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Bernardo Simões de Almeida

Luís Cristino: “Os líderes empresariais devem reconhecer a sustentabilidade como uma oportunidade e não apenas um custo”

28 Jun 2024 - 09:00
A Green e-Fact conversou com Luís Cristino, fundador da OMA, uma empresa de consultoria para a área de sustentabilidade corporativa, para saber como as empresas portuguesas se estão a adaptar ao conceito de ESG (Environmental, Social e Governance), um acrónimo que já começa a fazer parte do reportório de todos os setores do país – mas também para avaliar quais as maiores resistências à implementação destas normas e princípios.

Como estão a ser implementados em Portugal os princípios ESG?

Em Portugal, a implementação dos princípios ESG (Environmental, Social, e Governance) está a ganhar cada vez mais relevância. As empresas, tanto grandes como pequenas, estão a reconhecer a importância de incorporar práticas sustentáveis nos seus modelos de negócio. Mas embora haja uma crescente consciencialização e iniciativas de sustentabilidade em diversos setores, ainda existe um longo caminho a percorrer para que a implementação seja homogénea e eficaz em todos os sectores.

 

O que tem impulsionado essa mudança?

A legislação europeia, o escrutínio dos clientes das empresas e principalmente as exigências de investidores e sector bancário, têm sido motores fundamentais para que esta mudança esteja a acontecer. Contudo, por vezes, as pessoas e empresas tem tendência a fazer confusão entre os princípios de ESG e uma empresa ser sustentável. A sustentabilidade não é um objetivo, mas uma jornada estratégica contínua que vai além das métricas ESG. É uma mudança profunda, cultural e até de fazer negócio. O ESG é um dos assuntos, métricas que estão dentro da grande âncora que é a sustentabilidade.

 

Qual dos três pilares está mais desenvolvido no nosso país, ambiente, social ou governança?

Para grande surpresa de todos, e segundo o estudo “O estado da sustentabilidade das empresas portuguesas”, apresentado recentemente pela Deloite, as empresas portuguesas estão a atuar maioritariamente em iniciativas do pilar social. Contudo, mais com um foco em iniciativas internas e não tanto no envolvimento e desenvolvimento social das comunidades onde se inserem, área na qual as empresas poderão ter ainda melhores resultados. No entanto, tanto o ambiente como a governance estão a ficar muito para trás quando se trata de atividades concretas das empresas. Já no pilar ambiental, as empresas estão a desenvolver várias iniciativas de combate às alterações climáticas, como a aposta em frotas mais verdes ou o recurso a energias renováveis, embora não só por uma questão ambiental, mas acima de tudo económica. E neste pilar, na minha opinião deveria dar-se mais atenção à gestão de resíduos, ao fomentar da economia circular e à preservação do capital natural.

Luís Cristino sublinha que setores como os da energia, da tecnologia ou de serviços financeiros, têm sido os mais rápidos a adotar práticas e métricas ESG.

Como é que estes três pilares se cruzam?

Os três pilares do ESG são interdependentes. Por exemplo, práticas ambientais responsáveis podem levar a uma melhor saúde e bem-estar social, o que, por sua vez, se vai refletir em maior produtividade e satisfação dos colaboradores. Por seu lado, uma governança eficaz é crucial para assegurar que as políticas ambientais e sociais sejam implementadas corretamente e de forma transparente. Está provado que uma abordagem integrada aos três pilares gera benefícios sustentáveis a longo prazo.

 

É um processo moroso ou caro?

À primeira vista, a implementação dos princípios ESG pode ser percecionada como um processo moroso e caro, devido à formação de uma equipa interna, mais em concreto das pessoas que vão liderar internamente o processo. Mas também devido ao tempo de análise e de obtenção de respostas, dos stakeholders, dos custos associados à utilização de novas tecnologias e plataformas para medir e comunicar o reporte, e por vezes aos ajustes dos processos operacionais que poderão surgir. No entanto, a médio e longo prazo, os benefícios superam bastante os custos. As empresas que investem em ESG tendem a ver uma redução nos custos operacionais, uma melhoria na reputação e uma maior atratividade para investidores e obviamente talentos.

 

Dos diversos ramos do setor empresarial, quais têm aderido mais as estas práticas?

Setores como os da energia, da tecnologia ou de serviços financeiros, têm sido os mais rápidos a adotar práticas e métricas ESG, impulsionados por regulamentações rigorosas e pressões dos stakeholders. Além desta adesão e dos respetivos resultados, estes setores foram também os primeiros a reconhecer o valor de integrar a sustentabilidade nos seus modelos de negócio, tanto em termos de conformidade regulatória como de vantagem competitiva.

 

Em contrapartida quais são aqueles que mais resistência oferecem à convergência ESG?

Setores como a indústria pesada, transportes e construção são os que mostram mais resistência. Uma resistência que advém da morosidade e dos custos de implementação, mas também devido às mudanças profundas que esses negócios e os seus processos irão ter de sofrer com esta implementação. Por outro lado, a constante evolução das regulamentações específicas e incentivos governamentais eficazes pode contribuir para diminuir esta resistência.

“A questão do greenwashing é bastante problemática, porque inicialmente a sustentabilidade foi vista como um mero instrumento de marketing e empresas dos mais diversos setores começaram a fazer alegações verdes ou “eco exageradas” sobre os seus produtos ou políticas, somente para melhorar a imagem pública, sem implementarem mudanças significativas”.

Em que setor se observa a maior quantidade de greewashing?

O greenwashing está em todo lado, mas é mais prevalente em setores onde uma estratégia de sustentabilidade é mais difícil de quantificar e verificar, como moda, alimentação e bebidas, produtos de consumo rápido ou de uso único. A questão do greenwashing é bastante problemática, porque inicialmente a sustentabilidade foi vista como um mero instrumento de marketing e empresas dos mais diversos setores começaram a fazer alegações verdes ou “eco exageradas” sobre os seus produtos ou políticas, somente para melhorar a imagem pública, sem implementarem mudanças significativas. Felizmente o greenwashing foi regulamentado e será punível. Se o greewashing está em todo lado, felizmente, hoje, a sustentabilidade também já está presente em praticamente tudo o que se faz!

 

É necessário mudar as lideranças, ou pelo menos as suas mentalidades?

Sem dúvida! É crucial mudar as mentalidades das lideranças no sentido de uma verdadeira transformação. Os líderes empresariais devem reconhecer a sustentabilidade como uma oportunidade e não apenas como um custo ou uma obrigação para poder continuar a operar ou a vender. O “trilema” Profit, Planet e People representa uma realidade inegável nos negócios modernos. E se é óbvio que sem Profit dificilmente haverá preocupações com Planet e People, é ainda mais óbvio que sem preocupações com Planet e People dificilmente haverá Profit, porque certamente deixarão de existir clientes. A formação e sensibilização das lideranças sobre os benefícios de longo prazo das práticas sustentáveis são fundamentais para impulsionar a mudança necessária. Afinal, quem está na liderança é confrontado diariamente com decisões, que cada vez mais têm de ser favoráveis para todas as partes interessadas.

 

Como consultor na área da sustentabilidade, quais são as maiores necessidades das empresas que o procuram?

Ultimamente temos visto um número crescente de empresas a priorizar os reports ESG. Mas estes reports não substituem uma correta estratégia de sustentabilidade que, na minha opinião, deverá ser vista de uma primeira forma. As empresas deveriam procurar principalmente orientação na integração de práticas sustentáveis nos seus modelos de negócio, ou até a transformação deles, para que sejam menos impactantes e mais resilientes na cadeia de valor. As empresas estão a ser pressionadas pela fragilidade da sua cadeia de valor ou pela via financeira e estão a procurar atingir a conformidade regulatória e medição de impacto ESG. Todavia, há também uma grande necessidade de inovação em processos e em produtos sustentáveis ou circulares, na capacitação de colaboradores em toda a temática da sustentabilidade e na criação de estratégias de comunicação eficazes, para demonstrar o compromisso com a sustentabilidade aos stakeholders. Na realidade, é necessário despoluir o presente discurso da sustentabilidade, para que as pessoas e as empresas a compreendam e a apliquem de forma natural.

Fundador da OMA, uma empresa de consultoria para a área de sustentabilidade corporativa, Luís Cristino defende que “é necessário despoluir o presente discurso da sustentabilidade, para que as pessoas e as empresas a compreendam e a apliquem de forma natural”.

Relativamente ao conceito de economia circular, é já uma prática massificada?

Isso é um tema em que se fala muito e se faz pouco. Aliás, nunca se falou tanto em economia circular e se fez tão pouco. A circularidade do planeta é de 7,2%, quando em 2018 já foi de 9%. Os modelos de negócios das empresas continuam lineares e extraímos cada vez mais recursos e materiais virgens da terra. Só nos últimos seis anos foram consumidos cerca de 28% de todos os materiais que a humanidade consumiu desde o início do seculo XX. Necessitamos da economia circular e modelos de negócio circulares, como de pão para a boca. Isto se quisermos continuar por cá, neste Planeta, de uma forma segura e sem ultrapassar os limites de segurança. Não podemos continuar no paradigma de crescimento ilimitado. É matar-nos!

 

Como se pode inverter esse cenário?

Infelizmente ainda vivemos numa época, que quando se fala em economia circular as pessoas pensam logo na reciclagem, que na realidade é o fim da linha do pensamento circular. A economia circular deve existir logo desde o momento de conceção de um produto ou serviço. É nesse momento que é definido cerca de 80% do impacto, daí a importância cada vez maior do ecodesign, recentemente objeto de uma diretiva europeia.

 

E em Portugal, como está a economia circular a funcionar?

Infelizmente ainda não é uma prática massificada em Portugal. Somos o quarto pior país da UE, com uma taxa de circularidade a rondar, somente, os 2,6%, mas mesmo assim está a ganhar tração. Se uma empresa quer efetivamente ganhar dinheiro e agregar valor, tem de olhar para o seu desperdício e vê-lo como matéria-prima, voltar a colocá-lo na cadeia de produção e assim gerar mais valor. É a maneira ideal de crescer sem causar tanto impacto nos recursos naturais e ser menos dependente da cadeia de fornecimentos. Como já deu para perceber sou apaixonado pela economia circular! Diria até que, se todas as empresas necessitam de um economista para cuidar da parte financeira, também precisam de um “economista circular” para as tornarem mais eficazes, resilientes e lucrativas a longo prazo. No fundo, temos de conseguir consumir menos e reutilizar mais. E não tenho dúvidas algumas que tal seja possível. A circularidade ajuda a construir resiliência num mundo desestabilizado. Se o mundo é circular porque é que ainda pensamos de forma tão linear?

“Não há inovação sem sustentabilidade, nem sustentabilidade sem inovação, pois ambas fomentam a competitividade dos países e das empresas”.

Como é que um sistema de capitalismo liberal pode singrar como base neste conceito e de uma forma não poluente?

Um sistema liberal pode promover a economia circular incentivando a inovação e a competitividade. Não há inovação sem sustentabilidade, nem sustentabilidade sem inovação, pois ambas fomentam a competitividade dos países e das empresas. Políticas públicas ou fiscalidade que favoreçam investimentos em tecnologias e modelos de negócio que fomentem a economia circular deveriam ser estudados, da mesma forma que se faz para as energias limpas, por exemplo. Afinal, ambos contribuem para resolver a questão de alterações climáticas e da emissão de gases com efeitos de estufa, com a vantagem de a economia circular ajudar a reduzir o desperdício que geramos. Além disso, a educação e a sensibilização dos consumidores sobre os benefícios da economia circular podem impulsionar a procura por produtos e serviços sustentáveis, baseados neste modelo de negócio.

 

Como antevê o futuro das empresas, através deste prisma do ESG?

Todas as organizações, aliás todos nós, temos um papel fundamental na transição para uma sociedade mais sustentável. O acrónimo ESG é uma prática para as empresas medirem a sustentabilidade de uma forma eficaz, uniforme e normalizada. É uma forma das empresas falarem aos seus clientes e das organizações falarem com os seus parceiros, mostrando que estão dispostas a preservar e a manter um ambiente sustentável; que têm práticas socias e de governança responsáveis e pretendem progredir com as suas operações. Mas até o conseguirem fazer e “dizer ao mundo”, passam por desafios muito importantes, que algumas vezes acabam por mudar por completo a estratégia empresarial e até o modelo de negócio. É tão difícil aplicar um plano como comunicá-lo de forma eficaz. Mas à medida que vai havendo mais regulação, vão-se criando também cada vez mais expectativas sobre os resultados do ESG.

 

E que benefícios poderá trazer este conceito à sociedade civil?

Promete uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável, esperando-se que as práticas ESG resultem em melhores condições de trabalho, maior inclusão social e num ambiente mais saudável. Mas a própria sociedade civil terá de ter um papel ativo nesse processo, exigindo transparência e responsabilidade das empresas e dos governos, mas também adotando comportamentos mais sustentáveis no seu quotidiano. Concluindo, penso que, no futuro, o acrónimo desaparecerá, porque vai evoluir, mas o conceito manter-se-á para sempre.