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Miguel Judas

Filipa Pantaleão: “A sustentabilidade é um processo contínuo, que requer o compromisso de todos”

18 Mar 2024 - 10:00
Responsável, até ao final do ano passado, pela área técnica da da EGF – Environment Global Facilities, com vista à melhoria da qualidade ambiental das empresas do Grupo Mota-Engil, Filipa Pantaleão é a nova Secretária-Geral do BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, organização que tem como objetivo a realização da Agenda para a Sustentabilidade junto das empresas. Licenciada em Engenharia do Ambiente e com um amplo currículo nas áreas da água, logística, resíduos e energia, tanto a nível nacional como internacional, é também uma das fundadoras do movimento Women in ESG (sigla inglesa para “Ambiente, Social e Governação”), para conectar, organizar e promover mulheres com destacada experiência em Portugal nestas áreas.

Estudou engenharia do ambiente, iniciou a sua carreira nos resíduos, em 2003, na Ecopilhas e depois na UNIOIL, associação de empresas gestoras e recicladoras de óleos usados. Os resíduos começaram por ser o seu primeiro interesse na área do Ambiente, porquê?

Começaram e mantêm-se! Sempre me interessei pela forma como lidamos com os resíduos que produzimos e o seu impacto negativo na natureza e na saúde humana. Percebemos que a questão dos resíduos é uma área multifacetada que aborda não só questões ambientais, mas também económicas e sociais.

Trabalhar na Ecopilhas e depois na UNIOIL permitiu-me aprender sobre implementação de práticas e políticas de economia ambiental, como é o caso destas entidades que atuam sob a responsabilidade alargada do Produtor.

 

Integra o departamento de gestão e manutenção de equipamentos e aprovisionamento de materiais e consumíveis, na líder de mercado SUMA, Serviços Urbanos e Meio Ambiente SA, do Grupo Mota-Engil. Sendo a construção considerada das mais poluentes indústrias do planeta, pode explicar-nos, em traços gerais, quais os maiores desafios desta indústria em termos ambientais?

Diria que o primeiro é a triagem – separação dos resíduos de construção e demolição para reincorporação na cadeia de valor, promovendo assim a economia circular. O segundo é a descarbonização, visto que a construção é uma das indústrias que mais contribuem para as emissões de carbono, principalmente devido ao uso de combustíveis fósseis em máquinas e equipamentos, bem como à produção de materiais de construção.

Trabalhou ainda em Concessões Público Privadas nos setores aeroportuário, portuário e rodoviário e esteve também envolvida nas negociações (com Autoridade do Porto de Lisboa e a Secretaria de Estado dos Transportes) para a concessão, financiamento e construção da expansão do Terminal de Contentores de Alcântara. De que forma é que as mudanças na mobilidade, um dos primeiros alvos da sustentabilidade, devido ao uso de combustíveis fósseis, podem transformar as cidades e até as deslocações internacionais para melhor?

A transição para formas de mobilidade mais sustentáveis, como o transporte público eficiente, veículos elétricos e bicicletas, ajuda a reduzir as emissões de carbono e a combater as alterações climáticas. Isso melhora a qualidade do ar nas cidades e reduz o impacto ambiental das viagens. Estas alterações têm impacto direto na saúde das pessoas. Acrescentava que isto tirará o foco do automóvel nas cidades e permitirá melhoria dos níveis de ruído, dos níveis de stress e permitirá tornar as cidades pensadas para as pessoas.

Filipa Pantaleão é desde o início do ano a nova secretária-geral do BCSD Portugal, organização que conta com mais de 170 empresas nacionais de diferentes dimensões, cujo volume de vendas representa cerca de 10% do PIB nacional.

Sendo Portugal um país de carros o que é que o cidadão comum pode fazer para contribuir nesse sentido? E de que forma pode ser incentivado?

As cidades têm implementado essas medidas de ordem política, nomeadamente construindo ciclovias, limitando o acesso dos carros e criando estacionamento pago. Penso que falta dar um grande impulso ao transporte público.

 

Tem viajado bastante em trabalho, dentro da Europa, mas também por África, América Latina e Ásia. Chegou mesmo a viver no Peru, onde trabalhou na área de Energia, desenvolvendo projetos e concessão de aproveitamentos hidroeléctricos. Que ensinamentos tem retirado destas experiências internacionais?

Tive oportunidade de ter acesso a mercados muito variados ao longo do meu percurso profissional e tal, enriqueceu o meu entendimento sobre as complexidades e desafios enfrentados em diferentes contextos culturais. Em particular, no Peru e trabalhando na área de Energia, em projetos e concessões de aproveitamentos hidroelétricos, tive uma experiência com comunidades indígenas que não seria possível em Portugal. Essa experiência proporcionou-me uma compreensão mais profunda dos desafios e oportunidades na área social.

 

Portugal está de facto a bom ritmo no caminho para a sustentabilidade e bioeconomia, como sublinha o Ministério do Ambiente do cessante governo?

Portugal tem feito progressos significativos no caminho para a sustentabilidade transversal, muito impulsionado pela legislação Europeia e pela atribuição de fundos. No entanto, é importante reconhecer que estamos a mudar de forma muito lenta e que ainda há desafios a enfrentar e que a sustentabilidade é um processo contínuo que requer o compromisso de todos os setores da sociedade – é aqui que entram as empresas e estou certa de que serão elas o motor para a necessária transição.

“Portugal tem feito progressos significativos no caminho para a sustentabilidade transversal, muito impulsionado pela legislação Europeia e pela atribuição de fundos”.

Acaba de assumir a secretaria-geral do BCSD Portugal, um reputado conselho empresarial para a referida transição verde da indústria nacional, onde estão algumas das principais empresas do país. Qual é a missão deste organismo e em que consiste o seu papel, enquanto secretária-geral, como agente de mudança?

O BCSD Portugal nasceu em 2001 pela mão de um grupo de empresários portugueses, convictos de que a sustentabilidade iria ser um tema chave para a competitividade das empresas no século XXI. O BCSD Portugal é uma associação sem fins lucrativos que integra o WBCSD (World Business Council for Sustainable Development), a maior organização internacional empresarial a trabalhar a área do desenvolvimento sustentável, com sede em Genebra e presença em todo o mundo.

Há mais de 22 anos a assumir um papel ativo na sustentabilidade, o BCSD Portugal construiu uma rede de mais de 170 empresas-membro, que no seu conjunto representam 10% do PIB português, com uma ampla representação setorial e empresas de diferentes dimensões, desde as que integram o índice bolsista PSI20 a outras de menor dimensão. A nossa missão é apoiar as empresas na sua transição para a sustentabilidade e na integração dos desafios ESG – Ambiental, Social e Governança – nos seus modelos de negócio. Apoiamos os nossos associados em três grandes áreas estratégicas: Formação, Conhecimento e Comunicação.

A minha missão será ajudar a equipa do BCSD Portugal a continuar a contribuir com valor acrescentado aos nossos membros diariamente e de forma oportuna. Com a crescente quantidade de regulamentações, relatórios e notícias, acredito que todos nós sentimos uma certa eco-ansiedade e medo de ficar para trás. Portanto, o nosso trabalho consiste em fornecer conhecimento relevante, desenvolver projetos em tempo real e colaborar com as empresas e capacitá-las para construírem as suas estratégias de negócio com uma abordagem sustentável.

 

Que papel podem também ter as pequenas empresas nesta mudança de paradigma?

As Pequenas e Médias empresas (PME) têm papel muito importante por estarem em franca maioria na economia nacional. Embora possam não ter os mesmos recursos financeiros e capacidades operacionais que as grandes empresas, as PME têm um papel de liderança a desempenhar no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável porque contribuem de forma direta para o desenvolvimento económico de Portugal, através da promoção do crescimento económico inclusivo e sustentável, emprego e trabalho decente para todos (ODS 8), bem como da promoção da industrialização sustentável e da inovação (ODS 9).

Para além de serem a estrutura basilar da economia portuguesa, fazem parte das cadeias de fornecimento global das grandes empresas. Têm, por isso, um papel crucial na construção de um país sustentável através de práticas empresariais responsáveis, combinadas com relatórios de sustentabilidade, que ajudam a integrar as premissas de sustentabilidade na gestão e operações.

Pelo seu papel profundamente transformador e impacto nos pilares da Sustentabilidade, as PME estão convocadas para o cumprimento da Estratégia Portugal 2030 e potencialmente habilitadas ao conjunto de reformas e investimentos que visam a retoma do crescimento económico sustentado do país por via da Resiliência, Transição Climática e Transição Digital.

A nova secretária-geral da BCSD Portugal defende que as PME têm “um papel crucial na construção de um país sustentável”.

Qual vai ser o seu alvo, ou alvos, preferenciais de atuação?

A nossa missão base mantém-se inalterada há mais de 20 anos, que é incentivar e apoiar os nossos membros na sua jornada rumo à sustentabilidade, inspirando-os e ajudando-os a construir organizações e modelos de negócio que sejam competitivos, inovadores e sustentáveis a nível Ambiental e, mais recentemente, introduzindo a componente Social e de Governance Económico. Estes três pilares demonstram que a sustentabilidade é responsabilidade do negócio e dos seus impactos nas pessoas e no planeta, por isso evoluimos. Assim, realizámos uma análise estratégica que resultou em 5 tópicos-chave a serem abordados, nomeadamente: Biodiversidade, Economia circular e cadeia de valor, Clima e Energia, Reporte e finanças sustentáveis e Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI). Este último é um excelente exemplo de como estamos a aprofundar várias vertentes em cada uma das siglas em ESG, sempre de acordo com as solicitações das empresas, inovando, mas sem perder o objetivo macro da promoção da sustentabilidade.

Temos o objetivo de atingir os 200 membros, multisetoriais e de várias dimensões, e queremos consolidar a Academia do BCSD Portugal como a instituição certificada e de referência para as empresas poderem formar os seus colaboradores. No ano passado, formámos quase 3000 pessoas, quer membros quer empresas da sua cadeia de valor.

 

Foi uma das fundadoras da Women in ESG, um grupo que pretende organizar e promover mulheres com destacada experiência em ESG em Portugal. Como está a igualdade de género a este nível? Já é uma realidade ou também neste campo ainda há um longo caminho a percorrer?

Segundo os dados, a esta velocidade demoraremos 130 anos, por isso ainda há um longo caminho a percorrer. A boa notícia é que tem sido um tema cada vez mais falado, discutido, legislado, medido pelo que acreditamos que será mais rápido agora e contribuirá para uma sociedade mais equilibrada.

No contexto de um estudo desenvolvido pelo BCSD Portugal em colaboração com a EY Portugal, também se confirmou o cenário mais negativo relativamente a este tema, no entanto, as empresas estão progressivamente a integrar práticas, programas e métricas DEI. No BCSD Portugal, iremos apoiar as empresas na consolidação de uma estratégia DEI abrangente.