voltar

Isabel Lindim

Tomás Tojo: “As zonas verdes têm de ser criadas em grande escala, e na nossa sociedade ainda vemos as árvores como bibelôs na cidade”

22 Apr 2024 - 09:00
Este ano o Festival Jardins Abertos vai acontecer em Maio, mais uma vez dando a conhecer vários jardins de Lisboa. Falámos com Tomás Tojo, o diretor do projeto, e ficámos a conhecer um pouco melhor as intenções de um festival que quer trazer a ecologia para a cidade.

Em 2017, quando se iniciou o projeto Jardins Abertos, qual era o objetivo principal?

O festival é a tradução de outros projetos que parte desta equipa já tinha feito, nomeadamente em São Paulo, no Brasil. Tinha a ver com a lógica da jardinagem de guerrilha, jardinagem coletiva, ocupação de espaço público através da jardinagem, quase como uma ferramenta de diálogo da própria comunidade. O repensar da utilização desse espaço, aproximando sempre aos temas da ecologia, da botânica e da jardinagem de uma forma até bem mais simples.

Essa vontade foi traduzida num festival em Lisboa, em que através da abertura gratuita de jardins se consegue promover os mesmos temas da educação ambiental, mas de uma maneira muito informal, gratuita e não demagoga. Reconhecer o património vegetal que a cidade tem e a importância que é preservar estes espaços verdes.

 

Ao longo destes anos, o que é que mudou nessa linha de objectivos?

Os objectivos continuam a ser os mesmos. É a promoção da educação ambiental de uma forma gratuita, informal e próxima, convidando vários intervenientes. Temos mais de cem parceiros hoje em dia. Desde instituições altamente sofisticadas até projectos que são muito mais informais e que procuram informar sobre outros temas.

Em termos práticos traduz-se em jardins clássicos de palácios históricos e jardins de permacultura, agroflorestas, jardins de investigação a pensar em produção agrícola em contexto urbano e novas formas de pensar os jardins e de os cultivar.

Tomás Tojo inspirou-se noutros projectos implementados em São Paulo, no Brasil, para replicar em Lisboa a lógica da jardinagem de guerrilha, jardinagem colectiva e ocupação de espaço público através da jardinagem, para assim refletir sobre ecologia e botânica em ambiente urbano.

Tiveram algumas surpresas boas ao longo deste tempo? Por exemplo descobrir projectos que não estavam à espera.

Sim, inclusive para a próxima edição vamos abrir um projecto que já tem alguns anos mas que estávamos à espera que ganhasse alguma estrutura, e ganhou, são estas Florestas Miyawaki, que acontece nos Olivais. Está casado com outro projecto Life Lungs, que é a transumância, com rebanhos de ovelhas, e que estamos a abrir pela primeira vez nesta edição.

 

Como vai funcionar o projecto Urbem Forests, relacionado com as Florestas Miyawaki?

Trata-se de um projeto relativamente recente. Ganha com a contextualização das pessoas que nele participam. Vamos ter uma série de visitas guiadas que sinalizam um pouco estas intervenções que agora até podiam passar um pouco despercebidas, mas são propostas de florestas que em poucos anos criam um lugar de auto-sustentabilidade, de resiliência, com a combinação de espécies autóctones, como em geral as florestas nativas têm, quando não são intervencionadas, que é de colaboração e de abundância. A permacultura sintrópica e as agroflorestas são formas de pensar e tentar imitar estas dinâmicas que já funcionam.

“O facto de não sermos bem sucedidos quando plantamos a nossa horta, num terraço ou numa varanda, também nos ajuda a respeitar mais quem produz e tem de passar esses desafios, sobretudo se estivermos a falar de produção biológica.”

Têm assistido à organização espontânea de hortas urbanas? 

Acho que há um crescimento de vários grupos que têm interesse em cultivar na cidade, mas que não se traduz exatamente em hortas urbanas, pode ser em formatos diferentes. Agora até vão ganhando nomes mais pomposos, como parques hortícolas e alguns ocupam inclusive corredores verdes que o Gonçalo Ribeiro Teles tinha desenhado nos anos 60. É como um resgatar de ideias que tinham muitas décadas e só agora estão a ser implementadas.

A pandemia trouxe também mais interesse e romantismo em relação à agricultura, que entretanto se desvaneceu, mas que acrescentou novas camadas de pensar o trabalho do agricultor e sobre aquilo que é o consumo. Acho que o facto de não sermos bem sucedidos quando plantamos a nossa horta num terraço ou numa varanda também nos ajuda a respeitar mais quem produz e tem de passar esses desafios, sobretudo se estivermos a falar de produção biológica.

As pessoas interessam-se cada vez mais por utilizar o espaço verde, a céu aberto. É uma transição cultural muito evidente que tem acontecido na cidade. Os aniversários e piqueniques estão a ir cada vez mais para os parques urbanos. Por outro lado, também vejo que os departamentos de plantas de plástico também estão a crescer em escala. Estamos a normalizar a utilização da natureza em plástico, falsa. É muito distópico.

 

Esteticamente vem associado às redes sociais, é bonito ter plantas à volta.

É uma tendência, o green trend. Vai desde o green washing ao Instagram. Dentro desta tendência há vários outros movimentos, como tentar não estigmatizar as ervas daninhas. Há projetos que estão a contribuir para a disseminação destes conhecimentos, que eram conhecimentos perdidos.

O Festival Jardins Abertos acontece este ano ao longo de todo o mês de maio, aos fins-de-semana, em diversos espaços da capital, mantém-se gratuito e com a maior parte das actividades a não necessitarem de inscrição.

Com o aumento da temperatura, que é uma questão global, mas que nas cidades aumenta sempre mais uns graus, qual é a importância destes projectos?

As zonas verdes têm de ser criadas em grande escala, e na nossa sociedade ainda vemos as árvores como bibelôs na cidade, ainda são só uma representação visual. Em Lisboa temos o caso dos jacarandás, mas que nem toda a gente gosta porque sujam os carros.

Existe um conflito entre aquilo que a árvore nos oferece, a sombra e o baixar das temperaturas em várias alamedas na cidade, mas ao mesmo tempo as pessoas ficam muito incomodadas porque as flores criam uma goma que suja. São várias as questões que se levantam  Mais do que as árvores como elemento decorativo, são as zonas grandes que necessitam de ser repensadas,

 

Essas zonas grandes aqui em Lisboa podem ser onde? 

Monsanto vai fazer agora 90 anos e é claramente o nosso maior pulmão verde. Um rácio de há dez anos dizia que estatisticamente os nossos logradouros eram proporcionais à dimensão de Monsanto, mas ultimamente têm reduzido porque muitos têm sido impermeabilizados para se transformarem em garagens ou parques de estacionamento.

Acho que temos de pensar muito na verticalidade, plantar na vertical. Lisboa não é São Paulo nem Bancoque, não estamos nesse nível, mas estamos a ficar com pouco espaço. Dentro da cidade temos de nos render à Tapada das Necessidades, ao Jardim da Estrela ou ao Parque Eduardo VII. Ficamos com estes pequenos clusters, que muitas vezes são só relvados com meia dúzia de árvores.

 

Este ano a programação do Jardins Abertos está concentrada em Maio e não espalhada durante o ano. Como vai ser esta edição do festival?

Ficámos sempre muito sob a tutela de um festival que era muito em torno dos jardins e da jardinagem e da botânica, quando na verdade queremos é falar sobre a ecologia. Por isso encontrámos estratégias de albergarmos estes temas na programação. O ano passado fizemos as cidades comestíveis e todas as atividades eram em torno da comida, desde a sementeira a fazer picles ou aprender a conservar em compota.

Percebemos que as atividades mais sensoriais são as que têm mais adesão, as mais transformadoras em termos de discurso e daquilo que é o nosso statement político, de alguma maneira. Por isso, este ano, resolvemos abrir a programação aos cinco sentidos de uma forma não ilustrativa e mais sensorial. Acontece pela primeira vez ao longo de todo o mês de maio, todos os fins-de-semana, mantém-se gratuito e a maior parte das atividades não requerem inscrição.