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Teresa Lencastre

Os países ricos destroem mais habitats fora de portas do que dentro?

26 Apr 2025 - 09:00
Os países mais ricos do mundo são responsáveis pela destruição de 15 vezes mais biodiversidade fora das suas fronteiras do que dentro delas, conclui um estudo recente. Esta “exportação da extinção”, como é descrita, resulta da procura crescente por produtos como carne de vaca, óleo de palma, madeira e soja. Outra investigação mostra que até os esforços de conservação em países desenvolvidos podem aumentar a pressão sobre ecossistemas de regiões mais biodiversas e vulneráveis, sobretudo no sul global.
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O primeiro estudo, publicado na revista Nature e conduzido por investigadores da Universidade de Princeton, avaliou os efeitos de 24 países de elevado rendimento em mais de 7.500 espécies de aves, mamíferos e répteis dependentes de florestas. Com base em dados recolhidos entre 2001 e 2015, os investigadores cruzaram informações económicas sobre comércio internacional com imagens de satélite e mapas de distribuição de espécies.

A análise conclui que o consumo desses países – como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha, a França, o Japão e a China – levou à perda de 13% de áreas florestais importantes para a sobrevivência destes animais, fora das suas próprias fronteiras. Só os Estados Unidos contribuíram para 3% dessa perda em países terceiros.

“Ao importar alimentos e madeira, estas nações desenvolvidas estão essencialmente a exportar a extinção”, alerta David Wilcove, coautor do estudo e professor de ecologia e biologia evolutiva, em nota de imprensa.

“O comércio global espalha os impactos ambientais do consumo humano, neste caso levando as nações mais desenvolvidas a obter os seus alimentos de nações mais pobres e com maior biodiversidade nos trópicos, resultando na perda de mais espécies”, sublinha o investigador.

A perda de habitat impulsionada pelo consumo internacional representa uma ameaça crescente para espécies dependentes de florestas tropicais, como o saíra-andina-de-barriga-vermelha (Anisognathus igniventris). (foto: Alex Wiebe)

A conversão de habitats naturais em terrenos agrícolas é, segundo os investigadores, a principal ameaça à biodiversidade em todo o mundo, representando cerca de 90% da perda de habitats. Este processo é amplificado pelas cadeias de abastecimento globais: os países desenvolvidos externalizam os impactos ambientais das suas escolhas de consumo para regiões tropicais, frequentemente mais pobres, mas também mais biodiversas.

As florestas da Indonésia, Brasil e Madagáscar são alguns dos exemplos mais emblemáticos. São locais de elevada biodiversidade, onde se concentra uma parte significativa da fauna e flora mundial, mas também são dos mais afetados pela desflorestação associada à produção de soja, óleo de palma ou carne.

O estudo da Nature revela que os impactos externos variam consoante a geografia: os Estados Unidos afetam sobretudo a América Central, enquanto a China e o Japão pressionam as florestas do sudeste asiático.

De acordo com Alex Wiebe, principal autor do estudo, este tipo de análise permite quantificar, pela primeira vez, impactos ambientais deslocalizados. “É difícil identificar os impactos que os países têm no ambiente fora das suas fronteiras. Combinando imagens de satélite com dados económicos e de biodiversidade, conseguimos agora, pela primeira vez, medir e mapear exatamente o impacto dos países nas espécies de todo o mundo”, explica.

Os investigadores de Cambridge destacam o Gola Rainforest Project, na Serra Leoa, como exemplo de uma abordagem que ajuda a conter a chamada “fuga da biodiversidade”. Ao melhorar os rendimentos dos agricultores locais – como Mallo Samah, na foto – através de práticas sustentáveis e preços mais justos para o cacau, o projeto reduz a desflorestação e evita que os impactos da conservação noutras regiões sejam deslocados. (foto: Michael Duff)

Uma outra investigação, publicada na revista Science e conduzida na Universidade de Cambridge, dá conta de uma prática adicional de “exportação da extinção”. O estudo mostra como os esforços de conservação nos países temperados – como a criação de reservas naturais no Reino Unido – podem ter efeitos colaterais nocivos a nível global.

Ao reconverter terrenos agrícolas em áreas protegidas, estes países acabam por aumentar a sua dependência de importações de alimentos e madeira, deslocando a pressão para países do sul global. Este fenómeno, apelidado de “biodiversity leak” (ou “fuga da biodiversidade”), significa que a conservação local pode, paradoxalmente, acelerar a perda global de espécies.

Segundo Andrew Balmford, principal autor do estudo de Cambridge, os países tropicais – nomeadamente em África e na América do Sul – são os mais vulneráveis a este tipo de pressão. “À medida que as nações das regiões temperadas, como a Europa, conservam mais terras, as consequentes carências na produção de alimentos e madeira terão de ser compensadas algures”, explica o investigador em comunicado.

“É provável que grande parte disto aconteça em zonas do mundo com maior biodiversidade, mas frequentemente menos regulamentadas, como África e a América do Sul. É provável que áreas de muito maior importância para a natureza paguem o preço dos esforços de conservação nas nações ricas, a menos que trabalhemos para corrigir esta fuga”, considera.

A onça-pintada (Panthera onca) é um dos maiores mamíferos das florestas tropicais da América Latina, com presença destacada no Brasil. Enfrenta pressões crescentes devido à desflorestação e é frequentemente apontada como uma das espécies ameaçadas pela expansão agrícola associada ao consumo global, sobretudo para produção de carne e soja.

Ambos os estudos apelam a novas estratégias de conservação e consumo a nível global. Os investigadores de Princeton reconhecem que o comércio internacional de alimentos e madeira não vai simplesmente desaparecer, mas defendem que pode tornar-se mais responsável.

Segundo David Wilcove, os países importadores devem reconhecer os impactos ambientais das suas decisões de consumo e colaborar com os países exportadores para os mitigar, promovendo práticas agrícolas sustentáveis e protegendo os habitats mais sensíveis. “Todas as nações beneficiam da proteção da biodiversidade”, salienta.

Já os autores do estudo de Cambridge defendem que as políticas de conservação devem considerar os efeitos indiretos que essas ações podem ter noutros locais.

Para evitar a chamada “fuga da biodiversidade”, recomendam uma abordagem mais estratégica: priorizar a proteção de áreas com alto valor ecológico e baixo potencial produtivo, apoiar agricultores locais para manter a produção nas regiões de origem e reduzir a procura por produtos com maior pegada ambiental, como a carne vermelha.

Um estudo da Universidade de Cambridge mostra como os esforços de conservação nos países temperados – como a criação de reservas naturais no Reino Unido – podem ter efeitos colaterais nocivos a nível global.

Exemplos de soluções já em prática incluem o incentivo à produção de cacau compatível com a floresta ou técnicas de pastoreio que evitam conflitos com espécies em perigo, como os leopardos-das-neves. Sem esse tipo de abordagem integrada e cooperativa – envolvendo planeamento global, comércio responsável e apoio às comunidades produtoras – há o risco de que até os esforços de conservação mais bem-intencionados acabem por contribuir para o agravamento da crise global da biodiversidade, alertam os investigadores de Cambridge.

A desigualdade na distribuição dos impactos ambientais não se limita à perda de biodiversidade. No contexto da crise climática, há um consenso crescente de que os países e comunidades mais pobres são os que mais sofrem – seja pela maior exposição a fenómenos extremos, como secas, cheias e ciclones, seja pela menor capacidade de adaptação e recuperação.

Paradoxalmente, são os países mais ricos que mais contribuem para o aquecimento global, perpetuando, também neste domínio, a lógica da “exportação” de impactos ambientais negativos. Uma revisão recente da literatura científica reforça esta tendência: as alterações climáticas estão a agravar as desigualdades económicas a nível global, com efeitos particularmente severos nos países de baixo rendimento.