voltar

Miguel Judas

A Minha Avó: comida vegana à moda portuguesa

26 May 2024 - 09:00
Pode a comida vegana replicar os pratos mais tradicionais da gastronomia nacional? O restaurante A Minha Avó, em Lisboa, prova que sim, com um surpreendente menu no qual sobressaem propostas como Bitoque com “Ovo”, Arroz sem Pato, Francesinha ou “Bacalhau” com Natas, todas sem qualquer ingrediente animal – daí as aspas.

Foi uma decisão “ponderada e consciente”, tomada “mais ou menos ao mesmo tempo” por Gustavo Grilo e Pedro Mourarias, esta de fazerem “a transição” (palavra dos próprios) para o veganismo. Amigos há cerca de uma década, sempre tiveram na comida um interesse comum, mas nunca nenhum dos dois imaginou que a decisão de deixarem de comer qualquer proteína animal os levaria, um dia, a serem sócios e proprietários de um restaurante vegano.

Pois bem, o restaurante chama-se A Minha Avó, abriu há pouco menos de um ano no número 74 B da Avenida António Augusto de Aguiar, em Lisboa, e é já um sucesso, como se comprova pela sala completamente cheia à hora de almoço de um normal dia de semana. O segredo, porventura, estará na volta que deram a uma cozinha que ainda provoca alguma desconfiança em quem não a conhece, como ambos reconhecem. “Ainda existe algum preconceito, que resulta mais do desconhecimento que de outra coisa”, reconhece Pedro, dando como exemplo “as piadas” que ainda hoje, por vezes, ouvem de amigos e familiares.

Mas regressemos ao A Nossa Avó, um restaurante Vegano no mínimo diferente, como depressa se percebe ao folhear a ementa, na qual se propõem pratos bastante mais familiares do que o eventualmente esperado: Bitoque com “Ovo”, Francesinha, “Carne de Porco” à Portuguesa, Rolo de “Carne”, Arroz sem Pato ou “Bacalhau” com Natas, entre muitos outros.

Estes dois últimos foram, aliás, a razão que fez surgir a ideia do restaurante, como também explica Pedro, que é licenciado em nanotecnologia e ainda sócio de uma empresa de programação de jogos. “Já depois de me ter tornado vegetariano, houve um Natal em que a minha mãe cozinhou um arroz sem pato e um bacalhau com natas sem bacalhau, que os meus avós adoraram. Nessa altura já tínhamos falado na possibilidade de abrirmos um negócio de comida vegetariana e essa foi a prova que precisávamos para saber que iria funcionar”, recorda.

 

O Bitoque com “Ovo” é um dos pratos com maior saída. A gema “é feita através uma mistura de alginato e lactato, à qual é adicionada abóbora e sal negro, enquanto a clara é feita de farinha de arroz e leite de soja”.

E de facto, garante Gustavo, “a maior parte dos clientes não é vegan e temos cada vez mais gente muita gente que depois trás a família e os amigos, para experimentarem”. O importante, defende, era “passar uma mensagem de inclusão”, até porque “ser Vegan ou não é uma decisão pessoal, ninguém é melhor ou pior por causa daquilo que come”. O objetivo também passava por demonstrar que, afinal, o veganismo “não é uma dieta assim tão estranha” e para isso não se poderiam focar apenas na comunidade vegan.

“Trata-se acima de tudo de comida de conforto, tal e qual a que se come em casa dos avós. Aliás se até os nossos avós gostam, então todos vão gostar”, sublinha Gustavo, que é licenciado em filosofia e tem um mestrado em Gestão, durante o qual elaborou uma tese sobre como abrir um restaurante, que serviu como projeto de negócio para o A Minha Avó.

Amigos há cerca de uma década, Pedro e Gustavo sempre tiveram na comida um interesse comum, mas nunca nenhum dos dois imaginou que a decisão de deixarem de comer qualquer proteína animal os levaria, um dia, a serem sócios e proprietários de um restaurante vegano.

Começaram por abrir, ainda durante a fase final da pandemia, como uma “dark kitchen” (restaurantes virtuais que servem apenas em regime de takeaway). “No primeiro dia de trabalho não vendemos nada, ficámos em pânico e com a comida toda”, recorda Gustavo. Depois, aos poucos, lá começaram a fidelizar uma clientela que foi aumentando cada vez mais, ao ponto de os convencer a abrir mesmo um restaurante ao público.

A inauguração foi a 15 de julho de 2023 e mais uma vez, o primeiro dia voltou a focar marcado pelos piores motivos, mas desta vez por outra razão. “A comida acabou com clientes sentados à mesa, foi horrível, mas a maior parte compreendeu a situação e voltou noutro dia. Acabámos a oferecer bebidas e sobremesas a todos, para os compensar”, recorda divertido.

A comida chega entretanto à mesa: Peixinhos da Horta e Croquetes de “Carne” (feitos de soja e tofu) com maionese Picante de entrada; Bitoque com “Ovo”, Francesinha “Bacalhau” com Natas e Rolo de “Carne” recheado com “Alheira” como pratos principais; E ainda um Bolo de Bolacha e um Doce da Casa como sobremesa.

Foi devido a uma bacalhau com natas “sem bacalhau”, que a mãe de Pedro confencionou num Natal, depois do filho se tornar vegetariano, que os fez avançar com o projeto de um restaurante vegano de comida tradicional portuguesa.

Mas foquemo-nos nos pratos principais, agora com a ajuda da chef do restaurante, Carina Monteiro. E se o “bacalhau” até é fácil de explicar, sendo o “fiel amigo” substituído por alho francês, algas e cogumelos pleurotos, ou o rolo de “carne”, que afinal é de lentilhas recheadas com cogumelos e legumes a fazerem de alheira, já o ovo a cavalo da francesinha e do bitoque (o bife é afinal “seitan caseiro”) mais soa a alquimia. “A gema é feita através uma mistura de alginato e lactato, à qual é adicionada abóbora e sal negro, enquanto a clara é feita de farinha de arroz e leite de soja”, explica Carina, também ela vegana, desde 2017.

Durante a pandemia tirou um curso de cozinha vegana que a fez, segundo a própria, “mudar de vida”. Entretanto vendeu a participação que tinha num café de brunches, na Amadora, e aceitou o convite para vir liderar a cozinha do A Minha Avó, tendo para isso passado “muitas horas em frente ao Youtube, a ver pessoas a confecionar pratos tradicionais portugueses”. Soube que estava no caminho certo quando conseguiu enganar um familiar com um arroz de pato sem pato. Agora, já nada a detém, tendo até planos para incluir na ementa um “Bacalhau” à Lagareiro e uns “Choquinhos” à Algarvia – sem os ditos, claro.