De acordo com dados do Eurostat, 20,8% das pessoas em Portugal não consegue aquecer a sua casa apropriadamente. É a maior percentagem da União Europeia, num primeiro lugar partilhado com a Espanha e bem longe dos 2,1% de Luxemburgo.
Em 2007, Portugal apresentava o dobro dos valores, com 41,9% da população incapaz de aquecer a casa. Desde aí, com a exceção de um período de estagnação entre 2009 e 2014 a percentagem tem vindo a descer.
No entanto, desde 2022, tem-se verificado uma nova subida que coincidiu com a invasão russa da Ucrânia e a subida vertiginosa dos preços da energia.
De acordo dom o Eurostat, 20,8% da população portuguesa não consegue aquecer a casa de forma apropriada, uma melhoria em comparação com o ano de 2007, quando este valor era sensivelmente o dobro, mas ainda assim insuficiente para retirar o país da cauda da Europa neste tópico concreto. (foto: Freepik)
Marta Oliveira Panão, professora do Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa disse ao Green Efact que “a localização geográfica é um fator importante a ter em conta”, uma vez que, as necessidades energéticas dos países nórdicos, mais frios, serão necessariamente diferentes das dos países do Sul como Portugal.
Se 23% do consumo energético dos portugueses se deve ao aquecimento ambiente, “81% desse valor trata-se de biomassa (principalmente lenha, mas também pellets),” diz a docente, “nem sempre utilizada em equipamentos de elevada eficiência, pelo que a utilização de recursos energéticos para aquecimento é, em Portugal, muito inferior aos restantes países.”
A ADENE, Agência para a Energia, sublinha que, na verdade, o consumo de energia em Portugal tem aumentado, sem que isso corresponda necessariamente a um aumento do conforto dentro das casas.
“Um parque habitacional envelhecido e com deficiências em termos de isolamento térmico e sistemas de aquecimento tem, obrigatoriamente, consequências negativas no bem-estar e na saúde dos cidadãos,” afirma a agência “além de implicar custos energéticos mais elevados”. Assim, “a qualidade do parque habitacional é um fator determinante para a capacidade dos portugueses em aquecerem as suas casas de forma eficiente e económica.”
“Um parque habitacional envelhecido e com deficiências em termos de isolamento térmico e sistemas de aquecimento tem, obrigatoriamente, consequências negativas no bem-estar e na saúde dos cidadãos,” afirma a Agência para a Energia.
Assim e ainda que, segundo outra série estatística do Eurostat, só Malta consuma menos energia per capita do que Portugal, há, no nosso país, um problema de eficiência. Marta Panão alerta para o facto de, apesar da implementação de diretivas europeias que pretendem aumentar a eficiência energética das famílias – como “a etiquetagem energética de equipamentos, a eliminação gradual da comercialização de lâmpadas incandescentes ou a regulação da potência de stand-by” –, isto não se tem traduzido numa diminuição dos consumos em Portugal.
Tal acontece porque à medida que os equipamentos se vão tornando mais eficientes, as famílias também vão consumindo mais equipamentos igualmente mais potentes que os anteriores.
É nesse sentido e tendo em conta que os ganhos de eficiência são frequentemente anulados pelo aumento do consumo, que Marta Panão faz uma distinção entre o princípio da eficiência e o princípio da suficiência.
“Existe ainda um caminho a percorrer para que as políticas energéticas estejam alinhadas com os princípios da suficiência energética. Se o princípio da eficiência se baseia na racionalidade económica de um planeta sem limites, o princípio da suficiência baseia-se na racionalidade ecológica que considera os limites do planeta”, explica a docente.
Paradoxalmente, para Marta Panão, uma das explicações para os reduzidos gastos no aquecimento pode estar na “fraca qualidade das habitações”, pois não é suficiente ter o ar aquecido para sentir conforto térmico. “É necessário que as superfícies à nossa volta também estejam aquecidas e isso é muito difícil em habitações sem isolamento térmico”. Ou seja, “o desconforto persistente, mesmo quando tentamos aquecer os espaços, alimenta a perceção que o gasto de energia simplesmente não compensa.”
A isto somam-se ainda outros fatores, como a disponibilidade financeira para fazer este tipo de investimento, a necessidade de acordo de condóminos em edifícios multifamiliares ou a dificuldade em antever um retorno financeiro.
Razões suficientes para a ADENE considerar que “existe ainda bastante trabalho a desenvolver, pois é necessário apoiar a reabilitação tendo em vista o desempenho energético e atividades a desenvolver ao nível da formação e promoção da literacia energética.”