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Bernardo Simões de Almeida

A dessalinização é uma alternativa eficaz?

8 May 2024 - 09:00
A água é dos elementos mais abundantes do planeta, cobrindo 70% da superfície terrestre, mas a maior parte deste recurso natural é salgada e apenas 2,5% é doce, sendo que a esse número terá ainda de se retirar os 1,8% confinados às regiões glaciares sob forma de gelo. Com a falta de água a tornar-se uma realidade cada vez mais global, devido às alterações climáticas, a dessalinização apresenta-se assim como uma solução a ter em conta. Mas será, de facto, assim tão viável?

De acordo com o Conselho Nacional da Água, um órgão independente de consulta do Governo português no domínio do planeamento e da gestão sustentável da água, só 0,7% de toda a água existente no planeta, cerca de 10,7 milhões de quilómetros cúbicos, estão disponíveis para consumo humano e para satisfazer as necessidades dos ecossistemas terrestres.

As alterações climáticas, largamente causadas pela pegada humana, criam fenómenos como secas e temperaturas altas, que têm efeitos na quantidade de água disponível. As consequências desta nova realidade vão desde a perda da biodiversidade à menor produção agrícola, o que por sua vez também tem devastadores efeitos económicos.

A comissão europeia avisava já em 2020, no seu relatório sobre o impacto das alterações climáticas nas secas, que as percas económicas na zona europeia rondavam os 9 mil milhões de euros anuais e que se nada for feito este montante poderá ascender aos 45 mil milhões em 2100.

Assim, a necessidade de tecnologias e inovações que possam solucionar esta problemática é imensa. Será esse um papel que a dessalinização pode desempenhar?

A maior parte da água é salgada e apenas 0,7% do total existente no planeta é apropriada para o consumo humano.

Trata-se afinal de um processo que remove o sal e outro minerais da água salgada, tornando-a potável quer para consumo, quer para utilização agrícola e industrial.

Existem atualmente mais de 16 mil dessalinizadoras, presentes em mais de 177 países. Só nos EUA estão em funcionamento mais de 413, de acordo com o site worldpopulationreview.

Existem vários métodos de dessalinização embora os mais comuns são a Osmose Inversa, com a água a ser pressionada através de uma bomba de pressão contra uma membrana que permite a passagem de moléculas de água, mas retendo o sal.

O outro método é a destilação, no qual a água é primeiramente aquecida até se transformar em vapor e posteriormente condensada numa câmara própria, onde volta ao estado líquido já sem sal.

As vantagens desta tecnologia são evidentes, uma vez que providenciam um bem comum a um mundo cada vez mais necessitado deste recurso, quer seja pelo aumento populacional ou por consequência das alterações climáticas. Além disso, não é só o sal que é removido, também impurezas, bactérias e vírus são eliminadas, o que acrescenta um carácter de purificação eficiente a estes sistemas.

As vantagens da dessalinização são evidentes, uma vez que providenciam um bem comum a um mundo cada vez mais necessitado deste recurso.

Porém, a dessalinização tem consequências e necessidades que põem em causa a sua eficiência do ponto de vista económico e ambiental.

Em primeiro lugar há que ter em conta os custos destes sistemas, não apenas na construção, mas também na manutenção das dessalinizadoras, o que vai desde os materiais a possíveis falhas de equipamento. Uma fábrica pensada para produzir mais de 90 milhões de litros diários, terá uma estimativa de custo na ordem dos 80/90 milhões de euros, isto se o local escolhido for dentro da União Europeia.

Além disso, estes equipamentos precisam de grandes quantidades de energia para a produção de água e por isso dependem em larga escala dos combustíveis fosseis para o seu funcionamento. De acordo com um artigo publicado no site do Fórum Económico Mundial, são utilizados cerca de 15,000kh de eletricidade por cada 3,7 milhões de litros de água transformada.

Esta necessidade energética traz consigo as emissões de carbono para a atmosfera que é na ordem das 6 toneladas por cada milhão de água tratada, segundo um estudo da Universidade de Telavive, Israel.

O processo de dessalinização produz salmoura composta por níveis de sal duas vezes superior aos presentes na água do mar, bem como outros compostos químicos, como cobre, que quando lançado ao mar tem consequências para a biodiversidade. Conforme alerta o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, cada litro de água potável corresponde a 1,5 litros de salmoura.

De acordo com outro artigo da Universidade das Nações Unidas, as 16 mil dessalinizadoras atualmente existentes despejam, por dia, mais de 140 milhões de metros cúbicos de salmoura. O mesmo estudo alerta ainda para o facto desta quantidade de salmoura eliminar o oxigénio aquático e ter por isso um efeito prejudicial nos ecossistemas marítimos.

Um estudo da Universidade das Nações Unidas alerta para o facto da quantidade de salmoura produzida pelas fábricas dessalinadoras eliminar o oxigénio aquático e ter por isso um efeito prejudicial nos ecossistemas marítimos.

Apesar disso, o investimento centralizado nesta tecnologia, pese os seus impactos, continua a ser uma aposta, nomeadamente em Portugal onde, até 2026, irá ser instalada uma unidade de dessalinização no concelho de Albufeira, distrito de Faro.

No entanto, a implementação desta unidade está a causar já alguma polémica.  De acordo com Inês Mesquita, presidente da direção da AL-BIO, uma associação de agricultura biológica com sede em Tavira, esta dessalinizadora era apresentada pela APA, numa primeira fase, como uma “solução de fim de linha”, sendo agora considerada a opção número um, à frente de medidas como a redução do consumo ou a reutilização das águas, que eram previamente consideradas como prioritárias.

Inês Mesquita considera que esta mudança deve-se ao facto desta dessalinizadora, que tem um preço base de 90 milhões de euros, ser paga através dos fundos do PRR, que terão de ser devolvidos se não forem utilizados em tempo útil. “Isto tem a ver com uma janela de oportunidade”, diz a presidente desta associação sem fins lucrativos, dedicada à sustentabilidade e ecologia.

Afirma ainda que a tecnologia escolhida para esta dessalinizadora “não é sequer umas das mais recentes, havendo já outras mais avançadas” e, portanto, o aval da APA para esta unidade, após a Avaliação de Impacte Ambiental, desconhece alguns dos impactos ambientais que irá causar. “Consideramos que os impactos serão grandes e alguns até desconhecidos. Não nos parece que seja uma decisão para ser tomada assim, de forma apressada. Pelo contrário, é algo tem de ser muito bem estudado”.

Na opinião de Inês Mesquita, a implementação da dessalinizadora poderá ter ainda outras consequências, nomeadamente no turismo local. Sendo a região do Algarve uma zona visitada por milhares de pessoas todos os anos e por isso uma fonte económica de primeira linha, “não se sabe também qual será o impacto visual” causado por esta unidade. “Não é apresentado um plano tridimensional do projeto, que será implementado na costa, numa área grande. Parece-nos que há aqui uma grande falha em todos os sentidos”

Até 2026 está prevista a instalação de uma unidade de dessalinização na costa do concelho de Albufeira, distrito de Faro, no entanto, o projeto já está a causar alguma polémica. 

Estas declarações vão ao encontro da opinião de Filipa Newton, CEO da Infinite&Consulting, uma empresa de consultoria no setor da eficiência e sustentabilidade hídrica, para quem a dessalinização é uma alternativa “desde que articulada”. Na opinião desta consultora, essa articulação deve ser feita em consonância com a “redução de consumos de água numa aposta na eficiência hídrica infraestrutural de edifícios, cidades e atividades económicas.”

Também alerta Filipa Newton que esta aposta traz consigo um risco de eficiência, pois as perdas reais de água na distribuição para abastecimento da região do Algarve são de 13 milhões de m3 e a capacidade de produção desta dessalinizadora de Albufeira é de 16 milhões de m3.

De acordo com esta especialista, se as medidas de eficiência hídricas fossem implementadas, tanto nas cidades como nas redes de distribuição, isso permitiria “evitar um consumo de 35 milhões de m3 de água”. É por isso que, defende, “o investimento na redução de consumos e desperdícios, bem como na reutilização, é prioritário”.

A região algarvia continua a ser um dos locais mais afetados pela seca, onde a restrição de consumo e o corte ao acesso por parte dos agricultores são, também, questões polémicas e ainda não resolvidas. A dessalinizadora, cuja obra deverá estar concluída no final de 2026, prevê converter por ano mais de 24 milhões de m3 de água salgada em água potável.