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Isabel Lindim

Sandra Duarte Cardoso: “Dentro de pouco tempo vamo-nos todos questionar como foi possível perpetuar este ecocídio.”

31 May 2024 - 09:00
Médica veterinária, Sandra Duarte fundou a organização não governamental SOS Animal há dezassete anos e, nos últimos meses, tem dedicado grande parte do seu tempo a um santuário que criou no centro do país, onde os animais são alimentados, mas vivem livremente e sem serem objeto de qualquer exploração. Fomos conhecer um pouco melhor o trabalho com esta incansável defensora dos animais.

A SOS Animal completou 17 anos. É um longo percurso num contacto próximo com muitas realidades. Quais têm sido as partes positivas? 

Confesso que as partes positivas são reduzidas, uma vez que são esmagadas pela frustração da urgência em fazer e na verdade não vemos acontecer, o que é vital até para a sobrevivência da espécie humana. Mas diria que ver a sociedade mais exigente e com mais consciência sobre o tema dos animais, tenha sido o mais positivo.

 

A empatia para com os animais é algo que se possa aprender? 

Sim, há diversos estudos que apontam que, com informação, o animal humano fica mais disponível para deixar de ter comportamentos abusivos e mudar os padrões de abuso e crueldade.

Conhecemos mesmo alguns casos extremos, por exemplo caçadores que após conhecerem as espécies com outros olhos, ou mesmo quando um cão lhes trouxe uma dimensão de consciência sobre a senciência animal, mudam radicalmente. Temos um sócio assim. A empatia pode ser intrínseca ou adquirida, não tenho qualquer dúvida.

 

Para a fundadora da ONG SOS Animal a legislação portuguesa de proteção do ambiente e dos animais é particular, é “fragmentada, omissa e sem aplicação prática”.

Em termos de legislação, pode nomear alguns pontos que sejam essenciais para o avanço da proteção animal e ambiental?

Há tantos, mas tantos… Talvez seja a legislação mais fraca que detemos na sociedade portuguesa. Embora a ecologia esteja na discussão pública há décadas e a proteção dos animais há pelo menos 25 anos, temos uma legislação fragmentada, omissa e sem aplicação prática, uma vez que o próprio estado é o primeiro a violar a pouca legislação que existe nestas matéria.

Dentro de pouco tempo vamo-nos todos questionar como foi possível perpetuar este ecocídio, mas receio que essa interrogação venha tarde demais…

 

A maioria da população não conhece a realidade dos animais abandonados. 

 

Sim, na sua grande maioria os portugueses não estão informados sobre o flagelo dos animais abandonados e quando pensa em ter um animal, compra antes de adoptar. Na verdade não temos qualquer campanha nacional de informação e o próprio estado esconde este flagelo.

 

A SOS Animal criou um santuário no centro do país que conta já com 120 animais, de várias espécies.

O ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e Florestas) não usou o orçamento de 15 milhões de euros para ajudar animais, no entanto, é do conhecimento público que muitas organizações precisam desse apoio. Porque é que isto acontece?

É uma pergunta que me tem consumido bastantes pensamentos. Durante décadas havia a questão de não haver meios públicos, depois com o governo da geringonça apareceu esta boa nova de milhões, departamentos novos, provedorias, etc. Mas, na verdade, não surtiu nenhuma melhora na situação dos animais, e com muita pena minha, por incapacidade de quem gere ou dirige estes institutos públicos, que não tem preparação para o efeito e aceita cargos para os quais não reúne a mínima capacidade. Há quase um padrão de incompetência reiterada nos dirigentes e equipas e, depois, há esta situação terrível na sociedade portuguesa, de se escolher para não levantar ondas, ser próximo do partido, conhecer A ou B e não por ter o currículo certo.

 

A SOS tem agora um santuário. Pode explicar o que acontece lá? 

O que mais acontece é vida… trata-se de um pedaço de terra onde se pretende demonstrar que é possível recuperar ecossistemas, promover educação ambiental e bem-estar animal, inovar na forma de como se acondiciona animais abandonados, explorados, abusados, de forma a respeitar o seu comportamento natural, mas com o conforto que a sociedade humana pode fornecer aos demais seres.

Já contamos com 120 animais, de várias espécies. Criamos uma vila de gatos, e provamos que é possível ter gatos sem ser encerrados em celas e em condições precárias; as nossas galináceas vivem num chalé cheio de estilo e com um espaço natural incrível, onde podem ser quem são em total segurança.

Temos um ecossistema para ovinos e caprinos e descobrimos que também são bichos que apreciam uma bela casa em madeira com sombra de verão e quentinho no inverno.

Temos oito matulões bovinos de nome Maria que andam a reflorestar e a recuperar solos de forma natural, em troca de uma vida de paz e muito mimo… Há muita coisa a acontecer, queremos fazer o primeiro cão-domínio do mundo, estamos a 98 mil euros de distância de concretizar este projeto.

Há todo um mundo a acontecer naquele espaço, e é incrível perceber que está a ter impacto na fauna, nos insetos, na vida selvagem e até na comunidade humana.