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Sara Pinho

Debate: Quais devem ser as prioridades ambientais para a Europa?

24 May 2024 - 09:00
A convite da ANP|WWF, organização não-governamental de conservação da Natureza, em parceria com o Green eFact, os candidatos dos partidos com assento parlamentar e representação no Parlamento Europeu às eleições europeias, à exceção do partido Chega, reuniram-se para debater as diferentes propostas para fazer face à emergência climática.

Mais do que apresentar as propostas políticas para a área do Ambiente, o debate quis esclarecer que investimento defendem os partidos, com exceção do partido Chega, para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis, que soluções são apresentadas para mitigar os impactos dos fenómenos climáticos extremos e de que forma se comprometem os candidatos com as políticas de restauro da Natureza. A conversa teve a moderação do jornalista Miguel Judas.

Para Hélder Sousa e Silva, candidato ao Parlamento Europeu pela Aliança Democrática (AD), “a questão do hidrogénio será o futuro”, a qual diz ser a fonte alternativa para a qual se deve caminhar para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis. Para o candidato, “a questão da Investigação e Desenvolvimento particularmente na área dos combustíveis sintéticos não resolve questões de curto prazo”.

Para estas eleições europeias, o partido propõe a criação de um cluster ibérico na área das energias alternativas, particularmente no que diz respeito às energias solar e eólica (tanto onshore, em terra, como offshore, no mar). Quanto à energia hídrica, o partido defende que ela deve ser mantida, mas, caso se pretenda aumentar a sua produção, esse aumento deve ser “extremamente bem ponderado, particularmente no que diz respeito a novas barragens”.

O candidato propõe a revisão do Pacto Ecológico Europeu e, no que toca à Lei do Restauro da Natureza, defende maior investigação relativamente aos fertilizantes e fitofármacos, bem como a valorização da profissão do agricultor, na medida em que “a questão do setor agrícola é uma questão essencial, juntamente com a indústria” neste campo.

Para a AD, o princípio do poluidor-pagador – que responsabiliza as empresas pelos danos ambientais que causarem, pressionando-as para porem em prática medidas de prevenção ou reparação necessárias e suportarem os custos conexos – “é a pior coisa que existe”, por não haver uma “mais valia nesse processo”.

Os candidatos à eleições europeias de sete dos oito partidos com assento parlamentar (o Chega não esteve presenta por decisão da organização da ANP|WWF) apresentaram as respetivas propostas de políticas ambientais.

Bruno Gonçalves, candidato pelo Partido Socialista (PS), propõe o aprofundamento e a aceleração do Pacto Ecológico Europeu, “para possibilitar que a transição seja justa e verde”, bem como concretizar uma União da Energia, cujo objetivo se prende com a proteção dos consumidores em Espanha e Portugal do aumento dos preços da energia. Defende ainda que a interligação das redes elétricas dentro da Península Ibérica e com os demais Estados-Membros irá permitir que se alcance uma soberania energética conjunta.

O candidato entende que a inovação e o investimento público terão de ser igualmente integrados para alavancar a transição energética. Apela também a que as universidades “transfiram conhecimento para a indústria” e que acelerem, por exemplo, o desenvolvimento de projetos no âmbito do hidrogénio.

Num outro plano, a sobretaxação de voos privados faz parte do compromisso do partido na defesa de uma transição justa, bem como a aposta no aumento da diversidade de terras agrícolas e dos polinizadores em solo europeu, no que toca à proteção da biodiversidade nas florestas e dentro das cidades.

A AD propõe a criação de um cluster ibérico na área das energias alternativas, particularmente no que diz respeito às energias solar e eólica, enquanto o PS propõe o aprofundamento e a aceleração do Pacto Ecológico Europeu, “para possibilitar que a transição seja justa e verde”.

João Monteiro, candidato ao Parlamento Europeu pelo LIVRE, propõe acabar com o subsídio europeu aos combustíveis fósseis e alocar esse dinheiro a outras iniciativas, nomeadamente de investimento nas energias renováveis e na mobilidade. Afirma também que a solução passa pelo financiamento público, privado e das cooperativas.

O candidato afirma que o partido não está de olhos fechados aos “campos agrícolas que têm sido devastados” para a produção de energia solar. Para o partido, a solução passa por instalar painéis solares em edifícios públicos nos telhados e em terrenos industriais que já não estão a ser utilizados.

Propõem que se deve investir no hidrogénio enquanto alternativa energética, mas sobretudo aplicar o conhecimento científico na procura de alternativas aos combustíveis fósseis. Como complemento à produção de energia elétrica, João Monteiro destaca ser necessário investigar os vários tipos de baterias.

O Livre afirma que irá votar favoravelmente a Lei do Restauro da Natureza, mas diz querer ir mais além, propondo reflorestar mais áreas e passar parte delas para a gestão pública. Relativamente à extração mineira, João Monteiro destaca a importância de integrar a população local na tomada de decisões e o dever, por parte das entidades exploradoras, de assegurar o restauro da paisagem do início ao fim dos projetos.

Na agricultura, a segurança alimentar é a pedra basilar, sendo a agricultura biológica, a biotecnologia e a agricultura de precisão, aliadas à investigação, consideradas alternativas no caminho para a transição energética. O Livre defende ainda o apoio a jovens agricultores.

O Livre afirma que irá votar favoravelmente a Lei do Restauro da Natureza, mas diz querer ir mais além, propondo reflorestar mais áreas e passar parte delas para a gestão pública.

Considerando que as energias renováveis são um pilar para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, Luís Fazendeiro, candidato pelo Bloco de Esquerda (BE) às eleições europeias, diz que a União Europeia está a falhar nas medidas com vista à redução da emissão de gases com efeito de estufa para alcançar a meta a que se propôs.

“Se não ouvirem propostas bastante radicais e que questionem diretamente o sistema económico, podem assumir provavelmente que estes critérios não vão ser cumpridos”, afirma, propondo aumentar o investimento público “em termos massivos” no setor dos transportes, de forma a reduzir as emissões desse setor.

Uma das propostas principais do Bloco é também a criação de cerca de 10 milhões de empregos a nível europeu nos próximos anos, em áreas que baixem diretamente as emissões de gases com efeito de estufa, nomeadamente na indústria.

O candidato considera que a Lei do Restauro da Natureza seria “absolutamente essencial” para toda a União Europeia e afirma que agricultores e silvicultores devem ser beneficiados, “seja pelo armazenamento de carbono que as suas culturas possibilitam, seja pelos serviços de conservação que estão a fazer de uma forma direta ou indireta”.

Para Luís Fazendeiro, o Simplex Ambiental (diploma aprovado em 2022 com o propósito de simplificar licenças ambientais) é o exemplo claro de uma das contradições que existem a nível nacional e europeu que põem em risco a biodiversidade e os ecossistemas.

 

Uma das propostas principais do Bloco de Esquerda é também a criação de cerca de 10 milhões de empregos a nível europeu nos próximos anos, em áreas que baixem diretamente as emissões de gases com efeito de estufa.

Jorge Teixeira, candidato pela Iniciativa Liberal (IL), destaca a necessidade de aliar o investimento público ao investimento privado no caminho da transição energética, sem excluir a competitividade que vê nos transportes e nas energias renováveis. Implementar a economia circular nos setores empresariais é outro ponto-chave para o partido dos liberais.

Do ponto de vista do investimento público, a investigação (na procura de soluções tecnológicas), os transportes (na aposta na ferrovia, de forma a reduzir a quantidade de carros na estrada) e os edifícios e a sua eficiência energética são áreas que “terão de exigir um esforço financeiro” para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis.

No campo dos investimentos privados, Jorge Teixeira dá como exemplo de sucesso o “cap-and-trade” – um sistema em que a redução de emissões de carbono assenta na compra e venda de licenças no chamado Mercado de Carbono – em voga na União Europeia e pretende acelerar a adoção de tecnologias para descarbonizar a eletricidade.

O partido entende que a União Europeia deve focar-se na inovação tecnológica (ao nível, por exemplo, da edição genómica, a qual dizem ter potencial para surgir enquanto alternativa à agricultura biológica), de forma a assegurar rentabilidade para os agricultores e a restaurar ecossistemas sem comprometer as atividades económicas.

Os liberais consideram ainda que tanto os serviços de ecossistemas como a diretiva de remoção de carbono (e respetiva certificação de projetos no Mercado Voluntário de Carbono) podem ser fundamentais para a Lei de Restauro da Natureza e a manutenção destes territórios.

Jorge Teixeira defende ainda que os voos privados não devem ser sobretaxados, como defendem o PS, o Bloco e o Livre, entendendo que “as emissões dos jatos privados no total de todas as emissões que conhecemos são irrelevantes”. Em contrapartida, o partido defende que é nos setores da agricultura, dos transportes e dos edifícios que se deve agir sobre as emissões.

A IL destaca a necessidade de aliar o investimento público ao investimento privado no caminho da transição energética, sem excluir a competitividade que vê nos transportes e nas energias renováveis.

Mariana Silva, candidata pela CDU, coligação que junta o Partido Comunista e os Verdes, defende um investimento “sério” nos transportes públicos e na ferrovia como eixo fundamental para a neutralidade carbónica. A questão central para o partido é que a transição energética seja “aliada a uma transição social justa” e ambientalmente responsável, sem descurar as avaliações de impacto ambiental e as vontades das populações locais que partilhem o espaço com projetos de energia solar e de extração mineira.

A CDU entende que a investigação é primordial na transição energética, no que toca ao desenvolvimento de energia eólica, e chama a atenção para a indevida implementação de parques solares em solo fértil para a agricultura e nas florestas.

Sobre as baterias e a exploração mineira, Mariana Silva esclarece que a CDU “não é contra a exploração de minerais, a não ser do urânio”, e considera ter de haver um equilíbrio na exploração dos recursos naturais e transparência ao longo do desenvolvimento de projetos para a transição energética. Apela também à reflexão sobre a economia circular, de forma a que ela permita “reutilizar os minerais e os minérios que já andam a circular nas baterias”.

O partido defende que a Lei do Restauro da Natureza depende das estruturas responsáveis pelo ambiente em Portugal – nomeadamente o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) –, pelo que é primordial investir nelas, para que possam acompanhar e fiscalizar os projetos em curso. A diminuição das monoculturas, o aumento do investimento no combate às infestantes e a promoção do comércio local, tendo em conta práticas agrícolas tradicionais e biológicas, são igualmente tidas como prioridades para o partido.

A CDU defende um investimento “sério” nos transportes públicos e na ferrovia como eixo fundamental para a neutralidade carbónica, sublinhando que a transição energética deve “aliada a uma transição social justa” e ambientalmente responsável.

Para Pedro Fidalgo Marques, candidato pelo partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), a solução passa por acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis e canalizá-los para a transição energética e não por impor “mais taxações”.

O partido defende também a eliminação progressiva do carvão até 2030 e do gás fóssil até 2035 e uma ótica de investimento para a transição climática que passe por incentivos à produção de energia para autoconsumo a partir de fontes renováveis (nomeadamente a energia solar).

Entre as prioridades apontadas pelo PAN para o restauro da Natureza, é necessário olhar para as políticas que incluem os agricultores, promover a autonomia alimentar e implementar os serviços de ecossistema. O partido quer também reforçar as verbas para os programas LIFE, acreditando que esse investimento irá reforçar a implementação da Lei do Restauro da Natureza.

Entre as prioridades apontadas pelo PAN para o restauro da Natureza, é necessário olhar para as políticas que incluem os agricultores, promover a autonomia alimentar e implementar os serviços de ecossistema.

Bruno Gonçalves, do PS, deixou ainda o apelo para que Portugal se junte aos 11 países que assinaram uma carta a demonstrar a sua preocupação relativamente à Lei do Restauro da Natureza, num momento em que se teme que ela possa ser posta de lado pela esperada vitória dos partidos de direita nas eleições europeias.

A votação principal desta lei ocorreu a 12 de julho de 2023, sobre uma moção do Partido Popular Europeu – família a que pertence a Aliança Democrática – para rejeitar liminarmente a proposta da Comissão Europeia. A proposta de rejeição acabou por falhar, mas por apenas 12 votos. Já depois de o Parlamento Europeu ter dado luz verde, a votação final foi bloqueada quando a Hungria voltou atrás no seu apoio à proposta. Neste momento, será preciso que um país mude a sua posição para permitir a aprovação da lei.

A concretizar-se, a lei seria uma das maiores políticas ambientais da UE ao obrigar os Estados-Membros a restaurar, pelo menos, 20% das suas zonas terrestres e marinhas até 2030 e todos os ecossistemas degradados até 2050 sob metas vinculativas.

As eleições europeias vão realizar-se entre 6 a 9 de junho de 2024, sendo que em Portugal as votações terão lugar no dia 9.