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Miguel Judas

Ana Calhôa: “O biocombustível avançado é a fonte renovável mais eficiente para uma mobilidade sustentável”

8 Jan 2024 - 10:00

Produzidos a partir de matéria orgânica renovável, como óleos alimentares usados, molhos e margarinas fora de prazo, algas ou borras de café, os biocombustíveis avançados permitem reduzir as emissões de CO2 entre 84% e 97%, quando comparados com os combustíveis fósseis e têm emergido como uma alternativa no cenário energético global, contribuindo não só para a economia circular, mas também para a neutralidade carbónica em setores como a mobilidade e a indústria, como explica nesta entrevista a Secretária-Geral da Associação de Bioenergia Avançada, Ana Calhôa

O que são em específico os biocombustíveis avançados?

Os biocombustíveis avançados são produzidos a partir de matérias-primas residuais, tais como resíduos urbanos, resíduos domésticos, resíduos industriais, resíduos agrícolas e florestais, como é o caso dos óleos alimentares usados, resíduos de palha, molhos fora de prazo, borras de café, algas, lamas de ETAR, entre outros. No entanto, ao contrário dos biocombustíveis convencionais (ou de primeira geração), os biocombustíveis avançados não recorrem ao cultivo agrícola, sendo, por isso, mais sustentáveis, amigos do ambiente e favoráveis à economia circular.

 

Quais as suas vantagens em comparação aos combustíveis fósseis?

Os biocombustíveis avançados promovem uma economia circular, por utilizarem como matéria-prima resíduos, que de outra forma seriam desperdiçados ou mesmo poluentes, por serem descartados de forma errada, para produzir energia verde. A sua redução de emissões de gases com efeito estufa, representa um decréscimo entre 83% a 97% (dependendo da matéria-prima residual) quando comparados com os combustíveis fósseis. Os biocombustíveis estão, atualmente, prontos para serem incorporados nos combustíveis fósseis, sendo a forma mais eficaz para uma mobilidade sustentável, pois permitem uma rápida e justa transição energética nos transportes. Não exigem a aquisição de novos veículos ou de novas infraestruturas, uma vez que são incorporados nos combustíveis que já utilizamos, distribuídos através de infraestruturas existentes, tais como oleodutos, tanques e mangueiras disponíveis nos postos de abastecimento. Desta forma, movem os veículos que já temos, sendo, por isso, a forma mais imediata de qualquer condutor se tornar mais sustentável. Os biocombustíveis avançados podem ser utilizados na aviação e transporte marítimo, dois setores com um elevado impacto ambiental e que podem tornar-se mais sustentáveis com este consumo.

A secretária geral da ABA “é fundamental melhorar os apoios e a legislação para impulsionar o setor de biocombustíveis avançados”

Como está a situação em Portugal no que ao uso de biocombustíveis avançados diz respeito e como poderá evoluir num futuro próximo?

No último trimestre de 2020, iniciou-se a incorporação de biocombustíveis avançados, tendo passado a existir um limite mínimo de incorporação de 0,5% em 2021, com a transposição da RED II. Sendo que, em Portugal, atualmente existe um limite mínimo de 0,7%, parece que estamos no bom caminho, pois já incorporamos acima deste limite. Nos mais recentes dados que temos, observa-se um aumento de produção de biocombustíveis de 2021 para 2022, onde mais de 85% da matéria-prima utilizada é residual, sendo mais de 60% de óleos alimentares usados e cerca de 25% de biocombustíveis avançados. Ainda assim, há muito a fazer, sobretudo no que toca a alinhar as várias entidades que acompanham o setor.

Paralelamente, ainda não existe, em Portugal, matéria-prima suficiente para alimentar a produção de biocombustíveis avançados, havendo a necessidade de importar. Por este motivo, a ABA tem como um dos seus objetivos a promoção de recolha de óleos alimentares, borras de café e outros resíduos em solo nacional, de forma a que seja possível começar a reduzir a importação destas matérias-primas, ao mesmo tempo que promovemos a economia circular e hábitos de consumo mais conscientes, contribuindo assim para a redução da dependência energética de Portugal.

 

Em termos ambientais, quais são as principais vantagens deste tipo de combustíveis?

Por serem produzidos a partir de resíduos já existentes, os biocombustíveis avançados reduzem significativamente o impacto ambiental. Estes permitem a reutilização de resíduos de vários tipos, sem recorrer a culturas alimentares, e têm um efeito imediato na redução de emissão de gases – se compararmos com o gasóleo, a diferença é mais de 84%, ou, até mesmo, com o elétrico convencional, a redução é de 67%. Ao reutilizar os resíduos, estamos a promover a economia circular e a garantir que, em vez de poluírem o ambiente, estão a ser transformados em energia, contribuindo para a redução da dependência energética de Portugal. Por fim, o facto de prolongar a vida útil dos resíduos faz com que estejamos também a solucionar o desperdício e a promover uma melhor separação e processamento destes resíduos enquanto novas matérias-primas.

“Por serem produzidos a partir de resíduos já existentes, os biocombustíveis avançados reduzem significativamente o impacto ambiental”

E em termos económicos?

O potencial dos biocombustíveis avançados estende-se à economia, uma vez que o desenvolvimento desta indústria em Portugal representaria uma maior recolha – há uma grande quantidade de óleo alimentar usado e outros resíduos, que é altamente danoso para o meio ambiente, a ser utilizado, mas apenas uma pequena parte deste a ser recolhida e reutilizada. Ao mesmo tempo, mais produção e comercialização significam mais emprego e o posicionamento de Portugal como um líder europeu no setor dos biocombustíveis sustentáveis, tanto de resíduos, como de outros avançados.

Também não nos podemos esquecer da realidade do nosso parque automóvel, que é bastante envelhecido e que precisa de soluções sustentáveis, para que seja possível Portugal atingir a neutralidade carbónica em 2050 e cumprir com as suas metas. É essencial que todos possam fazer parte da solução e, por isso, são necessárias soluções acessíveis a todos, e economicamente viáveis, daí a necessidade do mix energético.

 

O que falta então para os biocombustíveis se tornarem a norma e não a exceção?

Os desafios que sentimos no setor são maioritariamente relacionados com a informação da população sobre as alternativas aos combustíveis fósseis – ainda existem alguns “mitos” ou informações incorretas que precisamos de esclarecer para reforçar a confiança dos consumidores nestas alternativas. Em simultâneo, é preciso ajudar os operadores e outros players a compreender essas soluções, e também reforçar que um mix energético diversificado é, de facto, a solução para a descarbonização. Além disso, é fundamental melhorar os apoios e a legislação para impulsionar o setor de biocombustíveis avançados. Somente com políticas claras, estabilidade legislativa e incentivos financeiros conseguimos acelerar a adoção de soluções eficientes e sustentáveis.