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Sara Pinho

O que se sabe sobre o impacto da energia eólica offshore no meio marinho?

21 Apr 2024 - 09:00
O som dos navios de pesquisa para o desenvolvimento de projetos eólicos no mar é alto o suficiente para prejudicar a audição das baleias? As turbinas eólicas prejudicam a alimentação das aves marinhas? O que acontece quando parques eólicos são construídos nos corredores migratórios das aves?

Estas são algumas questões para as quais ainda pouca informação existe. De acordo com a ANP|WWF, sabe-se que as eólicas no mar (o modelo “offshore”) podem ter um impacto significativo nas aves marinhas, pelo que a localização dos parques eólicos é de elevada importância aquando do desenho dos projetos.

Contudo, “no meio marinho existe ainda pouca informação sobre o tipo de impactos que a energia eólica offshore pode causar e que pode variar de acordo com as espécies”, afirma Rita Rodrigues, da ANP|WWF, ao Green eFact. Quando se fala de impactos, fala-se de, por exemplo, turbinas eólicas que são colocadas em zonas de alimentação ou reprodução das aves marinhas, ou nos seus corredores migratórios, podendo causar a sua morte por colisão.

A literatura científica acrescenta algumas pistas, mas deixa claro que há falta de estudos científicos sobre os impactos ecológicos e os riscos associados aos projetos de energia eólica offshore, fulcrais para adotar medidas de mitigação sobre os ecossistemas e as espécies marinhas. Os que existem derivam, na sua maioria, de pesquisas conduzidas em escalas pequenas e locais (por exemplo, em águas pouco profundas, perto da costa, com poucas turbinas, baixa capacidade de produção e ocupando uma área reduzida).

É o que diz um estudo da revista Nature, publicado em 2022, que faz uma análise da informação já existente. Refere também que a produção da energia eólica offshore pode ter impactos tanto positivos como negativos nos ecossistemas marinhos.

Ainda há falta de estudos científicos sobre os impactos ecológicos e os riscos associados aos projetos de energia eólica offshore, fulcrais para adotar medidas de mitigação sobre os ecossistemas e as espécies marinhas.

Os impactos negativos estão relacionados com aves, mamíferos marinhos (incluindo o seu comportamento, fecundidade, sobrevivência e mortalidade ou taxa de lesões) e com a estrutura dos ecossistemas (a composição e abundância de espécies e/ou biomassa, por um lado; as características físicas, hidrológicas e químicas, por outro) e são mais vezes assinalados, comparativamente aos impactos positivos.

Por sua vez, os impactos positivos estão maioritariamente relacionados com peixes e animais invertebrados (como os crustáceos, os moluscos ou as estrelas-do-mar), no que toca à sua distribuição, abundância e/ou biomassa.

De acordo com o estudo, não há evidência científica que confirme que o ruído originado pelas atividades de construção dos projetos eólicos é prejudicial à audição dos mamíferos marinhos, apesar deste ser categorizado como um dos tipos de pressões biológicas para as espécies marinhas e ser um dos mais estudados; os impactos das turbinas eólicas podem variar entre espécies que coabitam no mesmo ecossistema (ou seja, diferentes espécies de aves marinhas podem ser afetadas de diferentes formas pelas turbinas eólicas); e, por fim, são necessários melhores dados sobre a distribuição e a abundância das espécies ao longo dos ciclos anuais e sobre as rotas migratórias das aves, dos peixes e dos mamíferos marinhos.

Uma baleia-franca do Atlântico Norte que apareceu morta na ilha de Marthas Vineyard, no estado do Massachussets, EUA, deu o mote para uma campanha de desinformação sobre os efeitos da explorações eólicas marítimas nos cetáceos.

Desinformação em torno da energia eólica no mar nos EUA

Em fevereiro passado, o The New Bedford Light, um jornal local de Massachussets, publicou uma reportagem sobre a disseminação de desinformação em torno da energia eólica offshore, por parte de opositores às eólicas offshore naquele Estado americano, incluindo membros da indústria pesqueira. A campanha surgiu depois de uma baleia-franca do Atlântico Norte – uma das espécies de baleias de grande porte mais ameaçadas no planeta, que conta com menos de 350 indivíduos atualmente –, ter dado à costa já sem vida, na ilha de Martha’s Vineyard, Massachussets, EUA.

Circulavam, nas redes sociais, rumores que associavam turbinas eólicas no mar a baleias mortas, mesmo que aquela em Massachussets tenha sido encontrada com uma corda presa na cauda – um sinal claro de emaranhamento, uma das principais causas de ferimentos e da morte das baleias-francas do Atlântico Norte. Isso mesmo veio, mais tarde, a ser confirmado como a causa da sua morte pelas autoridades de gestão marinha.

Circulavam também falsas narrativas sobre o ruído das atividades de construção eólica ser prejudicial a esta espécie marinha, sem haver provas ou evidências científicas para tal. Todas elas foram criadas através do exagero, da descontextualização ou da má interpretação de preocupações dos cientistas relativamente aos impactos ecológicos desta alternativa aos combustíveis fósseis.

De acordo com o The New Bedford Light, as pessoas que criaram esta campanha de desinformação são as mesmas que têm apelado à suspensão total dos projetos eólicos, numa altura em que Massachusetts está a contar com a energia eólica offshore para produzir mais energia renovável como resposta à crise climática.

Em Portugal, tanto a SPEA como a Fundação Oceano Azul já alertaram para a necessidade de haver mais estudos relativamente aos potenciais impactos das eólicas oceânicas nas aves marinhas.

E em Portugal?

Para perceber se em Portugal já circula algum tipo de desinformação que relacione o desenvolvimento de projetos de energia eólica com espécies marinhas, ou se esta pode vir a ser uma realidade no futuro, o Green eFact contactou a ANP|WWF. “Até ao momento, temos apenas procurado desenvolver competências de pensamento crítico, principalmente na Generation Earth”, no campo da educação ambiental, afirma Rita Rodrigues.

Apesar de ainda não se terem debruçado “profundamente” sobre o assunto, a ANP|WWF diz que está a acompanhar o desenvolvimento da energia renovável em Portugal juntamente com outras três Organizações Não-Governamentais – a Sciaena, a SPEA e a Zero.

Refere também que apoia o desenvolvimento da energia renovável, mas alerta que este deve ser feito com respeito pela natureza e considerando as diferentes pressões a que o ambiente já está sujeito, não pondo em causa os esforços de conservação da natureza.

“Os projetos de desenvolvimento de energia renovável são projetos à escala industrial e como tal têm impactos que devem ser acautelados na altura do planeamento, desenvolvimento e desmantelamento”, diz Rita Rodrigues.

Em outubro de 2023, a SPEA e a Fundação Oceano Azul alertaram para a necessidade de haver mais estudos relativamente aos potenciais impactos das eólicas oceânicas nas aves marinhas.