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Sara Pinho

Que passos estão a ser dados na gestão dos resíduos laboratoriais?

11 May 2024 - 09:00
Os resíduos laboratoriais associados à investigação científica são cada vez mais objeto de análise no âmbito da sustentabilidade e da tentativa de cumprir a meta da neutralidade carbónica até 2050. Se por um lado o papel vital da ciência e da inovação no progresso da sociedade não pode ficar comprometido, por outro quer promover-se a reflexão sobre como mitigar o impacto ambiental da investigação científica.

É neste contexto que os esforços de fazer com que os laboratórios se tornem mais ecológicos e criem estratégias socialmente responsáveis estão a ganhar ímpeto, sendo sobretudo neles que recai a responsabilidade de reduzir as consequências ambientais da sua atividade – sejam eles laboratórios de análises clínicas, universitários, farmacêuticos ou industriais.

Estima-se, por exemplo, que os laboratórios sejam responsáveis por cerca de 2% dos resíduos plásticos a nível mundial e que utilizem três a 10 vezes mais energia por metro quadrado do que um escritório típico, de acordo com o LEAF, uma norma estabelecida pela University College London para melhorar a sustentabilidade e a eficiência dos laboratórios.

Um guia elaborado pela Federação Europeia de Química Analítica e Medicina Laboratorial refere o aquecimento global, a consequente subida do nível do mar e as alterações na ecologia e nos padrões de doença entre as consequências ambientais associadas à atividade laboratorial.

A redução da biodiversidade (como mostra este artigo da revista Nature) a poluição atmosférica, o consumo de água, a produção crescente de resíduos e a consequente contaminação de locais por escoamento ou deposição desses resíduos em aterro fazem ainda parte das várias formas como a pegada ecológica dos laboratórios se manifesta.

Estima-se que os laboratórios sejam responsáveis por cerca de 2% dos resíduos plásticos a nível mundial e que utilizem três a 10 vezes mais energia por metro quadrado do que um escritório típico.

Mas a pegada ecológica nestes termos desdobra-se em complexidade, como demonstra ao Green eFact Edgar Mendes, engenheiro da Divisão de Manutenção, Ambiente e Segurança da Universidade de Coimbra, ao afirmar que é necessário “enquadrar os impactos diretos e as atividades conexas, como o transporte da matéria-prima, o laboratório em si, o consumo de água e energia, o uso de materiais, as águas residuais, e a segurança laboratorial”.

Numa abordagem genérica, porém, afirma que os impactos ambientais da atividade laboratorial estão intimamente ligados à questão dos resíduos, cuja gestão se mantém aquém daquilo que devia ser, na sua perspetiva. Quanto aos resíduos, eles podem ser químicos, elétricos, eletrónicos, hospitalares, de papel, vidro ou plástico (estes últimos sob a forma de garrafas, luvas, placas petri, pipetas, tubos de amostra e frascos).

A gestão de resíduos em laboratório passa pela identificação, etiquetagem, armazenamento e o respetivo encaminhamento para operadores licenciados, ou seja, empresas que ficam responsáveis por decidir que destino dar àquele resíduo. Dependendo das características do resíduo, ele pode ser encaminhado para uma entidade responsável pelo tratamento de fim de linha dos materiais, mas também pode ser incinerado ou conduzido para aterro.

Apesar de reconhecer que Portugal deu passos significativos no tratamento de resíduos nos últimos anos, Edgar Mendes sublinha que “não existe o rigor que deveria existir na gestão destes resíduos”. Para o engenheiro, teria de haver uma perspetiva incutida em quem faz a gestão dos resíduos que passasse por comprar matérias-primas menos geradoras de resíduos, pelo cuidado de não misturar os diferentes tipos de resíduos ou pela classificação adequada dos mesmos.

“Na Universidade de Coimbra, não deixamos que nenhum resíduo não tenha tratamento, mas sabe-se que nem tudo está a ser separado corretamente”, garante .

É também por isso que considera fundamental sensibilizar-se as equipas de investigação para uma gestão adequada dos resíduos laboratoriais e haver formação das mesmas para evitar situações que comprometam a segurança laboratorial (por exemplo, a nível de descargas para águas residuais sem fiscalização, de derrames ou da emissão de compostos nocivos para a atmosfera).

Para Edgar Mendes, engenheiro da Divisão de Manutenção, Ambiente e Segurança da Universidade de Coimbra, os impactos ambientais da atividade laboratorial estão intimamente ligados à questão dos resíduos, cuja gestão se mantém aquém daquilo que devia ser.

Já Susana Alarico, investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, chama a atenção para os produtos de utilização única, ou descartáveis, que são frequentemente necessários nos procedimentos laboratoriais para evitar a contaminação, permitir repetições experimentais e acelerar os processos.

Além disso, estes resíduos são quase exclusivamente enviados para aterros ou incinerados, sendo por isso importante que se atue a montante e se reduza a produção deste material, ainda antes de se pensar em reutilizá-los ou reciclá-los, com vista a minimizar os impactos ambientais.

A par dos descartáveis, a investigadora refere o material excedente que é enviado pelos fornecedores da universidade.

“Quando fazemos uma encomenda de um produto refrigerado, o produto vem dentro de uma caixa de esferovite, que vem dentro de uma caixa de cartão, e a caixa de cartão muitas vezes ainda vem envolta em plástico ou tem plástico lá dentro. Tiramos o frasquinho e ficamos com aquele excedente todo de material”, conta.

Apesar de parte deste material já ser recolhido de forma seletiva, em separado, e depois reciclado, Susana Alarico sublinha que há, da parte da sua equipa, “alguma pressão, junto dos fornecedores, para que optem por [lhes] fornecer materiais cada vez mais sustentáveis”.

Susana Alarico, investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, chama a atenção para os produtos de utilização única, ou descartáveis, que são frequentemente necessários nos procedimentos laboratoriais.

Em Portugal, a preocupação crescente em atuar sobre a pegada ecológica associada à ciência resultou, por exemplo, na criação de uma rede de green labs, o GreenLabs Portugal, que junta laboratórios de investigação do Lisboa, de Elvas, de Coimbra, de Aveiro e do Porto.

Entre 16 a 18 de maio, a redução da poluição da indústria de laboratórios irá subir ao palco em Coimbra, naquele que se espera ser o maior encontro de profissionais do mundo dos laboratórios dirigido à indústria – o Labsummit Congress 2024.

Pretende-se aqui apresentar as melhores práticas e discutir ferramentas que podem ser utilizadas a fim de diminuir a pegada ecológica na indústria de laboratórios. O evento é organizado pelo ISQ – Centro de Interface e Tecnologia em parceria com a Ambidata e o Relacre.

Em declarações ao Green eFact, João Safara, administrador do ISQ, diz que o centro está a desenvolver projetos na área da sustentabilidade para lidar, por exemplo, com a questão dos resíduos tóxicos, mas ainda não os pode revelar.