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Teresa Lencastre

Qual é, afinal, o grande pulmão do planeta?

20 Apr 2024 - 10:00
“Os pulmões da Terra estão em chamas”, escreveu em 2019 uma das maiores celebridades do mundo. À data, Leonardo DiCaprio denunciava os incêndios devastadores na Amazónia, com duras críticas a Jair Bolsonaro, mas também veiculava uma ideia controversa: a de que a Amazónia é a principal fonte de oxigénio do mundo, do qual dependemos para respirar. Será mesmo assim?

A repercussão dos incêndios da Amazónia reforçou essa ideia, mas também motivou o seu esclarecimento. Hoje, uma rápida pesquisa na Internet mostra-nos que não só a Amazónia, mas diversos ecossistemas são associados à metáfora dos pulmões, nomeadamente os oceanos, a Antártida ou mesmo a floresta do Congo.

Mas haverá mesmo um grande pulmão do planeta, como defendeu o ator e ativista Leonardo DiCaprio?

Filipe Lisboa, o português que observa a terra a partir dos satélites do programa Copernicus, da União Europeia, esclarece que não existe apenas um, mas “diversos pulmões de planeta” e que “nenhum deles está fora de perigo”.

Grande proliferação de fitoplâncton no Báltico, captada por um dos satélites do programa Copernicus.

Em declarações ao Green eFact, este doutorando em alterações climáticas admite que circunscrever a expressão a só um ecossistema é “perigoso” e dá conta de várias fontes de oxigénio no mundo, nomeadamente as florestas, os oceanos e outras formas de vegetação.

“No estado em que estamos de tão elevadas concentrações de dióxido de carbono na atmosfera e de tamanha urgência no problema das alterações climáticas, diria que todos os pulmões do planeta são importantes”, sublinha.

Um deles, adianta, são as algas marinhas microscópicas conhecidas por fitoplâncton. De acordo com Filipe Lisboa, cerca de metade do oxigénio que respiramos atualmente provém destas algas, que existem em todo o oceano.

“A outra metade provém das florestas terrestres”, acrescenta.

“No entanto, se considerarmos toda a história da vida na terra, este fitoplâncton já tem muito mais currículo na produção de oxigénio. Aliás, as primeiras formas de vida na terra foram precisamente as famigeradas cianobactérias e só muitos milhões de anos mais tarde passámos a ter plantas terrestres.”

O cientista português Filipe Lisboa admite que circunscrever a expressão “pulmão do planeta” a só um ecossistema é “perigoso”, uma vez que existem várias fontes de oxigénio no mundo.

À semelhança dos demais pulmões da terra, também o fitoplâncton está em risco, explica o investigador.

“As nossas florestas flutuantes estão em perigo num cenário de alterações climáticas. Sabemos que os oceanos estão cada vez mais quentes e isso tem impactos gravíssimos nas diversas espécies de fitoplâncton e no modo como elas capturam dióxido de carbono e produzem oxigénio.”

Nas florestas terrestres, Filipe Lisboa também fala num cenário “dramático”, citando resultados observados através dos satélites do Copernicus, onde trabalha, e no mapa Global Forest Watch, ferramenta que dá informações em tempo real sobre o estado das florestas em todo o mundo.

“Não existem florestas terrestres não afetadas pela desflorestação”, refere o investigador, dando conta de “benefícios económicos” contrários à preservação destes ecossistemas vitais.

Os oceanos estão cada vez mais quentes e isso tem impacto nas diversas espécies de fitoplâncton e no modo como elas capturam dióxido de carbono e produzem oxigénio.

O ciclo do carbono nos diferentes pulmões do planeta

Em entrevista ao Green eFact, Filipe Lisboa explica ainda as diferenças no ciclo do carbono entre os ecossistemas terrestres e marinhos.

O investigador refere que queimadas, incêndios ou cortes de árvores resultam sempre numa reemissão de dióxido de carbono para a atmosfera, ao contrário de certas espécies de fitoplâncton, que podem decompor-se no oceano, levando o CO2 para as profundezas.

Ainda assim, diz o investigador, se houver uma explosão muito rápida de desenvolvimento de fitoplâncton, a consequente decomposição das algas pode dar origem às chamadas “dead zones”, isto é, zonas com muito baixos níveis de oxigénio.

Este fenómeno pode decorrer, em parte, das alterações climáticas e provoca a destruição de importantes ecossistemas marinhos.

 

Segundo o investigador Filipe Lisboa já “não existem florestas terrestres não afetadas pela desflorestação”, sendo a Amazónia um dos maiores exemplos desta realidade.

Pulmões do planeta em risco. O que fazer?

Perante a ameaça às fontes de oxigénio do planeta, Filipe Lisboa defende que “tanto o pulmão terrestre como o pulmão marinho devem ser protegidos com a maior urgência”.

Questionado sobre como o podemos fazer no nosso dia a dia, o especialista aconselha as pessoas a agirem localmente e a pensarem globalmente.

“Estarmos atentos aos pequenos ou médios espaços verdes que nos rodeiam é fundamental”, diz Filipe Lisboa, dando como exemplo a defesa da Quinta dos Ingleses, em Carcavelos, que tem sido palco de protestos, devido à construção de um projeto habitacional.

No que toca ao “pensar globalmente”, o investigador apela a um comportamento de consumo mais consciente. Evitar produtos com óleo de palma ou reduzir o consumo de carne, ambos associados à desflorestação, são formas possíveis de proteger os pulmões do planeta.