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Sara Pinho

A captura e o armazenamento de carbono podem ser uma solução para combater o aquecimento global?

9 Jun 2024 - 09:00
A captura de carbono refere-se à extração de dióxido de carbono (CO2) e pode assumir diferentes formas. O CO2 capturado pode ser proveniente de fontes emissoras específicas (por exemplo, de uma unidade fabril) ou da atmosfera, através de processos que podem ser tecnológicos ou biológicos/naturais.

De forma genérica, existem duas formas de capturar o CO2 da atmosfera, se nos focarmos nas soluções tecnológicas que mimetizam ou aceleram os processos naturais de remoção de carbono do ar.

Uma é feita através de fontes pontuais, onde a densidade deste gás é elevada, como no caso de uma chaminé numa central térmica ou num navio de transporte de bens de consumo; a outra é feita diretamente do ar, onde a densidade do carbono é mais baixa pelo facto de o gás estar mais diluído.

Por isso mesmo, nesta última, o processo de captura de carbono requer um consumo energético mais elevado por quantidade de CO2 capturado, comparativamente à captura em fontes pontuais ou fixas. Esta técnica é conhecida por Captura Direta do Ar, ou direct air capture (DAC), em inglês.

Depois de capturado, o carbono é separado dos constituintes, na sequência de reações químicas, o que lhe permite ser armazenado em depósitos subterrâneos – nomeadamente, formações geológicas profundas com características específicas para evitar a fuga deste gás – ou ser utilizado para fazer combustíveis sintéticos, quando combinado com o hidrogénio “verde” (cuja produção não recorre à queima de combustíveis fósseis).

A esta solução dá-se o nome de Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono, ou carbon capture, utilisation and storage (sob a sigla CCUS).

Em Portugal, inclusive, já foram identificados aquíferos salinos profundos onde se poderá vir a armazenar dióxido de carbono no futuro. Há também um projeto europeu, o PilotSTRATEGY, que tem estado a investigar locais de armazenamento geológico de CO2 em países como Portugal para apoiar o desenvolvimento da captura e armazenamento de carbono em grande escala, tendo sido analisados locais com potencial para tal junto à Figueira da Foz.

Em Portugal, inclusive, já foram identificados aquíferos salinos profundos onde se poderá vir a armazenar dióxido de carbono no futuro.

Mas precisamos realmente da captura de carbono para reduzir as emissões?

“O CO2 leva muito tempo para sair da atmosfera. Em parte, dissolve-se no oceano; em parte é absorvido pelas plantas, através da fotossíntese; e uma parte residual fica durante séculos na atmosfera. O problema é que se acumulou uma grande quantidade de CO2 na atmosfera e, enquanto essa acumulação persistir, não vamos conseguir baixar a temperatura”, diz ao Green eFact Filipe Duarte Santos, professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Presidente do CNADS (Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável).

É neste contexto que estão a ser desenvolvidas grandes estruturas equiparadas a “fábricas” de captura de CO2. Depois de um projeto pioneiro construído na Noruega, foi recentemente inaugurada a maior fábrica de captura de carbono do mundo na Islândia, pela empresa suíça Climeworks, que funciona como um filtro de ar gigante. Em 2021, esta mesma empresa já tinha inaugurado uma outra fábrica, mais pequena, e planeia implementar uma nova no estado norte-americano do Louisiana. Os planos de expansão desta empresa pretendem estender-se ainda ao Quénia, ao Canadá e a países europeus.

No Texas, EUA, uma subsidiária da Occidental Petroleum, uma das gigantes petrolíferas americanas, planeia igualmente abrir uma fábrica maior que a última da Islândia no próximo ano, sendo este projeto já considerado uma das maiores experiências mundiais de Captura Direta do Ar (DAC). De acordo com o jornal The Washington Post, estima-se que a quantidade de dióxido de carbono emitida por ano que esta fábrica irá conseguir remover da atmosfera seja o equivalente às emissões de 119 mil automóveis.

Se por um lado o carbono pode ser utilizado, por exemplo, para a produção de combustíveis sintéticos para usar em motores de combustão interna, por outro, no caso do Texas, parte do dióxido de carbono será utilizado para extrair petróleo do solo, segundo o The New York Times.

Depois de um projeto pioneiro construído na Noruega, foi recentemente inaugurada a maior fábrica de captura de carbono do mundo na Islândia, pela empresa suíça Climeworks, que funciona como um filtro de ar gigante.

Num estudo de 2022, o Instituto para a Economia da Energia e a Análise Financeira (IEEFA, na sigla em inglês), um think tank independente, argumenta que “a captura de carbono tem sido usada como uma justificação para novos projetos de petróleo e gás”.

Também num documento informativo do mesmo think tank pode ler-se: “a principal utilização da captura de carbono até à data tem sido a recuperação avançada de petróleo, em que o CO2 capturado é bombeado para reservatórios de petróleo e gás para aumentar a extração de combustíveis fósseis”.

O mesmo documento refere que a captura de carbono não inclui outros gases com efeito de estufa igualmente relevantes, como o metano.

O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) considera que estas ferramentas representam uma forma de mitigar as emissões de CO2, mas refere também que as tecnologias de Captura e Armazenamento de Carbono (as CCS, na sigla inglesa, cujo processo inclui a captura e o processamento do dióxido de carbono, seguido de compressão, transporte e armazenamento subterrâneo em reservatórios geológicos), no máximo do seu potencial, serão responsáveis por uma média de 2,4% da atenuação dessas mesmas emissões até 2030.

É importante salientar que o desenvolvimento destas soluções é extremamente caro, gasta quantidades muito elevadas de energia e de água e está ainda em fase embrionária, assente numa base pouco fundamentada e arriscada, especialmente ao nível da sua escala. No caso das CCS, o CO2 armazenado deve ser monitorizado durante centenas a milhares de anos para garantir que não há fugas, de acordo com o IEEFA.

É importante salientar que o desenvolvimento destas soluções é extremamente caro, gasta quantidades muito elevadas de energia e de água e está ainda em fase embrionária.

Quanto aos riscos, Filipe Duarte Santos é categórico: “o risco maior é ter todo este CO2 na atmosfera”. Considera também que “tudo o que permita contribuir para a descarbonização é uma coisa boa. A indústria dos combustíveis fósseis, sobretudo a petrolífera, não vai desistir de produzir petróleo e gás natural”, até porque “no momento atual, há uma procura brutal de energia”, conclui.

Parece ser consensual entre a comunidade científica e organizações como a Agência Internacional de Energia que a tecnologia de captura de emissões da atmosfera pode ser relevante para travar o aquecimento global.

“Não há nenhuma solução milagrosa. O esforço de mitigação é tão significativo que tudo é necessário”, afirma Patrícia Fortes, investigadora na área da economia da energia no Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade Nova de Lisboa (CENSE).

“Obviamente que a prioridade é a eficiência energética e a aposta na eletrificação, nas energias renováveis, no hidrogénio verde, etc. Mas existem setores, por exemplo, em que é muito difícil reduzir essas emissões”, acrescenta, clarificando que o setor do cimento é um deles.

Patrícia Fortes destaca ainda que a economia circular pode efetivamente contribuir para a redução das emissões e deixa a crítica à insustentabilidade da forma como consumimos: “continuamos numa economia de produzir, consumir e deitar fora”.

No mesmo plano, Filipe Duarte Santos defende: “a prioridade deve ser o phasing-out, a descontinuação do uso dos combustíveis fósseis. Mas estamos a dizer isto, pelo menos, desde o Acordo de Paris e o consumo continua a aumentar. Há que racionalizar este problema”.