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Afonso Cabral Lopes

Estávamos para lá do abismo e continuámos em frente: não é um texto para fracos de estômago

21 Sep 2023 - 10:31
Em meados do Século XIX dois economistas britânicos – William Jevons e Alfred Marsh – dão os primeiros passos do movimento Conservacionista, surgem os primeiros alertas sobre o nosso impacto no planeta. No final desse mesmo século foram também descobertos os efeitos do CO2 na atmosfera. Depois da Segunda Grande Guerra, Barbara Ward e Rachel Carson, alertam para a destruição do ambiente por parte do capitalismo de consumo, e surge também a proposta do aquecimento global.

Hoje há consenso científico (99.99% dos climatologistas acreditam que o aquecimento global existe e provém de ação humana) relativamente ao nosso impacto no planeta: entramos no Antropoceno, um período geológico marcado pelas alterações da terra pelo Humano. Estamos a consumir os recursos do planeta, e a poluir o meio ambiente, de forma insustentável, de tal maneira que estamos a sobreaquecer a terra, a acidificar os mares, e a acabar com a biodiversidade.

 

Posso concluir portanto que há consenso científico, mas que infelizmente não há consenso económico. E como na nossa sociedade a economia governa as esferas sociais e políticas, entramos num grave dilema: Natureza v. Possibilidades de consumo e crescimento económico.

 

Neste momento prevalece a perspetiva Económica. A economia, de mãos dadas com a ideologia de liberdade de consumo enquanto liberdade do indivíduo, tem conseguido influenciar-nos, através de formas engenhosas de marketing, a embarcar numa vida individualista, com pouca conexão ao “outro”.

Posso concluir portanto que há consenso científico, mas que infelizmente não há consenso económico

A problemática ambiental é no fundo uma crise social: um distanciamento entre o indivíduo e a comunidade; entre o indivíduo e a natureza. Este distanciamento é-nos imposto pela sociedade de consumo que nos aliena; distancia-nos da vida Política e das suas instituições que ficam à mercê de interesses de corporações – transformando estados Democráticos, em estados “corporativos”, o que descredibiliza o poder das instituições.

Se seguirmos o caminho da alienação, se continuarmos a delegar as nossas decisões a entidades com interesse absoluto no lucro, espera-nos um futuro sombrio: aumento do numero e de intensidade de catástrofes climáticas; conflitos climáticos (sendo que o primeiro foi a Guerra da Siria); Redução da capacidade de criar alimentos, e redução da capacidade nutritiva desses mesmos alimentos; Migrações climáticas em massa; detrimento da qualidade do ar, causando cada vez mais mortes (neste momento são 7 milhões todos os anos – um holocausto climático a cada 365 dias).

Se seguirmos o caminho da alienação, se continuarmos a delegar as nossas decisões a entidades com interesse absoluto no lucro, espera-nos um futuro sombrio

Compreendo que a tomada de consciência deste abismo que sobrevoamos possa trazer algum niilismo climático, no entanto é necessário um exercício de esperança.

Que podemos fazer? 70% da poluição é feita por 3% dos mais ricos da população mundial, pelo que as mudanças nos hábitos de consumo, a meu ver, pouco importam.

Creio que a resposta está em consciencializar os cidadãos e os líderes mundiais, tal como foi feito em 1986, quando foi descoberto o buraco na camada do Ozono, que está agora a recuperar. Temos de nos aproximar uns dos outros, criar comunidades; permitir o debate público; criar pressão política, não só com o nosso voto a cada 4 anos, como também através de ferramentas democráticas como: abaixo assinados, Conselhos de Cidadãos, e demonstrações/manifestações públicas.

Acabo este pequeno texto com algumas sugestões de leitura: “Pequeno tratado para um decrescimento sustentável”, de Latouche; Terra Inabitável, de Wallace Wells; 6a Extinção, de Elizabeth Colbert; Lucro, de Mark Stoll.

(Texto inspirado numa conversa com o ator Vasco Barroso)

*Ator, ativista e embaixador do projeto #DingDongEU