voltar

Vera Moutinho

Saleem Ali: “A oposição à exploração mineira é muito maior nos países ricos”

18 May 2024 - 09:00
Especialista em mineração e membro do Painel Internacional de Recursos das Nações Unidas, Saleem Ali está neste momento a conduzir uma investigação académica que inclui os projetos de exploração de lítio em Portugal, que enfrentam forte contestação tanto das populações como das forças políticas locais. “É preciso descobrir como gerir os riscos e as comunidades têm de ser bem informadas. Têm de fazer parte do processo”, defende este especialista em minerais críticos, que esteve em Lisboa no passado mês de Abril, no âmbito de um intercâmbio entre a Universidade de Delaware e a Escola Superior de Comunicação Social em Lisboa, promovido pelo programa Fulbright Portugal.

A transição para as energias limpas é necessária para evitar os piores cenários provocados pelas alterações climáticas, mas poderá desencadear uma procura sem precedentes de metais nas próximas décadas. De que metais estamos a falar, exatamente?

Alguns dos metais serão os habituais, a que chamamos metais de base: cobre, zinco, ferro.  São necessários para as grandes infraestruturas, como as torres eólicas. Para construir as grandes torres eólicas, por exemplo, é necessário aço. Vamos precisar de muito betão para colocar na base. E o betão tem os seus próprios minerais, não necessariamente apenas metais, mas também outros minerais.

Mas também precisamos de cimento para o betão, como a gipsita (pedra de gesso), que é utilizado para fazer cimento e, para além dos metais de base, também precisamos de alguns tipos muito específicos de metais exóticos com propriedades necessárias para os ímanes, para as turbinas eólicas, para os painéis solares, os metais necessários para garantir a absorção correta.

Depois, o outro metal que vai ser muito importante é o lítio, e este é primordial para as baterias. A energia solar não é uma fonte de energia fiável a toda a hora, por isso temos de armazenar a energia para a podermos utilizar mais tarde. Além disso, precisamos de baterias para os carros elétricos.

Além disso, o lítio é também utilizado nas utilizações mais comuns da eletrónica portátil, que é tão importante para todos os computadores portáteis, smartphones, todos estes dispositivos eletrónicos compactos, as baterias de iões de lítio são absolutamente essenciais, porque o lítio é o metal mais leve e tem a capacidade de armazenar energia a um nível muito elevado e também de ser carregado muito rapidamente. E depois há também um não metal, que é muito importante para as pilhas, que é a grafite. Não é um metal, mas é uma forma de carbono, mas é uma forma muito única de carbono que é utilizada para os elétrodos das baterias (de veículos elétricos).

Quando falamos dos grandes fornecedores, os grandes produtores, para onde é que estamos a olhar no mapa?

Os minerais são determinados geologicamente. Por isso, basicamente, temos de ir onde estão os recursos. E há alguns países que foram muito abençoados com recursos.

Em alguns casos tem a ver com a sua dimensão, porque quando se tem uma grande quantidade de solo, é natural que se tenha alguns minerais. O maior país do mundo, a Rússia, tem muitos minerais e, neste momento, isso é um grande problema devido à geopolítica, uma vez que o fornecimento de minerais russo está totalmente limitado. A Rússia é um dos maiores produtores mundiais de níquel na Sibéria. O depósito de níquel mineral é um dos mais antigos e mais abundantes.

No caso da China, não se trata apenas de abundância, mas de um verdadeiro investimento na transformação de minerais, não apenas na extração propriamente dita, mas também na transformação a jusante. No caso do lítio, a Austrália é atualmente o maior produtor de lítio do mundo. Depois, temos o Canadá, com uma longa história de extração mineira, mais ou menos de todos os metais, e também com enormes reservas.

E depois, em casos específicos como o do cobre, o Chile é o maior produtor mundial de cobre na América do Sul. O Brasil tem uma das maiores reservas de minério de ferro e é muito abundante em minerais. Uma das razões para a colonização do Brasil foram certamente os minerais.

E para o lítio existem também os depósitos de salmoura de lítio, que é o lítio que sai do sal de grandes lagos e que pode ser evaporado. E isso encontramos no Chile, na Argentina, na Bolívia. A Bolívia tem uma enorme reserva de lítio, mas tem algumas impurezas de magnésio, o que torna a extração mais difícil e cara.

O professor e investigador norte-americano Saleem Ali estuda há mais de duas décadas os conflitos ambientais nas indústrias extrativas, especialmente nos minerais.

Poderá haver uma escassez desses recursos perante a crescente procura? Os objetivos de descarbonização da União Europeia, por exemplo, estão em sintonia com a disponibilidade atual e prevista destas matérias-primas?

Para o lítio, há definitivamente o suficiente. É apenas uma questão de o extrair. Foram analisadas as reservas economicamente viáveis, bem como as reservas que estão a ser exploradas. O lítio é consideravelmente suficiente para satisfazer a procura prevista de baterias. E não esqueçamos que, quando tivermos um certo nível de utilização destas baterias, elas serão recicladas ao fim de cerca de dez anos, que é a duração média das baterias atualmente.

 

Mas isso ainda não é uma opção. 

Ainda não, mas no futuro será. Neste momento, temos reciclagem de baterias de lítio, mas é a partir de aparelhos eletrónicos antigos e é uma quantidade muito pequena. Não vai ser suficiente. A reciclagem de baterias em grande escala só começará daqui a 15 ou 20 anos. Por isso, será necessário explorar as minas durante pelo menos 20 anos, se não mais, para atingir os objetivos previstos. Em muitos países, foi dito que não serão produzidos automóveis com motor de combustão interna. Mesmo na União Europeia, estabeleceram objetivos para 20, 30 anos.

 

São metas demasiado ambiciosas?

Penso que, no caso dos automóveis híbridos, não há problema em tentar (recorrer à reciclagem). Para  os carros elétricos é completamente impossível. Não estou a ver isso acontecer porque também são necessárias muitas infraestruturas. Além disso, penso que o fator fiabilidade não é suficiente. Mas nos híbridos, em que não são apenas motores de combustão interna, penso que é definitivamente plausível. Outro ponto importante é a aceleração no seio da União Europeia e da Comissão Europeia no sentido de apoiar, investir e propor que a Europa possa ter a sua própria produção de lítio.

“A reciclagem de baterias em grande escala só começará daqui a 15 ou 20 anos”.

O novo Regulamento Europeu das Matérias-Primas Críticas, que já está em vigor, exige justamente que 10% das matérias-primas críticas venham da mineração na própria União Europeia. Mas a indústria mineira tem um legado pesado e negativo que os cidadãos europeus conhecem e recusam.

Sem dúvida. É por isso que a indústria mineira é, de acordo com alguns estudos, menos popular do que a indústria do tabaco, porque há uma história muito negativa de empresas de mineração que vieram e saquearam e depois de ciclos de expansão trouxeram recessão em que, de repente, havia riqueza e, depois, de repente, havia um declínio.

 

E com um impacto negativo nos ecossistemas, focos de poluição ou atropelo de direitos laborais.

Mas isso é verdade para todos os sectores. Penso que também há uma distorção. Vejamos o caso da indústria da cana-de-açúcar. A maior parte do colonialismo que aconteceu nas Caraíbas foi por causa da cana-de-açúcar. O açúcar parece ser um produto muito inofensivo, mas causou uma enorme quantidade de opressão para os povos mais pobres.

Ou o caso da indústria do óleo de palma ou de todas as indústrias que, se não forem bem geridas, podem explorar, poluir. Os pesticidas na agricultura… O sector que mais usa água é a agricultura, 70%. Por isso, penso que qualquer indústria tem as suas externalidades negativas e temos de ser cuidadosos na sua gestão no caso da exploração mineira. É igualmente importante registar o impacto transformador que tem tido no lado positivo.

Há países que se transformaram completamente em resultado da riqueza mineral, como a África do Sul, apesar de ter havido exploração. Não há dúvida de que a riqueza que a África do Sul tem atualmente, em termos de desenvolvimento, não seria possível sem os minerais/minérios. Todos gostaríamos que tivessem sido mais bem geridos, mas se não houvesse minerais acha que não teria havido exploração? É difícil de dizer.

 

Mas essa riqueza e esse desenvolvimento económico fez-se, em muitos casos, à custa de um sacrifício ambiental e social. A mineração responsável é possível?

Penso que assistimos hoje a uma nova fase de desenvolvimento mineiro, com regulamentos para garantir a conformidade, para ter sistemas de certificação, que são monitorizados pelas comunidades. É preciso ter processos de diligência devida para qualquer indústria. E isso é aplicável à mineração. Assistimos a uma enorme mudança desde 2002, altura em que a indústria mineira se envolveu num processo chamado Iniciativa MMSD – Mining, Minerals and Sustainable Development. A indústria reconheceu que precisava de mudar.

 

Porquê?

Por serem tão impopulares. Aperceberam-se de que havia muitos conflitos, muita oposição. Não conseguiam arrancar com os projetos. Por isso, todas estas grandes empresas mineiras, como a  Broken Hill Proprietary (BHP), Rio Tinto, Anglo American, juntaram-se e disseram: ‘O que é que devemos fazer?’ E foi nessa altura que se envolveram neste processo. Criaram uma organização chamada ICMM – International Council on Metals and Mining, cujo objetivo é melhorar o desempenho social e ambiental da indústria mineira.

 

Houve mudanças concretas ou estamos a falar de uma campanha para “limpar” essa imagem negativa?

Algumas pessoas podem chamar-lhe “greenwashing”, mas se olharmos para as métricas de impacto podemos ver que houve melhorias em muitas áreas. Mas não em todas. Por exemplo, uma das áreas em que tem sido uma grande preocupação e em que não houve melhorias é a dos resíduos (da atividade da mineração), barragens, falhas em minas de minério de ferro e grandes minas.

No Brasil, tivemos dois grandes desastres com barragens que mataram muitas pessoas e o número de desastres com barragens de resíduos não diminuiu, o que tem sido uma preocupação. As pessoas estão conscientes de que se trata de uma indústria com elevados riscos e elevadas recompensas e que temos de a controlar.

Mas há áreas em que se registaram melhorias notáveis, como os acordos de benefícios de impacto, em que as comunidades têm uma palavra a dizer na negociação de acordos. No Canadá, por exemplo, há todo um historial de acordos de benefícios.

Estudei um projeto mineiro para o meu doutoramento, há mais de 20 anos, que era uma mina de níquel em Labrador, no Canadá, e tratava-se de uma mina a que a comunidade se opôs durante muitos anos. Pertencia primeiro a uma empresa canadiana, depois foi comprada pela Vale, a empresa brasileira. E a Vale começou um processo de negociação, que se prolongou durante dez anos. E eles até deram um passo extra. Disseram que iam fazer um referendo sobre se deviam abrir a mina. Por isso, foi negociado um acordo de benefícios de impacto: é isto que a comunidade vai receber, garantias de emprego, etc. Havia comunidades indígenas que estavam preocupadas com a pesca, porque esta é uma comunidade piscatória muito importante. Exigiram, por exemplo, que não houvesse quaisquer carregamentos durante dois meses, durante a época de pesca e escreveram no acordo.

Após essa negociação, 70% da comunidade votou a favor do projeto. É preciso trabalho árduo, é um processo. As empresas têm de ser responsabilizadas, mas é definitivamente possível. Estamos numa era diferente da exploração mineira nesse sentido.

“A indústria mineira é, de acordo com alguns estudos, menos popular do que a indústria do tabaco”.

Garantir todo o lítio, cobalto ou cobre de que precisamos pode significar a abertura de centenas de novas minas em todo o mundo?

Em todo o mundo. De facto, é mais provável que haja minas noutros países menos desenvolvidos, porque o nível de oposição à exploração mineira é muito maior nos países ricos e existem muitos recursos disponíveis para contestar.

Na América, por exemplo, é extremamente difícil abrir novas minas porque temos um sistema de regulação legal ambiental muito intensivo e muitas organizações sem fins lucrativos que podem processar o governo ou a indústria por uma série de fatores.

Um projeto, desde a exploração até ao início de uma mina, pode facilmente demorar 15 anos, devido a todos estes processos que têm de ser seguidos. Houve uma melhoria do desempenho do sector da mineração em resultado da regulamentação. Mas penso que agora se tornou numa estratégia obstrucionista, basicamente aquilo a que chamamos NIMBY, “not in my backyard” (não no meu quintal), em que as pessoas simplesmente não querem ter essa exploração por perto. Preferem ter minas num país distante em África do que ter minas nas suas próprias áreas.

O que, de certa forma, é uma espécie de argumento de justiça ambiental que apresentei a colegas da comunidade ambientalista: somos nós, nos países ricos, que consumimos a maior parte destes recursos. Porque não deveríamos também suportar as externalidades negativas da extração?

Por um lado, é compreensível que as pessoas não queiram ter qualquer tipo de fatores de risco perto das suas comunidades. Por outro, devemos pensar nisto como qualquer outro fator de risco, quer se trate da construção de um aeroporto ou da construção de infraestruturas ferroviárias ou de qualquer tipo de infraestrutura. Por isso, é preciso descobrir onde gerir os riscos e as comunidades têm de ser bem informadas. Têm de fazer parte do processo. Mas não podemos viver numa sociedade de risco zero sem fazer sacrifícios.

 

No mais recente relatório das Nações Unidas sobre os recursos globais, divulgado em Março deste ano, os especialistas defendem que alcançar a neutralidade carbónica só se fará com uma redução da procura destas matérias primas. Devíamos estar a falar mais de redução de consumo do que na multiplicação de projetos de mineração?

A partir de um certo ponto, sim, podemos reduzir o consumo, mas haverá limites para a redução. E se pensarmos no mundo em desenvolvimento, em particular, ainda temos 800 milhões de pessoas que nem sequer têm acesso à eletricidade. Não pode pedir-lhes que reduzam o consumo. Mas, definitivamente, não devemos aumentar a procura. Acho que podemos e não devemos aumentar a procura, mas isso é sobretudo nos países ricos.

(Vejamos) o exemplo de Paris, que reduziu a utilização do automóvel em 40% graças à melhoria dos transportes públicos e das infraestruturas para andar a pé. E isso é ótimo. Mas, ainda assim, temos de analisar até que ponto podemos reduzir o consumo em determinadas áreas, mas isso terá os seus limites se tivermos uma sociedade democrática em que as pessoas têm um certo nível de escolha individual.

Por isso, temos de pensar: onde é que vamos traçar a linha? Especialmente para os países pobres haverá um aumento da procura. Devia ser feita uma melhor análise da utilização das infraestruturas existentes, da eficiência energética e da conservação.  Esses são aspetos muito importantes.

O Rocky Mountain Institute fez um trabalho espantoso sobre como a maior fonte invisível de energia é a conservação. O que provavelmente é verdade porque desperdiçamos muita energia. Portanto, tudo isso precisa de ser analisado. Sou totalmente a favor disso. Mas, ao mesmo tempo, haverá algumas áreas em que a procura continuará a crescer, porque estamos a lidar com um mundo com uma desigualdade estrutural tão grande e onde queremos algum nível de escolha individual.

“Trata-se de uma indústria com elevados riscos e elevadas recompensas”.

Esteve recentemente em Portugal onde recolheu informação para uma investigação académica que tem em curso, sobre os projetos de lítio em três países europeus: França, Portugal e República Checa. Porquê estes três países?

Porque são os depósitos de lítio nestes três países da Europa que estão a ser desenvolvidos atualmente. O depósito da República Checa é possivelmente o maior. O de França é muito interessante porque se situa numa antiga mina já existente. Por isso, não se trata de um desenvolvimento de raiz e será desenvolvido numa zona industrial.

Em Portugal, existem vários locais e, no seu conjunto, poderiam ser bastante transformadores para as zonas rurais de Portugal, que têm serviços reduzidos porque as pessoas estão a migrar para as cidades maiores, principalmente para Lisboa e Porto. Portanto, temos o desafio do abandono do interior. Existe uma forma de revitalizar as economias rurais e esse pode ser um aspeto interessante da investigação. No caso de Portugal, será possível a coexistência entre a exploração mineira, a agricultura e o desenvolvimento urbano a longo prazo? É um dos aspetos académicos da investigação.

 

No norte de Portugal, os projetos de Boticas e de Covas do Barroso têm sido alvo de uma forte contestação por parte dos habitantes e até do poder político local. Acontece o mesmo nos outros dois casos de estudo?

Na República Checa também se trata de uma zona muito rural. Fica na fronteira com a Alemanha e está diretamente perto de Dresden, na Alemanha. Em França, há oposição a quase tudo. Há uma cultura de protesto e revolução,  mas no caso de Portugal, parece tornar-se mais um movimento globalizado e organizado. As pessoas estabeleceram contactos com ONG internacionais.

Aqui o processo também está mais avançado em termos de desenvolvimento das fases de aprovação do projeto e as avaliações de impacto já foram feitas. E, sabe, isto é comum. Este tipo de oposição à exploração mineira é muito comum em todo o mundo.

A freguesia de Covas do Barroso, no concelho transmontano de Boticas, é um dos locais em Portugal onde a mineração de lítio poderá avançar. (Foto: Foto Vídeo Stop/Câmara Municipal de Boticas)

As comunidades locais olham com desconfiança para estes projetos, até porque no passado a construção de outras grandes infraestruturas trouxeram promessas por cumprir de desenvolvimento económico e criação de emprego.

É isso que deve fazer parte da negociação. E é importante garantir que existe um plano a longo prazo, porque neste momento também é um projeto de muito curta duração, dez anos inicialmente, potencialmente com contratos de arrendamento por 17 anos. Essa é uma preocupação que se deve ter em conta quando se tem um período de tempo tão curto. O que vai acontecer depois disto?

No espaço de uma geração, queremos certificar-nos de que esse dinheiro é utilizado para outro tipo de desenvolvimento. A primeira coisa são as infraestruturas. Se conseguirem construir infraestruturas, terão uma oportunidade de desenvolvimento a longo prazo. Se a empresa está a investir em novas estradas, novos e melhores acessos, que é o que tenho ouvido, é que o acesso rodoviário irá melhorar se conseguirem ligar-se ao sistema de auto-estradas.

E isso também pode ser um legado de benefícios a longo prazo para a comunidade em termos de escoar produtos agrícolas e assim por diante. Temos de nos preocupar com a vida selvagem. E, claro, no norte de Portugal sei que se trata também de uma área de importância para o património cultural, especialmente no que diz respeito ao património agrícola. Quais são as formas de manter e gerir a coexistência?

A exploração mineira tem coexistido com a agricultura. Há muitos exemplos disso. Na Austrália, havia toda uma região chamada Hunter Valley, em Nova Gales do Sul, onde a exploração mineira e a agricultura coexistiram durante anos. Nesse caso, tratava-se da extração de carvão. No Reino Unido, temos exemplos históricos na Cornualha e noutros locais.

Portanto, é possível, mas requer uma gestão muito cuidadosa para garantir que a utilização da água, por exemplo, seja bem gerida. Se disseram que não vão fazer descargas nos sistemas fluviais, isso é algo que tem de ser cuidadosamente monitorizado. É preciso ter a certeza de que há recarga suficiente, ou seja, que a chuva está a chegar naturalmente.

 

Os padrões de precipitação já estão a ser afetados pelas alterações climáticas. 

Tem de ser monitorizado. E a empresa pode incluir no acordo que se houver um período de seca, não pode simplesmente usar a água.

“As empresas têm de ser responsabilizadas, mas é definitivamente possível. Estamos numa era diferente da exploração mineira”.

Existem bons exemplos de recuperação de uma área onde houve extração mineira?

A Escócia, por exemplo, teve uma indústria de petróleo e gás durante muitos anos, mas as pessoas que receberam formação de qualidade conseguiram empregos em todo o mundo. Encontrará engenheiros escoceses na Nigéria, na Guiné Equatorial e na Indonésia. E isso deve-se ao facto de haver um centro de formação. Por isso, é importante que estas pessoas locais recebam formação. Uma forma de o fazer é criar uma instituição de ensino, uma pequena instituição profissional, onde as pessoas continuarão a receber formação.

Outras formas de utilizar o dinheiro é criando um fundo comunitário para desenvolver outros tipos de negócios e dar incentivos ao desenvolvimento. Muitas vezes, o turismo é desenvolvido em torno do património mineiro quando a mina fecha. Cria-se uma economia de turismo patrimonial e também se podem criar colónias de artistas, como é o caso de Bisbee, no Arizona, por exemplo. Bisbee é uma antiga cidade mineira de cobre e a extração de cobre terminou, mas tornou-se uma colónia de artistas.

Em Vancouver, há um jardim submerso que construíram num poço. É um dos jardins mais bonitos de Vancouver. O Bouchard Garden era uma pedreira, e construíram-no.

 

E os piores exemplos?

Nos EUA, foi criado o programa Superfund, responsável pela limpeza de alguns dos terrenos mais contaminados do país e pela resposta a emergências ambientais. Algumas das minas que estão na lista do Superfund são terríveis.

Há uma mina gigante no Canadá onde despejaram arsénico em poços e havia permafrost. Por isso, o arsénio congelava e não se infiltrava na água. Mas agora, com as alterações climáticas, o permafrost levou à drenagem e a única solução que têm é refrigerar o permafrost no verão.

Hoje, a maior parte das novas minas requerem planos de encerramento. Têm de os elaborar e, na maioria dos casos, têm mesmo de incluir uma caução, o que penso que também está previsto na legislação da União Europeia. Têm de garantir que, em caso de acidente, existe todo um mecanismo de seguro para lidar com a situação.

 

Mas não existe uma regulamentação global.  

Existem normas de certificação. A ICMM –  International Council on Mining and Metals está a desenvolver uma norma global em torno da própria exploração mineira. Existem também normas específicas da ISO – International Organization for Standardization, que podem ser aplicadas à exploração mineira em determinadas áreas.

 

Mas essas organizações não são constituídas apenas por agentes da própria indústria mineira?

A IRMA – Initiative for Responsible Mining Assurance não é. Há ONGs no conselho de administração, e é apoiada por algumas das ONG que historicamente têm sido contra a exploração mineira, como a Earthworks.

Além disso, a própria forma como criaram o conselho de administração tem a obrigação de incluir representantes de organizações ambientais, dos trabalhadores, da indústria e do governo. É difícil obter a certificação com a  IRMA, mas certificaram algumas recentemente.

Existe uma indústria global em torno daquilo a que chamamos diligência devida no sector mineiro. E também tem a ver com a área dos direitos humanos. E tem havido preocupações com a segurança no trabalho.

Historicamente, a maior preocupação com a exploração mineira costumava ser a segurança no trabalho, uma vez que os mineiros estavam expostos a tudo isto e isso melhorou muito. Continua a ser uma indústria de alto risco, não há dúvida. Mas os acidentes mortais no sector mineiro diminuíram drasticamente em todo o mundo.

“Somos nós, nos países ricos, que consumimos a maior parte destes recursos. Porque não deveríamos também suportar as externalidades negativas da extração”?

O recém-criado Painel das Nações Unidas para os Minerais Críticos é um reconhecimento de que a corrida aos minerais críticos é inevitável e de que é necessário acelerar com a regulamentação internacional?

A criação do painel das Nações Unidas é um sinal de que existe vontade de estabelecer uma ação multilateral. O facto de tanto a China como os EUA fazerem parte do painel é um sinal encorajador de que podemos evitar conflitos sobre recursos nacionais e melhorar a eficiência económica e ecológica das cadeias de abastecimento. A Europa também pode beneficiar disso, em vez de ser forçada a escolher um lado.

 

Portugal elegeu recentemente um novo governo e o Ministério do Ambiente e Energia tem inclusivamente como Secretária de Estado da Energia uma especialista em engenharia de minas e georrecursos. Que conselho deixaria ao Ministério?

Se conseguir argumentar que estão a gerir os riscos a um nível em que os benefícios superam os custos, pode muito bem mudar a opinião das pessoas. E ser transparente com a ciência. E penso que é muito importante que um governo não se apresente como defensor ou proponente do projeto.

O seu papel deve ser o de fornecer os factos à comunidade com base na ciência. E depois deixa-se que o processo decorra de forma justa. E haverá quem recorra ao litígio porque não vai negociar, vai apenas litigar. E isso tem de passar pelos tribunais. Mas haverá outros que estarão dispostos a negociar. E isso acontece nos chamados acordos de benefícios de impacto, os acordos entre a comunidade e a empresa. Não são entre o governo e a empresa.