ou a defesa do ambiente. É o caso da peça Coral Vivo, exposta em permanência na sede da ONU, em Nova Iorque, como oferta do Estado português e através da qual a pretendeu chamar a atenção para a “importância e riqueza dos recifes de coral, um ecossistema com a maior biodiversidade do mundo”.

É formada em design de moda, mas como surgiu em concreto o interesse pelo têxtil e em particular pela tapeçaria?

Desde pequena que sempre me interessei muito por aprender técnicas artesanais, como o crochet, e tudo o que envolvia fios e tecidos. Foi durante o curso que percebi que a área dentro do design de moda com a qual mais me identificava era a ilustração e os têxteis. Já durante o mestrado decidi, com o consentimento dos professores, focar-me mais na área do têxtil e foi aqui que o meu caminho na arte têxtil teve um início mais em concreto.

 

Foi devido a esse interesse que decidiu focar a sua obra artística na sustentabilidade dos materiais?

A sustentabilidade e a ecologia sempre foram um ponto forte na minha abordagem, mesmo durante o curso de Moda. A forma de produção artesanal e feita a mão e o uso de materiais naturais sempre foram a base do meu trabalho. O meu trabalho final de Mestrado foi o desenvolvimento de uma coleção de fios todos feitos a partir de lã, artesanalmente, e usando tintos naturais. O meu mestrado foi mergulhado nesta pesquisa fascinante, que acredito ter sido o ponto de partida para o que faço hoje em dia. Estes fios culminaram na criação de uma peça de tapeçaria, que foi a primeira obra de parede que desenvolvi. Mais tarde fui trabalhar para uma fábrica de tapetes e foi nesse momento que percebi a quantidade de desperdício (bom!) gerado pela indústria têxtil. Foi nesse momento que comecei a incorporar este tipo de materiais no meu trabalho.

A sustentabilidade reflete-se de várias formas na obra de Vanessa Barragão, seja através das técnicas ancestrais e manuais, nos materiais reutilizados ou na mensagem que pretende passar através das peças. (Foto Claudia Gori)

Como é que esse conceito de sustentabilidade é aplicado na prática no seu processo de criação e de trabalho?

A sustentabilidade está refletida no meu trabalho de diversas formas: na forma de criar, utilizando técnicas ancestrais e manuais para a criação das minhas obras; nos materiais que reutilizo, dando-lhes uma nova vida e também gosto de dizer que se reflete na mensagem que passo com as minhas obras.

 

Em termos de conceito, a defesa do ambiente e a sensibilização para questões como as alterações climáticas estão muito presentes na sua obra, considera-se uma artista ativista?

Não me considero uma artista ativista, uma vez que a sensibilização para as questões ambientais não é o único foco do meu trabalho.

É importante que os artistas, seja de que área forem, usem a sua arte para lutar pelo que acreditam?

Eu considero isso essencial. Na minha experiência enquanto artista, o meu trabalho reflete aquilo em que acredito, é a minha forma de exprimir aquilo que sou. As minhas peças são para mim o reflexo de todo o meu interior.

 

Aprendeu a fazer crochet ainda em criança com as avós, que hoje são ambas suas colaboradoras no atelier que tem no Algarve. ((Foto Claudia Gori)

O que a inspira na hora de criar?

O lugar, o espaço e aquilo em que acredito naquele determinado momento da minha vida. Sair da “minha bolha” inspira-me imenso, ir para a natureza… fico cheia de ideias! Quando estou no atelier, os materiais são o meu ponto de partida e a partir daí saem novas ideias, novas técnicas!

 

Tem como principais colaboradoras no atelier as suas avós. Porque é que as convidou e como é que elas encararam o desafio?

As minhas avós e avô fazem parte da minha equipa desde o primeiro dia! Foram elas que me ensinaram a fazer crochet quando era pequena, e acredito que elas foram as impulsionadoras para esta paixão que eu tenho pela manualidade. Sinto que o meu trabalho lhes deu uma nova motivação para a vida, elas sentem-se úteis! Gostava de trazer esta nova vida a outros avós num futuro próximo. Hoje em dia conto com uma equipa de 10 pessoas, que estão ao meu lado todos os dias para tornar possível todas as minhas ideias. A minha mãe e irmã são parte desta equipa maravilhosa!

“Na minha experiência enquanto artista, o meu trabalho reflete aquilo em que acredito, é a minha forma de exprimir aquilo que sou”.

De que forma olha para a cada vez mais clara insustentabilidade da indústria da moda e do têxtil? Como uma das mais resistentes à mudança?

O fast fashion e a produção em massa irão continuar a existir enquanto houver um público que compactue com essa dinâmica. Acredito que estamos a caminhar para uma população mais informada e com mais consciência dos impactos que essas indústrias poderão ter em gerações futuras. Essa evolução penso que está a acontecer, gosto de acreditar nisso! O meu papel enquanto artista tem sido também nesse sentido, de ajudar nesta tomada de consciência, para que haja de facto uma mudança de paradigma.

Vanessa Barragão tornou-se conhecida por criar tapeçarias de grande escala a partir de desperdícios têxteis e feitas através de técnicas ancestrais.

Que significado tem para si ter a obra Coral Vivo exposta em permanência na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque?

Este é um marco na minha carreira enquanto artista. É um marco no meu percurso e um reconhecimento do meu país que irei guardar para sempre comigo. Esta peça irá viver para sempre naquele lugar. Um lugar que é símbolo de esperança e união no mundo, não poderia estar em melhor lugar!