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Resíduos: nada se perde, tudo se transforma

Os resíduos são (ainda) um passivo ambiental. Mas não têm de ser. Pelo contrário: devem ser cada vez mais encarados como uma forma de reduzir a exploração de recursos virgens, com vantagens para o planeta e para a nossa soberania em matéria-prima. Os resíduos não são lixo são luxo

 

Já reparou que deixou de se chamar lixo ao lixo? Sim, ainda usamos a palavra em nossas casas, mas há muito que saiu do léxico oficial. Quem trabalha com ele chama-lhe “resíduo”. Há uma boa razão para isso: lixo dá-nos a imagem de algo sujo, sem préstimo, malcheiroso até repugnante; resíduo significa o que resta, o restante, tal como na palavra latina que lhe dá origem, “residuum”.

A diferença é maior do que pode parecer. O que resta não é necessariamente para deitar fora. Resíduo não é lixo. É aproveitável. Cada vez mais, é um recurso.

Os resíduos não são lixo – são luxo. Um caminho para a redução da exploração de recursos virgens

Os resíduos são a essência da economia circular. Em teoria, só temos de seguir o preceito de Lavoisier (“Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”), mas aplicando-o ao que produzimos e consumimos. A União Europeia (UE) está a fazer esse caminho, ainda que não com a velocidade que se exige, admite a Agência Europeia do Ambiente: “Na UE, as taxas de reciclagem de resíduos (resíduos urbanos, embalagens e eletrónicos) têm, em geral, aumentado lentamente, indicando uma evolução no sentido de uma economia mais circular. A taxa global de reciclagem, ou seja, a relação entre o total de resíduos gerados excluindo os principais resíduos minerais e as quantidades que foram geridas através da reciclagem, situou-se em 46% em 2020. A taxa de reciclagem mais elevada foi registada para embalagens com 64%, seguida pelos resíduos municipais com 49% e lixo eletrónico com 39%, todos em 2021.”

Cada europeu produz, em média, 5 toneladas de resíduos por ano

A Comissão Europeia, usando uma metodologia diferente, apresenta números um pouco menos animadores: apenas 38% é reciclado. Ou seja, uma vez que cada europeu produz, em média, cinco toneladas de resíduos por ano, 3,1 toneladas por pessoa acabam em aterros. Multiplicando pelos seus cerca de 450 milhões de habitantes, isto significa que a UE envia para aterro ou incinera 1,4 mil milhões de toneladas de resíduos – como se de lixo se tratasse. É o equivalente a 140 mil Torres Eiffel por ano.

Podemos e devemos fazer muito mais. A UE tem objetivos ambiciosos. A Diretiva-Quadro sobre Resíduos aponta para a obrigatoriedade de os Estados-Membros aumentarem a reciclagem de resíduos municipais (domésticos) para 60% em 2030 e 65% em 2035.

Apenas 3 países cumprem já a meta de 2030, prevista na Diretiva-Quadro sobre Resíduos: Alemanha, Áustria e Eslovénia

Portugal parte com considerável atraso. Em 2021, pelos dados da Agência Europeia do Ambiente, encontrava-se em 21º (o sétimo a contar do fim) na tabela de reciclagem de resíduos municipais, com uma taxa de 30,4%. Daqui a seis anos, terá de ser o dobro, sob pena de multas pesadas. Apenas três países cumprem já a meta de 2030: Alemanha (67,8%), Áustria (62,5%) e Eslovénia (60,8%).

Algumas empresas têm tentado dar o exemplo aos consumidores domésticos. A Sierra atingiu os 86% de reciclagem em 2023, um valor muito superior à meta para resíduos municipais em 2035.

Potenciar os resíduos e diminuir a dependência de recursos virgens é uma questão de soberania para a Europa

A soberania depende de cada um de nós
A UE não é rica em recursos, e muitos do que a sua economia necessita encontram-se em países governados por regimes autocráticos ou instáveis. Os exemplos mais óbvios são a Rússia e a China, riquíssimos em recursos naturais, mas com quem temos uma relação cada vez mais complicada e imprevisível. Aproveitar os resíduos, hoje, é mais do que uma exigência moral e ambiental – é igualmente uma questão de soberania de recursos, de autossuficiência, sobretudo numa era de instabilidade geopolítica galopante. Ciente disso, o Parlamento Europeu aprovou, em novembro último, o “ato legislativo europeu sobre as matérias-primas críticas”, com o objetivo de “garantir cadeias de abastecimento seguras e sustentáveis para o futuro ecológico e digital da UE”. Há 34 matérias-primas críticas identificadas pelo bloco europeu, como, por exemplo, lítio, cobalto, tungsténio, cobre e fósforo.

Cada componente de eletrodomésticos ou gadgets devidamente desmontado, tratado e recuperado na Europa representa uma redução nas necessidades de importação de terras raras

Na prática, este pacote legislativo pretende reduzir a burocracia, dar um novo impulso à investigação e desenvolvimento de materiais alternativos e promover a inovação na cadeia de valor, com um importante ênfase na reciclagem, de modo a aumentar a soberania em recursos do bloco europeu.

No centro deste conjunto de medidas encontram-se os resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, fundamentais para reduzirmos a nossa dependência de matéria-prima virgem na produção de tecnologia, de carros elétricos, painéis fotovoltaicos, telemóveis e computadores. Cada componente de eletrodomésticos ou gadgets devidamente desmontado, tratado e recuperado representa menos terras raras (as chamadas “vitaminas da indústria”) que temos de importar de países onde, muitas vezes, as exigências ambientais e sociais não são as mesmas que as nossas.

As cápsulas de café são um (bom) exemplo de como a circularidade plena pode ser atingida

Mas esta busca pela circularidade plena é feita também nos produtos que consumimos todos os dias. Um exemplo concreto são as cápsulas de café: o alumínio é um material que pode ser reciclado quase infinitamente (e depois utilizado no fabrico de computadores, motores de automóveis e bicicletas) e as borras do café podem (e estão a) ser usadas como fertilizante na agricultura. Um caso interessante é a Urban Mushroon Farm, que produz cogumelos com as borras recolhidas em Lisboa, um projeto criado pela Delta Cafés em parceria com a start-up Nãm. (A propósito, estudos demonstram que as cápsulas não são piores para o planeta do que as outras opções.)

Reparar é um desígnio essencial para prolongar a vida úitil dos aparelhos e reduzir substancialmente o consumo de recursos virgens

Reparação: um direito
O tratamento e reciclagem é, na realidade, o fim de linha. O último recurso. A regra de ouro é seguir a ordem certa dos três “R”: reduzir, reutilizar, reciclar. Reduzir o consumo, reutilizar ao máximo os objetos e reciclar apenas o que não tem outra saída.

A reutilização é uma forte aposta da UE. Em 2020, os eurodeputados aprovaram, por larga maioria, uma resolução sobre o “direito à reparação”, “tornando as restituições mais atrativas, sistemáticas e economicamente viáveis, quer mediante a extensão das garantias ou da concessão de garantias para peças substituídas, quer através de um melhor acesso à informação sobre reparação e manutenção”.

Prolongar a vida útil dos aparelhos eletricos e eletrónicos é uma aposta forte da União Europeia

A iniciativa parlamentar sustenta-se na criação de medidas contra a “obsolescência programada” – a conceção de produtos (na maioria das vezes, equipamentos eletrónicos) com uma vida útil limitada no tempo e de difícil reparação ou substituição dos seus componentes, para que os consumidores não tenham alternativa que não a compra de um novo produto. O propósito é eliminar as barreiras à reparação, revenda e reutilização. “É tempo de aplicar os objetivos do Pacto Ecológico Europeu como base de um mercado único que promova a durabilidade dos produtos e serviços”, defendeu o relator da resolução, o francês David Cormand. “Para o alcançar, precisamos de um conjunto compreensivo de regras que facilitem a adoção de decisões claras e simples em vez de considerações técnicas que carecem de coragem política e que confundem consumidores e empresas. Através da adoção deste relatório, o Parlamento Europeu envia uma mensagem clara: a rotulagem obrigatória e harmonizada referente à durabilidade e o combate à obsolescência precoce ao nível europeu são o caminho certo.”

77% dos europeus preferem reparar e continuar a utilizar os seus dispositivos eletrónicos

É também este o caminho que os cidadãos querem seguir. Inquéritos do Eurobarómetro mostram que 77% dos europeus preferem reparar e continuar a utilizar os seus dispositivos eletrónicos; 79% vão mesmo mais longe, exigindo que os fabricantes sejam legalmente obrigados a facilitar a reparação e a substituição de peças.

A padronização é parte da luta contra a obsolescência e pela redução de resíduos – luta essa que nem sempre é fácil, dada a oposição de marcas, que querem vender os seus próprios produtos exclusivos. O exemplo mais recente e ruidoso é o caso da aprovação do carregador universal, em 2022, que entra em vigor em outubro de 2024. As novas regras obrigam a que todos os os dispositivos eletrónicos (telemóveis, tablets, câmaras digitais, consolas, colunas de som, etc) tenham uma porta de carregamento USB-C. No final de 2025, a obrigatoriedade alastra-se aos computadores portáteis.

Em média cada cidadão europeu tem 3 carregadores de aparelhos eletrónicos, mas só utiliza dois

Não é coisa pouca: em 2020, os consumidores da UE compraram mais de 400 milhões de equipamentos eletrónicos, sendo que, em média, têm três carregadores e usam apenas dois. E, ainda assim, 38% dos consumidores diziam ter problemas em carregar os seus dispositivos porque não encontram carregadores compatíveis.

A redução do desperdício e das redundâncias do consumo e o aproveitamento dos resíduos não constituem um caminho fácil nem têm uma solução única, fácil e rápida. Não é uma batalha só, mas sim um conjunto de medidas e atitudes transversais e multitemáticas. E, sobretudo, é um esforço de todos: governos, empresas e cidadãos.