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Bernardo Simões de Almeida

A União Europeia subsidia atividades prejudiciais ao ambiente?

23 May 2024 - 09:00

Um relatório recentemente publicado pela WWF, sobre os danos causados à natureza por via dos subsídios europeus, indica que os Estados-Membros gastam anualmente entre 34 e 48 mil milhões de euros em medidas insustentáveis e prejudiciais para o meio-ambiente.

O relatório, produzido pela consultora ambiental holandesa Trinomics, tem como foco da sua investigação os efeitos que os dinheiros públicos de cada país da União Europeia têm na biodiversidade através do seu orçamento a 7 anos, entre 2021 e 2027.

Os subsídios que sustentam as medidas que causam danos à biodiversidade advêm maioritariamente da Política Agrícola Comum (PAC), embora existam alguns fundos destinados à pesca, transporte e infraestruturas hídricas que também encorajam estes danos.

Política Agrícola Comum
Pelo menos 60% dos fundos alocados à PAC, cerca de 32 mil milhões de euros, são considerados como danosos para a biodiversidade. A razão principal tem a ver com o facto destes fundos incentivarem situações como a expansão da produção agrícola e um aumento de gado industrial sem critérios sustentáveis.

Bianca Mattos, coordenadora de políticas da ANP/WWF, considera que “são vários os fluxos de financiamento dos fundos agrícolas da EU que alocam práticas insustentáveis, em especial o apoio direto sob a forma de apoio ao rendimento por superfície.”

Pelo menos 60% dos fundos alocados à PAC, cerca de 32 mil milhões de euros, são considerados como danosos para a biodiversidade.

Infraestruturas Hídricas
A construção de reservatórios, barragens e modificações dos caudais subsidiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, bem como as drenagens de planícies aluviais, têm um efeito nocivo para os ecossistemas e biodiversidade aquífera. Com efeito, cerca de 7 a 11% dos fundos alocados, ou seja, 1.3 a 3 mil milhões de euros, é utilizado para práticas danosas.

A construção de reservatórios, barragens e modificações dos caudais subsidiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional têm um efeito nocivo para os ecossistemas e biodiversidade aquífera.

Pesca
O Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pesca e Aquicultura é a entidade responsável pela alocação de subsídios para o setor. O relatório da WWF estima que 5 a 12% dos fundos atribuídos, cerca de 138 milhões de euros, são canalizados para iniciativas danosas para a biodiversidade. De acordo com o relatório, isto acontece devido à abordagem descentralizada desta entidade que não supervisiona as aplicações dos estados-membros.

De realçar que o valor de fundos danosos é superior àquela que o FEAMPA destina para a proteção e recuperação da biodiversidade, que é cerca 58 milhões de euros anuais.

Paralelamente à atuação da FEAMPA há também que considerar algumas isenções fiscais aos pescadores que, por exemplo, lhes permitem poupar quase 600 milhões de euros de impostos relativos ao consumo de combustível. A WWF considera que para assegurar a sustentabilidade a longo prazo, terá de haver uma redistribuição destes fundos para proteger e restaurar os ecossistemas danificados.

O relatório da WWF estima que 5 a 12% dos fundos atribuídos ao setor das pescas, cerca de 138 milhões de euros, são canalizados para iniciativas danosas para a biodiversidade.

Transportes
Os fundos destinados ao setor dos transportes são geralmente distribuídos para a construção ou melhoramento de infraestruturas, estradas, ferrovias e gestão dos transportes. Ora segundo a WWF é na construção de estradas e ferrovias que incide a maior probabilidade de fragmentação dos habitats e ecossistemas. Uma das descobertas do relatório é de que não existem atualmente dados que tornem possível distinguir entre nova construção ou melhoramento de infraestrutura.

O FEDR, o organismo responsável pela atribuição destes fundos para uma Europa interligada, tem um orçamento para os 7 anos de cerca de 8,33 mil milhões de euros alocados para construção ou melhoria.

Assim, consideram os autores deste relatório que os fundos distribuídos pelo Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional têm um potencial de gastos danosos no setor dos transportes que vão dos 30% aos 100% anuais, ou seja, desde 600 milhões de euros até 1.19 mil milhões de euros.

Segundo a WWF é na construção de estradas e ferrovias que incide a maior probabilidade de fragmentação dos habitats e ecossistemas.

Para Bianca Mattos “a mudança destas práticas é urgente”, principalmente pela “enorme perda de biodiversidade e pelo próprio volume dos recursos públicos europeus utilizados para financiar atividades que degradam a natureza.”

Também João Rodrigues dos Santos, Professor Universitário na universidade europeia no departamento de Economia e Gestão do IADE, pensa que “redirecionar estes fundos é não só imperativo, mas também viável. Além disso, a eliminação progressiva e justa destes subsídios deve ser harmonizada a nível da UE para garantir uma transição equitativa para todos os setores afetados.”

A WWF recomenda por isso um conjunto de medidas gerais que poderá inverter o rumo atual destes gastos prejudiciais:

– É essencial a criação de normas juridicamente vinculativas e obrigatórias, uma vez que os acordos feitos para até agora para mitigar os danos à biodiversidade são escassos e carecem de uma metodologia coerente com a urgência desta crise.

-A remoção de subsídios lesivos deve estar correlacionada com o investimento em soluções que beneficiem a Natureza. Por cada euro investido, a WWF estima que o retorno económico é de 8 a 38 euros. Por isso recomenda que este investimento deveria ser de, pelo menos, 50 mil milhões de euros anuais, o que representa apenas 0,34% do PIB europeu.

-Criar e adequar os critérios de taxonomia correta de forma que qualquer subsídio tenha de obedecer à categorização exata antes de ser entregue. A União Europeia deverá excluir setores, empresas ou atividades económicas que sejam nocivas para o ambiente.

Para Bianca Mattos, coordenadora de políticas da ANP/WWF, “a mudança destas práticas é urgente”.

Espera Bianca Mattos que “os cidadãos europeus elejam representantes que pugnem pelo bem-estar das pessoas e estejam comprometidos a agir em prol de uma Europa resiliente e para todos.

Recorde-se que estes subsídios são revistos pela própria União Europeia para se aferir os seus coeficientes de biodiversidade, ou seja, a quantificação do impacto, neste caso, positivo que cada atividade subsidiada terá na biodiversidade.

A União Europeia compromete-se a investir 20 mil milhões de euros anuais para a sua estratégia para a biodiversidade para o mesmo período de 2021-2027.

“Esta verba fica muito aquém do necessário”, entende Bianca Mattos, “O desejável era que esse dinheiro fosse alocado para atividades que facilitem a transição para uma economia de baixo carbono e recuperação da biodiversidade.”

A coordenadora sublinha que “ainda há muito a ser feito” e que “o redireccionamento destes fundos exigirá tempo e esforços conjuntos entre instituições europeias e governos nacionais”.

João Rodrigues dos Santos afirma ser fundamental a transição energética para um modelo de baixo carbono. “A atual dependência europeia de combustíveis fosseis torna a economia extremamente vulnerável” considera o professor. “Esta transição não é apenas uma necessidade ambiental, mas também uma questão estratégica para garantir a resiliência e segurança energética da Europa.”

Afiança ainda que Portugal tem condições ímpares para a potenciação desta mudança de paradigma energético. “O país tem uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas do mundo. Temos à disposição muito vento, muito sol e uma área de soberania oceânica ímpar.”