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Desperdício alimentar: um combate urgente

De um lado, escassez. Do outro, excesso. E o planeta a sofrer pelo meio. O desperdício alimentar é um dos mais graves problemas do mundo atual, com impactos ambientais absolutamente colossais.

 

Todos os anos, os cidadãos da União Europeia deitam fora 58 milhões de toneladas de alimentos – ou seja, cada europeu desperdiça, em média, 131 quilos de comida por ano. Enquanto isso, 37 milhões de pessoas nos mesmos 27 países não têm acesso a uma refeição de qualidade a cada dois dias.

A nível global, os números são ainda mais estarrecedores. De acordo com um relatório de 2019 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla internacional), cerca de um terço de todos os alimentos produzidos são desperdiçados. A maioria, 17%, estraga-se nas últimas fases da cadeia: retalhistas e consumidores. Os outros 14% não chegam sequer às prateleiras dos supermercados: perdem-se durante as fases de produção, armazenamento e transporte. O organismo da ONU calcula que a comida desperdiçada desta forma seria suficiente para alimentar 1,26 mil milhões de pessoas. A área necessária para produzir esta quantidade de comida equivale praticamente à área dos EUA.

Cada europeu desperdiça, em média, 131 quilos de comida por ano. O total anual acumulado atinge os 58 mihões de toneladas

Este desperdício é ainda mais preocupante à luz do aumento da fome. De acordo com outro relatório da FAO, sobre o estado da segurança alimentar e nutrição no mundo, o número de pessoas que não têm o suficiente para comer cresceu 46 milhões, para 828 milhões, entre 2020 e 2021, sendo que de 2019 para 2020 já o aumento havia sido de 104 milhões. No total, 3,1 mil milhões de pessoas não conseguem ter acesso a uma alimentação equilibrada  – quase 40% da população mundial.

Em Portugal, o problema é especialmente grave. Os dados do INE e do Eurostat mostram que somos o 4º país da UE que mais alimentos desperdiça per capita. Cada português deita ao lixo 184 quilos de comida por ano. A maior parte, cerca de 124 quilos por pessoa, estraga-se nas nossas casas (a média do desperdício doméstico na UE é 70 quilos per capita). Seguem-se os restaurantes (onde se perde 23 quilos por pessoa), a distribuição (21 quilos), a agricultura (10 quilos) e a produção (6 quilos).

Cada português deita ao lixo 184 quilos de comida por ano. A média na UE é 70 quilos

Objetivo: reduzir para metade
Combater o desperdício alimentar é, em primeiro lugar, um desígnio moral. Mas tem de ter igualmente, e cada vez mais, um propósito ambiental. O setor da alimentação, ao longo de toda a cadeia, tem enormes impactos no planeta, salientando-se a elevada pegada carbónica: as suas emissões de gases com efeito de estufa atingem os 13,7 mil milhões de toneladas por ano, o que equivale a 26% do total de emissões globais de origem antropogénica, segundo o estudo “The carbon footprint of meat and dairy proteins: a practical perspective to guide low carbon footprint dietary choices”, publicado no Journal of Cleaner Production.

É um preço que, no limite, pode fazer sentido pagar. Afinal, estamos a falar de alimentação, a mais básica das necessidades humanas. Acontece que um terço dessas emissões são desnecessárias: de acordo com um relatório do Programa Ambiental das Nações Unidas, de 2021, o desperdício alimentar representa entre 8% e 10% das emissões globais de dióxido de carbono equivalente (na UE, esta percentagem é ainda mais elevada: 16%). É um valor superior à soma das emissões da aviação e do transporte marítimo; se o incluíssemos na lista de países com mais emissões, o desperdício alimentar estaria em terceiro lugar, imediatamente atrás da China e dos EUA.

As alterações climáticas resultam numa redução significa da produção de arroz, trigo e milho, fundamentais na alimentação global

Além disso, as alterações climáticas vão pressionar ainda mais o setor da produção alimentar. Um estudo realizado por cientistas do Met Office, do Reino Unido, concluiu que, em consequência das alterações nos padrões climáticos, teremos quebras significativas nas culturas de arroz, trigo e milho, que, juntos, constituem a maior parte do consumo calórico da população mundial.

Por todas estas razões, não surpreende que esta seja uma das áreas-chave dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. A meta, explícita no ODS 12.3, é “reduzir para metade o desperdício alimentar global per capita a nível do retalho e do consumidor e reduzir as perdas alimentares ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo perdas pós-colheita”, até 2030.

Um estudo do Programa Ambiental das Nações Unidas, de 2021, mostra que o desperdício alimentar representa entre 8% e 10% das emissões globais de dióxido de carbono equivalente – na UE, esta percentagem é ainda mais elevada: 16%

Pequenas grandes ideias
Um pouco por todo o lado, têm aparecido, nos últimos anos, projetos de luta contra o desperdício alimentar. Um dos primeiros a despontar em Portugal foi a Fruta Feia, que em 2013 começou a vender em Lisboa cabazes de frutas e verduras (da época e da região) que não tinham as características de tamanho e aspeto exigidas pelas grandes superfícies.

A própria distribuição começou a implementar várias iniciativas. É o exemplo da gama Zero Desperdício, do Continente, que passa por algo tão simples como dar uma segunda oportunidade a frutas e legumes com pequenas imperfeições (como tomate, cebola, pimentos e feijão verde), mas que mantêm toda a qualidade nutritiva e sabor. A empresa conta ainda com as Caixas Zer0% Desperdício, cabazes de cinco quilos com frutas e legumes que se estão a aproximar do ponto ótimo de consumo, vendidos a um preço muito mais baixo. É uma pequena ideia com grande impacto: estima-se que esta iniciativa ajude a evitar que 25 toneladas de alimentos acabem no lixo, todos os anos.

Antes de ir ao supermercado verifique na despensa e no frigorífico se precisa mesmo de todos os produtos da sua lista de compras

A estas iniciativas somam-se as vendas a baixo custo de produtos que se encontram perto da data de validade, medida que já alastrou a grande parte dos retalhistas em Portugal. Estes alimentos costumam ser identificados por etiquetas de cor diferente – cor-de-rosa, no caso do Continente (que também vende bananas “desirmanadas”, no âmbito do combate ao desperdício, uma ação chamada “banana solteira”).

Este tipo de medidas descomplicadas e descomplexadas são exatamente o que as Nações Unidas pedem ao setor empresarial. “É do interesse das empresas encontrar novas soluções que permitam padrões sustentáveis de consumo e produção. É necessária uma melhor compreensão dos impactos ambientais e sociais dos produtos e serviços, tanto dos ciclos de vida dos produtos como da forma como estes são afetados pela utilização nos estilos de vida. As soluções de inovação e design podem permitir e inspirar os indivíduos a levarem estilos de vida mais sustentáveis, reduzindo impactos e melhorando o bem-estar.”

A tecnologia tem permitido também o surgimento de projetos antidesperdício baseados em apps. Um dos mais conhecidos é a Too Good To Go, criada na Dinamarca em 2015 e depois espalhada a outros países, incluindo Portugal, que permite às pessoas comprarem comida que não foi vendida durante o dia nos estabelecimentos à sua volta, sobretudo nos restaurantes, padarias e pastelarias. A Phenix, fundada em França e também presente no nosso país, é outra empresa e app com uma atividade semelhante, que garante salvar 150 mil refeições por dia (60 toneladas de resíduos) no conjunto dos países em que se encontra.

O que o consumidor pode fazer
Claro que todos estes projetos só funcionam se as pessoas estiverem sensibilizadas e preparadas para fazer ligeiras adaptações no seu dia a dia, em nome de uma sociedade que aproveita ao máximo os seus recursos. Os consumidores são a chave para reduzir o desperdício. Esses ajustes passam por coisas como olhar com imaginação para o que vemos como “lixo”, como explica Catarina Barreiros, criadora da comunidade “Do Zero”. São pequenos gestos que fazem toda a diferença, desde preparar sopas com casca de abóbora a saltear casca de banana para o molho da bolonhesa, passando pelo aproveitamento da água de cozer o feijão para a sopa e das sobras de legumes das receitas para fazer um bom caldo caseiro. “Há muita coisa que consideramos lixo e é comida”, garante.

Os supermercados são das principais fontes de doações alimentares a instituições. A MC, empresa de retalho alimentar da Sonae, avançou com o projeto LIFEFood Cycle: uma plataforma digital para ajudar as lojas a gerirem as quebras para otimizar a doação de alimentos

O planeamento tem um papel fundamental na redução do desperdício alimentar. O mais importante é programar as refeições da semana e fazer as compras de supermercado de acordo com uma lista de produtos necessários para essas refeições, confirmando antes disso, na despensa e no frigorífico, o que efetivamente falta. Devemos também dar sempre prioridade aos alimentos que se estão a aproximar do fim da validade (ajuda arrumar os produtos mais perecíveis nas zonas mais visíveis do frigorífico, como a porta e a parte da frente das prateleiras) e congelar os que não conseguimos consumir a tempo. Reaproveitar todas as sobras é outra medida imprescindível para quem quer reduzir o desperdício em casa (não faltam livros e páginas na internet com receitas e dicas para restos de comida). Não devem também ser descuradas as condições de conservação de cada alimento. Se, mesmo com todos os cuidados, ainda alguma coisa ficar por consumir, o lixo não deve ser opção definitiva: há ainda a compostagem, para fazer fertilizante para o jardim, horta ou mesmo os vasos com aromáticas. De norte a sul do País, vários municípios oferecem soluções de compostagem aos seus munícipes, como Lisboa, Sintra, Cascais, Santarém, Aveiro, Castelo Branco, Porto, Viana do Castelo, Évora, Setúbal e Beja, entre outros.

Finalmente, é crucial saber interpretar os rótulos. “Consumir de preferência antes de” quer dizer que o alimento pode perder qualidade para lá dessa data, mas não está em causa a sua segurança; “Consumir até”, sim, já é um rótulo relacionado com a segurança alimentar.

Os supermercados estão entre os principais doadores de produtos alimentares a instiuições. A MC, empresa de retalho alimentar da Sonae, avançou com o projeto LIFEFood Cycle: uma plataforma digital para ajudar as lojas a gerirem as quebras para otimizar a doação de alimentos

Dar a quem precisa
O encaminhamento de alimentos que, de outra forma, se estragariam para quem mais precisa deles é a solução perfeita num mundo repleto de imperfeições. A Refood é um dos movimentos mais conhecidos nesta área. A organização, nascida em Lisboa, dedica-se desde 2011 a fazer a ponte entre o excesso e a necessidade, com voluntários a recolherem a comida que sobra em supermercados, restaurantes, pastelarias e outros estabelecimentos, entregando-a então a famílias necessitadas e a instituições. Recentemente, a Refood, que conta já com 7500 voluntários distribuídos por 60 núcleos, alargou o seu âmbito de ação, acrescentando-lhe uma faceta mais diretamente ambiental, aproveitando e entregando resíduos para compostagem e valorização energética.

O Banco Alimentar é outra organização que, além das iniciativas periódicas de recolha de alimentos nos supermercados, encaminha para as famílias mais necessitadas excedentes alimentares que de outra forma arriscavam estragar-se. O primeiro banco alimentar em Portugal nasceu em Lisboa, em 1991.

Alguns retalhistas criaram os seus próprios projetos de doação. A Missão Continente, por exemplo, tem uma iniciativa de doação diária de excedentes alimentares

Alguns retalhistas também criaram os seus próprios projetos de doação, ajudando quem mais precisa ao mesmo tempo que previnem o desperdício alimentar. A Missão Continente, por exemplo, tem uma iniciativa de doação diária de excedentes alimentares.

Os supermercados são, aliás, das principais fontes das instituições, mas nem sempre é fácil gerir os stocks de modo a conciliá-los com as doações. Para tentar contornar as dificuldades, a MC, empresa de retalho alimentar da Sonae, avançou com o projeto LIFEFood Cycle: uma plataforma digital para ajudar as lojas a gerirem as quebras para otimizar a doação de alimentos, bem como a sua venda a preços mais baixos a parceiros comerciais. O LIFEFood Cycle foi desenvolvido em parceria com a Phenix e cofinanciado em 55% pelo programa LIFE, da UE, enquanto projeto ambiental.

Plástico ou ao natural? A pegada ecológica do desperdício de um pepino equivale à das folhas de plástico utilizadas para embrulhar 93 pepinos

A importância do embalamento
Há formas de redução do desperdício alimentar que nem sempre são bem compreendidas pelos consumidores. Um dos exemplos mais flagrantes são os vegetais embalados em plástico. Para um leigo, ver um pepino embrulhado em celofane parece uma redundância; afinal, a casca dá-lhe uma proteção natural. Na realidade, as análises científicas demonstram que os alimentos duram muito mais tempo se não estiverem expostos ao oxigénio. Um estudo publicado na revista científica Journal of Food Science and Technology concluiu que um pepino envolto em película tem uma vida útil (o que se chama no setor “shelf life”, que significa tempo de prateleira) até 15 dias em vez de nove a uma temperatura de 12º C e cinco dias ao invés de dois a temperaturas entre os 29º C e os 33º C, isto sem perder qualidades.

Sim, é verdade que o plástico é, em si, um problema ambiental. Mas o desperdício alimentar é um problema incomparavelmente maior: outro estudo estima que a pegada ecológica do desperdício de um pepino equivale à das folhas de plástico a embrulhar 93 pepinos. A mesma investigação concluiu que proteger estes legumes com plástico tem uma vantagem ambiental quase cinco vezes superior à de não o fazer.

O uso de bioplásticos, produzidos a partir de plantas e de material reciclado, tem a capacidade de reduzir o impacto carbónico do embalamento

Dito isto, há atualmente cada vez mais alternativas ao plástico produzido a partir dos combustíveis fósseis. Uma revisão da ciência disponível, publicada no ano passado na revista Future Foods, defende que o uso de bioplásticos, produzidos a partir de plantas e de material reciclado, tem a capacidade de reduzir o impacto carbónico do embalamento. “A utilização de materiais de embalagem biodegradáveis ou recicláveis ajudaria a minimizar os resíduos transportados para aterros. A sustentabilidade económica na produção e embalagem de alimentos garantiria que a produção e embalagem de alimentos fossem economicamente sustentáveis para os processadores e outras partes interessadas do sistema alimentar, proporcionando simultaneamente aos consumidores alternativas alimentares baratas e saudáveis.”

E há mesmo quem esteja a tentar produzir bioplásticos a partir de… desperdício alimentar. É o caso de investigadores da Virginia Tech College of Agriculture and Life Sciences, nos EUA. Uma revisão científica publicada na IOPScience realça mesmo que “os resíduos alimentares obtidos na indústria de processamento de alimentos, como resíduos de lodo, casca de mandioca, casca de banana, casca de abacaxi, semente de durião, semente de jaca, semente de abacate e pena de galinha” são os que demonstram maior potencial para serem desenvolvidos como bioplásticos. “O desenvolvimento de bioplásticos a partir de resíduos alimentares tem um duplo benefício que pode resolver dois problemas indirectamente, nomeadamente a redução simultânea de resíduos de plástico e de alimentos, promovendo assim a sustentabilidade ambiental”, concluem os investigadores. É o fecho completo do círculo – ou a economia circular na sua forma mais pura.

Enquanto os bioplásticos não se afirmam como uma alternativa o mais importante é continuar a colocar as embalagens de plástico no ecoponto correto: o amarelo

Estas soluções, no entanto, ainda se encontram numa fase embrionária, além de haver restrições ao seu uso para embalagens de alimentos, por questões de segurança alimentar. Não é, pelo menos para já, alternativa ao filme de plástico, de PVC, que envolve muitos alimentos. Por agora, o mais importante é cada cidadão colocar as embalagens de plástico no local indicado, incluindo o filme de plástico: o caixote amarelo. Garantir que o material tem o encaminhamento correto e é reciclado, em vez de levado para aterro, cabe a cada um de nós.