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Miguel Judas

Nuno Matos: “o nosso combustível emite menos 99% de gases poluentes que o equivalente fóssil produzido numa refinaria”

28 Mar 2024 - 10:00
A empresa portuguesa Eco-Oil reutiliza resíduos poluentes provenientes de águas contaminadas em navios-tanque, para criar um novo fuelóleo 100 % reciclado, o EcoGreen Power, que é incluído novamente na cadeia de valor e serve de combustível industrial em substituição da alternativa fóssil. Destas águas contaminadas resultam também águas limpas e livres de elementos poluentes, que são posteriormente devolvidas ao mar, como explica nesta entrevista ao GreenEfact o Diretor-Geral da Eco-Oil, Nuno Matos

Em que consiste o trabalho da Eco-Oil?

A Principal missão da Eco-Oil consiste no tratamento e recuperação ecoeficiente dos resíduos perigosos recebidos dos navios-tanque, com o objetivo de produzir o primeiro fuel sustentável do mundo certificado pelo International Sustainability and Carbon Certification, ISCC, e assim ajudar as empresas do setor industrial a conseguirem acelerar a sua transição energética, contando para isso com um combustível sustentável alternativo ao fuel fóssil tradicional, de maior rendibilidade e menor impacto no ambiente. Assim, na nossa empresa – 100% portuguesa – desenvolvemos um combustível sustentável destinado à indústria, produzido totalmente a partir de resíduos de hidrocarbonetos que recolhemos e recuperamos das águas utilizadas na lavagem dos navios-tanque.

 

Como é que isso é conseguido?

Estes navios-tanque que recebemos no porto de Setúbal transportam combustíveis fósseis que, depois de descarregados nos terminais petrolíferos, deixam pequenas quantidades destes produtos que necessitam de ser lavados com água do mar para que possam ser reparados em segurança na Lisnave. O trabalho que desenvolvemos na Eco-Oil passa então por retirar estas águas contaminadas provenientes das lavagens. Estas águas depois de tratadas podem ser devolvidas ao mar, completamente livres de quaisquer elementos tóxicos e poluentes.

O Combustível produzido é comercializado com a marca EcoGreen Power, que resulta de um trabalho de investigação realizado em conjunto com a academia, e corresponde a uma operação de valorização de resíduos como matéria-prima, pois permite reintroduzi-los na cadeia de valor como um novo produto. É assim que, aos dias de hoje, somos capazes de reciclar 99% da matéria que nos chega dos navios, tratando a água para voltar ao ecossistema marinho e recuperando os hidrocarbonetos como fonte de energia sustentável.

 

Como surgiu esta empresa, que atualmente é uma das maiores a nível europeu na área da gestão de resíduos de hidrocarbonetos?

A Eco-Oil nasceu em 2001, com um propósito concreto de tratar as águas contaminadas dos navios-tanque antes da sua entrada no estaleiro da Lisnave, onde seriam reparados e só podem entrar depois de devidamente descontaminados, isto é, livres de resíduos tóxicos, inflamáveis e explosivos. As águas utilizadas nessa limpeza merecem um tratamento especial, para evitar a contaminação do ambiente e consequentes riscos para o ecossistema.

 

Que usos práticos tem o EcoGreen Power enquanto combustível?

Trata-se de um fuel sustentável produzido em Portugal a partir de resíduos industriais perigosos, naturalmente tóxicos, provenientes das águas contaminadas em navios-tanque. Tal como já referido, a partir do tratamento destas águas conseguimos recuperar os hidrocarbonetos que nos permitem, através de operações unitárias de separação e refinação, produzir o EcoGreen Power.

O nosso fuel é utilizado em diferentes instalações industriais e os nossos clientes privilegiam estratégias de incremento de sustentabilidade dos seus processos e produtos. Fornecemos o EcoGreen Power, por exemplo, a indústrias do setor alimentar que procuram transmitir a todas as partes interessadas a sua aposta na sustentabilidade, pelo que a utilização do nosso combustível acaba por ser mais um instrumento dessa estratégia.

 

Como é que as águas de lavagem dos navios-tanque são transformadas num novo combustível? Qual é o processo?

A produção do EcoGreen Power passa por várias fases e todos os processos são monitorizados continuamente e de forma automática, para garantir maior segurança e fiabilidade das operações.

As águas contaminadas chegam até nós como um resíduo industrial perigoso, leia-se, um resíduo tóxico para o ambiente, inflamável e explosivo. Em primeiro lugar, começam por ser descarregadas através de tubagem própria até aos tanques de armazenagem. Aqui permanecem para que, de forma gradual, ocorra a primeira operação unitária que corresponde à separação de fases: a componente mais pesada e carregada de sedimentos irá afundar-se na base do tanque; a água contaminada estará no meio; no topo, ficarão concentradas as frações oleosas de hidrocarbonetos. Cada uma destas frações segue uma linha dedicada de tratamento.

Assim, através de vários processos físico-químicos e tratamento biológico, conseguimos realizar o tratamento das águas até ao ponto de as devolvermos sem perigo de contaminação ao rio.

A componente rica em sedimentos, normalmente identificada como lamas, é desidratada através de equipamento mecânico para remoção de água e hidrocarbonetos e secagem da componente sólida que corresponde à fração de 1% dos resíduos entrados que não é reciclada na Eco-Oil.

Os hidrocarbonetos separados no tanque e os que se recuperaram no tratamento de água e na desidratação de lamas, são encaminhados para a unidade de refinação para processamento e produção do EcoGreen Power.

O diretor geral da Eco-Oil revela que o principais clientes do EcoGreen Power são sobretudo empresas e indústrias que “privilegiam estratégias de incremento de sustentabilidade dos seus processos e produtos”.

O que acontece, em termos de resíduos, a estas águas contaminadas?

Tal como referido na questão anterior, e para não ser demasiado técnico na explicação, posso referir que a origem da contaminação das águas resulta da sua mistura estável com hidrocarbonetos, normalmente designada emulsão água-óleo, e da presença de partículas em suspensão, coloides, que dão um aspeto negro e opaco a estas águas. Depois do tratamento físico-químico onde são removidas as partículas suspensas e os hidrocarbonetos livres, as águas são encaminhadas para o tratamento biológico de biomassa suspensa, que através de arejamento e ação microbiana é possível remover os contaminantes orgânicos solúveis. Por último, é ainda possível utilizar duas colunas de carvão ativo que garantem um tratamento eficiente e uma descarga segura destas águas no rio Sado.

Qual é a pegada carbónica do processo de fabrico deste combustível?

O EcoGreen Power foi criado com vista a responder às metas de descarbonização na indústria, tão necessárias para preservar o ambiente. Quando comparado com o combustível fóssil alternativo produzido numa refinaria tradicional, o processo de produção do nosso fuel emite menos 99% de gases poluentes numa análise completa de ciclo de vida, sendo, portanto, um combustível mais sustentável que gera energia equivalente com muito menor impacte ambiental. Como resultado, esta indústria que o utiliza torna-se também ela mais sustentável.

Também através da recuperação e processamento de resíduos, estamos a contribuir para o reforço da economia circular, pela valorização material de um resíduo que substitui na integra o produto fóssil original. Enquanto isso, tratamos as águas contaminadas por estes mesmos resíduos, devolvendo-as livre de substâncias tóxicas ao ambiente e evitando o seu descarte incorreto.

 

Que tipo de certificações têm para atestar a sustentabilidade deste combustível?

A certificação, a nível mundial, do EcoGreen Power foi realizada pelo ISCC – International Sustainability Carbon Certification -, através da iniciativa voluntária ISCC Plus.

Nesta auditoria, foram avaliadas as emissões de CO2 de todo o processo de tratamento, recuperação e transformação do resíduo no EcoGreen Power, concluindo-se, através de uma análise de ciclo de vida que de forma comparativa o nosso combustível emite menos 99% de gases poluentes do que o combustível fóssil alternativo produzido numa refinaria.

“estamos a contribuir para o reforço da economia circular, pela valorização material de um resíduo que substitui na integra o produto fóssil original”.

Será possível no futuro usar este combustível no setor da mobilidade e dos transportes?

Apesar de, atualmente, o nosso foco ser a produção de combustível sustentável para a indústria, as nossas ambições passam por podermos estender esta solução a outras áreas. Neste sentido, encontramo-nos a desenvolver investigação, juntamente com a Academia, para desenvolver possíveis formas de aplicar o nosso fuel ao setor da mobilidade e dos transportes.

 

Quais são os objetivos para o futuro?

Queremos continuar a consolidar o EcoGreen Power como um fuel sustentável para fins industriais, acompanhando os nossos clientes na sua transição energética rumo a uma indústria mais verde. As metas de descarbonização da União Europeia são ambiciosas e pretendemos continuar a trabalhar para que o nosso combustível alcance cada vez mais destaque no setor.