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Teresa Lencastre

O ar poluído afeta o desempenho escolar?

11 Jun 2024 - 09:00
O ar poluído nas escolas pode afetar o desempenho dos alunos. O alerta é de um investigador português, responsável pela criação de um sistema de monitorização do ar em espaço escolar. Nelson Barros está à procura de mais escolas para integrarem o projeto SchoolAIR, que avalia o ar através de dispositivos feitos pelos próprios alunos.

“A ultrapassagem dos valores de referência relativos à concentração de CO2 ocorre frequentemente durante as aulas. Este problema de qualidade do ar interior é frequente em ambientes escolares”, diz o investigador Nelson Barros ao Green eFact.

De acordo com o professor da Universidade Fernando Pessoa (UFP), que tem décadas de experiência nesta área, esse fenómeno tem um “efeito na saúde e bem-estar, em particular das crianças, incluindo no seu desempenho escolar”.

Sonolência, desatenção, desinteresse pelas aulas ou dores de cabeça são alguns dos sintomas que podem resultar de elevadas concentrações de CO2 em espaços fechados, refere Nelson Barros.

Sonolência, desatenção, desinteresse pelas aulas ou dores de cabeça são alguns dos sintomas que podem resultar de elevadas concentrações de CO2 em espaços fechados.

O investigador acrescenta que as alterações climáticas exigem uma abordagem proativa na gestão da qualidade do ar e que sistemas como o SchoolAIR são importantes para detetar e responder a episódios de poluição.

“Especificamente no que diz respeito às partículas, prevê-se que as alterações climáticas aumentem a frequência de episódios de elevada concentração, pelo que é da maior importância a adoção atempada de medidas de proteção que podem ter impactos significativos na saúde de toda a comunidade escolar”, avisa.

O SchoolAIR é “uma ferramenta fácil de utilizar”, que monitoriza continuamente a temperatura, a humidade relativa, as concentrações de dióxido de carbono e as partículas em suspensão nos ambientes escolares, através de dispositivos feitos pelos próprios alunos.

Apesar de também monitorizar espaços ao ar livre, o controlo dos espaços fechados é especialmente relevante. “Nós passamos cerca de 90% do nosso tempo em ar interior, o que aumenta significativamente a importância da qualidade do ar interior para a saúde e bem-estar das populações”, refere o investigador.

O SchoolAIR é “uma ferramenta fácil de utilizar”, que monitoriza continuamente a temperatura, a humidade relativa, as concentrações de dióxido de carbono e as partículas em suspensão nos ambientes escolares.

Por outro lado, a escassez de conhecimento e legislação sobre a qualidade do ar interior exige um maior acompanhamento do problema, que não é exclusivo de Portugal, nem das escolas.

“A OMS alerta que 4,6 milhões de pessoas morrem prematuramente por ano por exposição à má qualidade do ar interior, em particular, nos países com baixos níveis económicos, onde cozinhar com biomassa em fogo aberto dentro de casa é uma prática comum.”

Nelson Barros adianta que o sistema SchoolAIR é “baseado em sensores de baixo custo e uma arquitetura de sistema IoT escalável”. Os dados registados nas escolas são transferidos em tempo real para um server central na UFP, ficando disponíveis para toda a comunidade científica.

Uma vez que monitoriza a qualidade do ar, informando se é o espaço exterior ou interior que está poluído, o sistema viabiliza a adoção de medidas num cenário de risco.

Os dados registados nas escolas são transferidos em tempo real para um server central na UFP, ficando disponíveis para toda a comunidade científica.

Nos sensores instalados em espaços fechados, “valores elevados de CO2 indicam a necessidade de introduzir ar novo na sala de aula através de ventilação – quer abrindo janelas ou portas, ventilação natural, quer aumentando o caudal de ar se estiverem a ser utilizados sistemas de ventilação mecânica”, diz Nelson Barros.

Mas ventilar a sala com ar exterior nem sempre é boa ideia, esclarece. Se for o ar exterior – e não interior – que estiver poluído, importa minimizar o risco de contaminação.

“O sistema SchoolAIR permite a adoção de medidas para minimizar a contaminação do ar interior com poluentes exteriores – fechar momentaneamente janelas e portas, e desligar sistemas de ventilação que são alimentados com ar exterior, se for o caso.”

Atualmente, a iniciativa está em expansão, tendo presença em duas escolas de Portugal, colaborações estabelecidas no Brasil e uma proposta de financiamento que poderá levar o sistema a Moçambique. Mais instituições de ensino do Porto devem juntar-se ao projeto no próximo ano letivo. O objetivo é chegar ao maior número de escolas possível.

Todo o acompanhamento dado é gratuito, ficando a escola apenas com o encargo dos equipamentos. De acordo com Nelson Barros, há financiamentos locais que podem solicitar para cobrir esses custos.

Para se candidatarem, “basta manifestarem o desejo de o fazer”, contactando o professor através do e-mail nelson@ufp.edu.pt. Todo o acompanhamento dado é gratuito, ficando a escola apenas com o encargo dos equipamentos. De acordo com Nelson Barros, há financiamentos locais que podem solicitar para cobrir esses custos.

“Daremos o apoio técnico-científico para o desenvolvimento do projeto na escola. Quanto a custos, da nossa parte não há qualquer custo. Na verdade, este é um projeto em que há ganho mútuo. A abordagem proposta incentiva a transferência de conhecimentos científicos das universidades para a sociedade”, refere o investigador.

Uma vez que envolve os alunos no processo, convidando-os a construir os próprios dispositivos, o projeto promove “a literacia da geração mais jovem”. Além de sensibilizar os estudantes para a importância deste tema, também os capacita a aplicar e a transmitir esse conhecimento fora do ambiente escolar, considera o professor.

“A própria escola pode tornar-se um polo produtor de sensores para outros espaços com problemas de qualidade do ar, como lares de terceira idade, creches ou infantários”, diz Nelson Barros, salientando o “alcance social” do projeto.

Uma vez que envolve os alunos no processo, convidando-os a construir os próprios dispositivos, o projeto promove “a literacia da geração mais jovem”.

Questionado sobre como surgiu a ideia, Nelson Barros conta que, no final de 2021, foi abordado por um professor da Escola de Alpendorada preocupado com a qualidade do ar. Com base na experiência anterior da UFP na monitorização do ar através de sensores de baixo custo, o sistema foi replicado em escolas e aprovado pela Ciência Viva.

Este ano, com a publicação de um artigo científico sobre o SchoolAIR na revista internacional Sensors, o “trabalho foi validado internacionalmente por pares” e “também foi garantida a originalidade do conceito”.