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Pedro dos Santos

Brasilidade quente, fria, seca, húmida e insustentável

12 Nov 2024 - 10:00
Com o agravamento das alterações climáticas, os mais de 200 milhões de habitantes no maior país da América Latina veem-se obrigados a adaptar-se a um “novo normal”.

O Brasil está, neste momento, a viver um estado de calamidade climática reconhecido por quase todos. O que na verdade poucos (ou muito poucos) reconhecem, é a necessidade imperativa de agir imediatamente para evitar mais catástrofes como as que temos vindo a presenciar em território brasileiro.

Desde acontecimentos como as chuvas de 2011 no Rio de Janeiro, onde ocorreram várias inundações e deslizamentos de terra que resultaram num grande número de vítimas, o incêndio do Pantanal durante o ano de 2019 até 2020, que invadiu o vasto e complexo bioma por todos os lados e as mais recentes enchentes no Rio Grande do Sul, onde cerca de 400 municípios foram afetados pela pior catástrofe natural já registada no estado, deixando centenas de feridos e forçando mais de 160 mil pessoas a abandonar as suas casas. A realidade climática no Brasil é cada vez mais alarmante e insustentável para a população brasileira.

A este ponto não é segredo para absolutamente ninguém o papel central que o Brasil ocupa na estabilidade climática global devido à riqueza da (fauna e flora) da sua paisagem. É a casa do pulmão do mundo e por isso, todos os olhos estão voltados para o Brasil quando o assunto é sustentabilidade. A Floresta Amazónica desempenha uma série de papeis fundamentais para o meio-ambiente. Desde a regulação climática global até a manutenção das chuvas no continente sul-americano, a Amazónia é crucial para o bem-estar do nosso planeta.

No entanto, se “onde há luz, há sombra”, para a luz que a Amazónia irradia, existe a sombra que escurece o Brasil, denominada de desmatamento (ou desflorestação). A perda da área verde da Amazónia é tão preocupante hoje como sempre foi. O desmatamento é uma realidade que remonta ao período da colonização no território brasileiro e as suas causas estão especialmente relacionadas com os interesses económicos. Existem consequências que muitas das vezes não são levadas em consideração por parte dos grupos de investidores nos setores da energia, da agricultura e da mineração, entre elas, a perda de biodiversidade e a poluição do ar.

A resiliência futura dependerá da capacidade dos governos de antecipar e mitigar os efeitos das alterações climáticas, garantindo um desenvolvimento sustentável e inclusivo.

À medida que os impactos das alterações climáticas se intensificam, é cada vez mais importante identificar as áreas e as populações mais expostas aos riscos ambientais. Isto inclui, evidentemente, as populações indígenas residentes e originárias da Amazónia e outras populações que vivem em áreas afetadas e precisam de mais apoio.

O mapeamento destas fragilidades é essencial para a formulação de políticas públicas eficazes que nos levem a um futuro mais sustentável. Os decisores políticos podem (e devem) direcionar os recursos e as estratégias de desenvolvimento de forma mais eficiente, com o objetivo de tentar minimizar os danos e maximizar a resiliência.

Conseguir compreender as vulnerabilidades destas populações e destas regiões permite, efetivamente, criar abordagens mais equitativas nas políticas públicas dos estados brasileiros. Integrar o conhecimento sobre vulnerabilidades climáticas nas decisões políticas
é fundamental para as adaptações a longo prazo da sociedade brasileira. Com o aumento das temperaturas ao redor do globo e a intensificação dos eventos climáticos extremos, as políticas que não levam em conta estas vulnerabilidades poderão falhar em proteger a sociedade e os seus cidadãos de forma eficaz.

A resiliência futura dependerá da capacidade dos governos de antecipar e mitigar os efeitos das alterações climáticas, garantindo um desenvolvimento sustentável e inclusivo. O que faria mais sentido, uma vez que, as comunidades com menos recursos económicos, as populações indígenas e outros grupos frequentemente marginalizados pela sociedade, tendem a ser os mais afetados pelas alterações climáticas, seria que as preocupações do Governo Federal do Brasil se voltassem prioritariamente para a proteção e apoio a estes grupos vulneráveis.

Consequentemente, é crucial direcionar os recursos para melhorar as infraestruturas com o objetivo de permitir que estas comunidades tenham ferramentas para poder lidar com eventos extremos. Apesar da urgência, muitos governos falham em incorporar estas vulnerabilidades nas suas políticas. O que presenciamos nos dias de hoje, é uma ausência de visão clara, ações e políticas públicas que não consideram nem a população, nem a biodiversidade e uma fraca gestão de recursos.

Não agindo conforme o que estas comunidades precisam, o Governo Brasileiro está a comprometer a justiça social e a capacidade do país de se adaptar e prosperar num mundo cada vez mais afetado pelas alterações climáticas.

O Brasil e grande parte da América Central e do Sul enfrentam desigualdades sociais e económicas, que são agravadas pelas alterações climáticas.

Uma das consequências pouco faladas e, muitas vezes, deixada intencionalmente de fora, é o exacerbamento da pobreza e da desigualdade. O Brasil e grande parte da América Central e do Sul enfrentam desigualdades sociais e económicas, que são agravadas pelas alterações climáticas.

O Relatório Nº6 do IPCC destaca que a pobreza, a infraestrutura debilitada e a má governança, especialmente no Brasil, tornam as comunidades mais vulneráveis às alterações climáticas. Em regiões com pobreza generalizada e diversidade étnica, como as áreas rurais do norte e nordeste do Brasil, as populações são especialmente vulneráveis devido à sua forte dependência de recursos naturais como água, florestas e terras, que estão a ser cada vez mais afetados pelas alterações climáticas.

A dependência das regiões do norte e nordeste do Brasil de recursos naturais para a produção económica, incluindo agricultura e exportação de commodities, torna-a altamente vulnerável aos impactos climáticos.

O agravamento das desigualdades sociais é visível nas disparidades de acesso a serviços essenciais, como saúde, educação e infraestruturas. Estas disparidades tornam-se ainda mais acentuadas em situações de crise climática, afetando desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis.

As populações mais pobres carecem de recursos financeiros e capacidades para se adaptar aos impactos das alterações climáticas. Por exemplo, o acesso limitado a sistemas de irrigação e tecnologias agrícolas sustentáveis reduz a resiliência das famílias agrícolas, levando a uma maior insegurança alimentar.

De acordo com o IBGE, em 2022 cerca de 31,6% da população brasileira vivia abaixo da linha de pobreza. Esta percentagem tende a aumentar à medida que as crises climáticas se intensificam, potencializando ainda mais a situação.

A falta de políticas públicas eficazes e de investimentos em infraestruturas resilientes, prolonga o ciclo de pobreza e desigualdade. As comunidades mais vulneráveis não conseguem recuperar-se rapidamente de desastres naturais, o que compromete a qualidade de vida das populações afetadas, além de limitar as oportunidades de desenvolvimento e ascensão social, perpetuando um cenário de exclusão e marginalização num país já marcado por profundas desigualdades sociais.

Embora os desafios climáticos e sociais do Brasil sejam imensos, o país tem uma oportunidade única de se posicionar como líder global na construção de soluções sustentáveis.

A insegurança hídrica é também uma questão muito significativa (e igualmente negligenciada) ligada às alterações climáticas e à desigualdade no Brasil. Ainda neste relatório do IPCC, é possível observar o acesso desigual à água potável e aos serviços de saneamento, especialmente nas áreas mais pobres e rurais.

Esta desigualdade reduz a capacidade das comunidades de se adaptarem aos impactos das alterações climáticas, como secas mais frequentes, inundações e mudanças nos padrões de precipitação. Ou seja, os impactos relacionados com o clima pioram os já altos níveis de desigualdade económica e vulnerabilidades sociais no Brasil.

No capítulo 12 deste relatório do IPCC, é ainda mencionado que as mulheres, particularmente as mais pobres, são desproporcionalmente impactadas, com menor capacidade de se adaptar aos riscos climáticos. O impacto das alterações climáticas nas mulheres é uma combinação de fatores sociais, económicos e culturais que afeta a sua resiliência e as suas oportunidades de adaptação.

Em primeiro lugar, as mulheres em muitas comunidades, especialmente nas mais vulneráveis, desempenham um papel central na gestão dos recursos naturais, como água e alimentos. A escassez de água e os impactos na agricultura afetam diretamente as suas atividades diárias, que muitas vezes estão ligadas ao sustento da família.

Em segundo lugar, as mulheres enfrentam desigualdades estruturais, como a falta de participação em processos de tomada de decisão e acesso a serviços básicos. Este tipo de marginalização impede que as suas vozes e necessidades sejam consideradas nas políticas e planos de adaptação às alterações climáticas.

E em terceiro lugar, as normas de género muitas vezes colocam mais responsabilidades sobre as mulheres em situações de crise, o que aumenta a sua carga de trabalho e limita o seu tempo e recursos para se adaptar às novas condições climáticas.

Esta combinação de fatores resulta num ciclo de vulnerabilidade que é difícil de romper, perpetuando a desigualdade de género e aumentando a exposição das mulheres a riscos climáticos, ampliando as lacunas de género existentes e aumentando a vulnerabilidade das
mulheres em comunidades pobres face a desastres climáticos.

Embora os desafios climáticos e sociais do Brasil sejam imensos, o país tem uma oportunidade única de se posicionar como líder global na construção de soluções sustentáveis. A vasta biodiversidade brasileira, a sua rica herança cultural e o enorme potencial para o desenvolvimento de energias renováveis colocam o Brasil numa posição estratégica muito vantajosa para promover um crescimento verde e inclusivo.

Com a implementação de políticas integradas, que abordem simultaneamente as questões ambientais, económicas e sociais, o Brasil pode inspirar outros países a seguirem um caminho de desenvolvimento sustentável. Os esforços coletivos de organizações da sociedade civil, empresas privadas e governos locais já demonstram o poder da colaboração. Ativistas ambientais e sociais têm desempenhado um papel vital ao pressionar por mudanças e o apoio crescente a políticas mais sustentáveis indica que o país está no caminho certo.

Se o Brasil continuar a fomentar parcerias globais, a promover a inovação e a capacitar as suas comunidades locais, não só abrandará os efeitos das alterações climáticas, como também poderá tornar-se um modelo de resiliência e prosperidade. O futuro do Brasil, se bem
direcionado, será não só de recuperação, mas de crescimento, justiça social e liderança ambiental no cenário mundial.