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Sara Pinho

Organoides: o que são, para que servem e como podem ajudar a reduzir os testes em animais?

18 Jun 2024 - 09:00
Os organoides têm sido usados para recriar a função e a estrutura de órgãos humanos, bem como para apoiar a validação de novos fármacos, em termos de eficácia e toxicidade. Através deles, pretende-se, por exemplo, estudar a origem e o desenvolvimento de determinadas patologias e o desenvolvimento de novas terapias de mitigação do fenótipo de doenças, ou seja, as suas características e como elas se manifestam. Mas o que são, como são criados e que potencialidades têm?

Os organoides, ou mini-órgãos, são pequenas estruturas tridimensionais cultivadas em laboratório e que recriam, em termos estruturais, funcionais e de composição celular, um órgão ou parte de um órgão humano – que podem ser o cérebro, o coração ou os rins.

Em Portugal, o CoLAB AccelBio, uma associação privada sem fins lucrativos cuja atividade se foca na descoberta de medicamentos, tem desenvolvido investigação neste âmbito. Os organoides desenvolvidos por este laboratório são gerados a partir de células estaminais pluripotentes induzidas, as quais são desenvolvidas a partir de células de dadores (por exemplo, células da pele ou de uma amostra de sangue).

São pluripotentes porque têm o potencial de ser convertidas em qualquer célula no nosso organismo – como em células do coração, do cérebro ou do fígado –, através de um processo designado reprogramação, como explicam as cientistas Mariana Branco e Cláudia Miranda ao Green eFact.

Além de serem usados para validar novos fármacos e para o estudo de patologias como a síndrome de Down, a doença de Alzheimer e a doença de Parkinson, as investigadoras destacam que os organoides permitem recriar o desenvolvimento embrionário de um órgão para estudar doenças congénitas (como a síndrome do coração esquerdo hipoplásico; o encefalocele, no cérebro; e a displasia renal) e potenciais novas terapias pré-natais (como a pré-eclâmpsia, na qual se verificam níveis de pressão arterial elevada), bem como para estudar a toxicidade da utilização de fármacos durante a gravidez.

No que diz respeito à medicina personalizada, esta é uma área com um “enorme potencial” no futuro devido à utilização de organoides, de acordo com as investigadoras. Isto porque, nalguns casos, os organoides podem ser criados a partir de células do paciente, o que irá depois resultar num órgão geneticamente semelhante ao seu. As vantagens traduzem-se na personalização dos estudos para entender as condições de saúde específicas daquela pessoa e desenvolver terapias adaptadas às suas necessidades.

 

Organoide de um coração.

Que limitações científicas estão associadas aos organoides?

A maior limitação que a ciência enfrenta atualmente com estes modelos prende-se com a reprodutibilidade e, dependendo da técnica usada para gerar os organoides, a dificuldade de adaptar o processo a um sistema de escala industrial, em que se podem testar milhares de moléculas numa só experiência. Isso irá requerer o desenvolvimento de novas tecnologias.

Bárbara Gomes, CEO do CoLAB AccelBio, afirma que esta limitação pode atrasar o avanço científico nesta área, pelo que a alternativa poderá passar pelo desenvolvimento de “uma série de procedimentos e [por] definir parâmetros concretos e informativos para que, de forma o mais automatizada possível, se consiga fazer um controlo de qualidade e usar apenas os organoides que passam nesse controlo para a fase seguinte da sua aplicação”, explica.

 

Quais são as implicações éticas no uso de organoides? 

“Se excluirmos a geração de organoides a partir de células estaminais embrionárias, as implicações éticas são praticamente nulas”, asseguram as cientistas Mariana Branco e Cláudia Miranda. O cuidado maior recai no uso dos mini-órgãos para fins experimentais e em laboratórios totalmente validados e reconhecidos.

De acordo com as investigadoras, o que está em causa é a possibilidade de se usar células embrionárias como fonte para gerar organoides. “Estas células estaminais embrionárias são obtidas da massa celular interna do blastocisto embrionário antes da sua implantação no útero, o que implica a potencial destruição de uma vida humana”, afirma Bárbara Gomes, esclarecendo depois que o recurso a células estaminais pluripotentes induzidas elimina “por completo” essa questão.

 

Mariana Branco, Bárbara Gomes e Claudia Miranda, nas instalações do Instituto Superior Técnico no Tagus Park, onde o CoLAB AccelBio, uma associação privada sem fins lucrativos focada na descoberta de medicamentos, tem desenvolvido investigação no âmbito dos organoides..

E quanto à experimentação animal? 

Por não recriarem o organismo humano como um todo, mas somente um órgão ou parte de um órgão, os organoides não permitem perceber como um fármaco se distribui nem como é metabolizado no organismo. Assim, o recurso a testes em animais é ainda necessário para haver uma validação final de novos fármacos, defendem as investigadoras do CoLAB.

Apesar de não ser possível definir, para já, uma janela temporal para que a experimentação animal possa ser afastada, as perspetivas para o futuro parecem ser promissoras, nomeadamente com a ajuda da inteligência artificial.

“No futuro, com o desenvolvimento de plataformas multi-organoides poderá ser possível adquirir alguma informação nesse sentido, e juntamente com outras tecnologias, nomeadamente inteligência artificial, poderá ser possível abolir a experimentação animal”, sublinham as cientistas.