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Teresa Lencastre

A energia nuclear poderá ser uma solução para a crise climática?

1 May 2024 - 09:00
A energia nuclear é controversa em todo o mundo e também divide os especialistas em Portugal. Há quem diga que tem um papel fulcral na descarbonização e um impacto ambiental reduzido. Há também quem considere que os riscos e os custos associados não fazem da energia nuclear a melhor aliada da transição energética. O Green eFact elenca os principais tópicos desta discussão sem conclusão à vista.

Emissões de carbono

A energia nuclear faz parte da solução para combater a crise climática, sobretudo devido à quantidade reduzida de CO2 que produz, garante Bruno Soares Gonçalves, presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear.

“Não tenho a mínima dúvida que a energia nuclear é uma das soluções para a descarbonização, até porque entre todas as formas de energia é a que menos emite CO2 por unidade de energia elétrica produzida”, diz o investigador ao Green eFact.

Já Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista ZERO, admite que “comparativamente com outras fontes de produção de energia elétrica”, a energia nuclear “pode ter emissões muito mais reduzidas em relação ao carvão ou ao gás natural fóssil”.

Ainda assim, em entrevista ao Green eFact, Francisco Ferreira dá conta de emissões indiretas de CO2 decorrentes da energia nuclear.

“Se por um lado a sua operação não tem emissões de gases de efeito de estufa associadas, a extração, preparação, fabrico e, sobretudo, o enriquecimento das barras de combustível de urânio são processos extremamente intensivos em carbono”, argumenta o ambientalista e investigador.

Bruno Soares Gonçalves, por sua vez, reitera que a energia nuclear “é uma opção verde, que tem um impacto ambiental muito reduzido”, mesmo considerando todo o ciclo de vida de uma central, incluindo a exploração de combustível, a construção e até o seu desmantelamento.

“Estamos a falar de 5 a 6 gramas de CO2 por quilowatt-hora, e isto é muito significativo, porque é menos do que a energia solar e eólica”, garante.

A dissonância no que a este tópico diz respeito é transversal a muitos países. Sobre a quantidade de CO2 que a energia nuclear emite, o Deutsche Welle escreve que os resultados “variam significativamente, consoante se considere apenas o processo de produção de eletricidade ou se tenha em conta todo o ciclo de vida de uma central nuclear”.

A quantidade de CO2 que a energia nuclear emite, “varia significativamente, consoante se considere apenas o processo de produção de eletricidade ou se tenha em conta todo o ciclo de vida de uma central”.

Segurança e gestão de resíduos

“O problema dos resíduos é absolutamente decisivo na análise de risco e custos de uma central nuclear”, diz Francisco Ferreira.

“Para além de eventuais acidentes com consequências que podem ser extremamente graves aquando da operação de uma central, a insustentabilidade da opção energética nuclear prende-se precisamente com a herança para as futuras gerações de necessitarem de cuidar dos depósitos de resíduos radioativos”, sustenta o ambientalista.

Bruno Soares Gonçalves também dá conta da “perigosidade e radiação” dos resíduos nucleares, mas alega que a quantidade é reduzida e que é possível armazená-los em segurança.

“Uma das vantagens do nuclear é precisamente essa. Como produz muita energia com pouco combustível, também produz poucos resíduos”, defende.

“O ‘lixo nuclear’ não é um líquido viscoso verde a escorrer como o que vemos nos Simpsons. Essa é uma visão totalmente errada daquilo que é a energia nuclear. Quer o armazenamento, quer todo o ciclo de combustível é perfeitamente seguro.”

Por outro lado, o presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear considera que acidentes como o de Chernobyl ou Fukushima “não são representativos daquilo que é uma central nuclear para produção de energia elétrica atualmente”.

“Se olharmos para o número de vítimas por unidade de energia produzida, o nuclear está a par do solar e da energia eólica, já contabilizando as vítimas de Fukushima e Chernobyl”, sublinha.

“Se olharmos para o número de vítimas por unidade de energia produzida, o nuclear está a par do solar e da energia eólica, já contabilizando as vítimas de Fukushima e Chernobyl”, sublinha o presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, Bruno Soares Gonçalves

Estabilidade

A energia nuclear é frequentemente apontada como uma fonte de eletricidade estável, porque depende menos de condições climáticas, como o vento ou a luz solar.

Francisco Ferreira, contudo, alega que as centrais nucleares não são imunes ao aquecimento global.

“As próprias centrais nucleares estão nalguns casos ameaçadas pelas alterações climáticas, [por] falta de água para refrigeração, como é o caso de várias centrais francesas em verões passados”, diz o ambientalista.

Já Bruno Soares Gonçalves alude à alta densidade energética da energia nuclear para reforçar o argumento de que é uma fonte de eletricidade estável.

Por ser uma “energia altamente concentrada”, rende mais, mesmo em pequenas quantidades, o que torna os países “mais resilientes e menos dependentes do exterior”.

“Um bom exemplo aconteceu no ano passado. Quando houve problemas com fornecimento de gás, vários países tinham armazenamento para semanas ou poucos meses. No entanto, França tinha armazenado combustível nuclear necessário para cinco anos. É pouco o combustível nuclear que se tem de armazenar em comparação com, por exemplo, o gás natural.”

Para o investigador, o custo do urânio – a matéria-prima principal da energia nuclear – também reforça a estabilidade desta fonte de eletricidade, tendo em conta que representa “apenas 5% dos custos operacionais do reator nuclear”.

“Mesmo que haja flutuações dos preços do urânio nos mercados, o impacto no custo total da operação de uma central nuclear é menor do que seria numa central de gás natural”, diz o perito.

Segundo os defensores do nuclear, o consumo deste tipo de energia por país deveria situar-se “no mínimo nos 20%”, sendo que atualmente ronda os 5% e 6%.

Custos e viabilidade económica

Já para Francisco Ferreira, a principal desvantagem da energia nuclear é o custo.

“O custo nivelado da eletricidade (LCOE) é uma medida do custo médio atual líquido da produção de eletricidade para uma central ou tipo de produção durante o seu tempo de vida”, começa por explicar o líder da ZERO.

“O nuclear é três a quatro vezes mais elevado em 2023 do que o vento ou os painéis fotovoltaicos”, garante.

Bruno Soares Gonçalves tem outra visão, alegando que o LCOE “não contabiliza os custos totais de sistema”, isto é, as despesas de produção, distribuição e consumo de energia ao longo de todo o sistema energético.

“Quando contabilizamos todos os custos totais de sistema, o nuclear tem um preço incomparável.”

O investigador dá ainda conta de um estudo recente do Bank of America “que coloca o nuclear com custos muito mais baixos do que a energia eólica ou a solar”.

“O problema dos resíduos é absolutamente decisivo na análise de risco e custos de uma central nuclear”, alerta o ambientalista Francisco Ferreira.

Energia nuclear em Portugal faz sentido?

Por outro lado, a viabilidade da energia nuclear difere de país para país, defende o presidente da ZERO.

“Para alguns países que já instalaram de forma altamente subsidiada centrais nucleares, terá sentido rentabilizar esses investimentos”, admite Francisco Ferreira.

Mas no caso de Portugal, onde não existem centrais nucleares, o ambientalista diz que “embarcar na energia nuclear é completamente desnecessário e seria um investimento elevadíssimo de grande risco”.

“A resposta às alterações climáticas exige fontes de energia cuja implementação seja muito mais rápida, barata e flexível”, adianta.

Por sua vez, Bruno Soares Gonçalves acha que a energia nuclear “tem espaço” para crescer em Portugal e que poderá fazer parte do “mix energético nacional”, não como fonte principal, mas como fonte complementar à energia eólica, solar e hídrica.

“Eu acho essencial que se faça um estudo sobre qual é o ‘mix’ adequado, que minimize, no fim, a conta de eletricidade para os portugueses e também para permitir que a indústria prospere em Portugal.”

Idealmente, refere, o consumo de energia nuclear por país deveria situar-se “no mínimo nos 20%”, sendo que atualmente ronda os 5% e 6%

Sobre estes 20%, o investigador diz-se “disposto a deixar ‘torcer o braço’, se efetivamente houver estudos que demonstrem que as outras alternativas resultam em soluções mais baratas”.

Este “braço de ferro” continua a dividir países, nomeadamente na Europa. Um estudo publicado na revista Physics World tenta resumir esta dinâmica numa frase: “Não há verdades universais numa questão complexa como a do futuro papel da energia nuclear.”