Diferentes organizações e estudos científicos têm abordado o problema do degelo dos glaciares. Um dos alertas mais recentes foi feito a 21 de março de 2025, data em que se assinalou pela primeira vez o Dia Mundial dos Glaciares.
Nesse dia, a UNESCO apresentou o Relatório sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2025, que reitera que “à medida que o mundo aquece, os glaciares estão a derreter mais depressa do que nunca, tornando o ciclo da água mais imprevisível e extremo”.
“Devido ao recuo dos glaciares, as inundações, as secas, os deslizamentos de terras e a subida do nível do mar estão a intensificar-se, com consequências devastadoras para as pessoas e para a natureza”, lê-se no documento.
O recuo dos glaciares compromete o abastecimento de água e alimentos de dois mil milhões de pessoas em todo o mundo, alerta a agência das Nações Unidas. Segundo o relatório, dois terços da agricultura de regadio a nível global poderão ser afetados pela redução do volume de gelo e pela diminuição da queda de neve nas regiões montanhosas – consequências diretas da crise climática.

O recuo dos glaciares compromete o abastecimento de água e alimentos de dois mil milhões de pessoas em todo o mundo, alerta a agência das Nações Unidas.
Mais de mil milhões de pessoas vivem em zonas de montanha e, nos países em desenvolvimento, cerca de metade já enfrenta insegurança alimentar. A situação poderá agravar-se, uma vez que a produção agrícola nestas regiões depende da água proveniente do degelo e dos glaciares.
Os países desenvolvidos também enfrentam riscos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a bacia do rio Colorado – que abastece cerca de 40 milhões de pessoas e depende da neve das Montanhas Rochosas – está em seca desde 2000, situação que poderá agravar-se com o aumento das temperaturas e a redução do manto de neve.
“Independentemente do local onde vivemos, todos nós dependemos, de alguma forma, das montanhas e dos glaciares – as torres de água do nosso planeta”, escreve Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO, no relatório.
“É essencial que a comunidade internacional se una e se mobilize para proteger os glaciares e a criosfera. Para aumentar a consciencialização e promover a ação, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2025 como o Ano Internacional da Preservação dos Glaciares”, adianta.

Segundo o relatório da UNESCO, dois terços da agricultura de regadio a nível global poderão ser afetados pela redução do volume de gelo e pela diminuição da queda de neve nas regiões montanhosas.
A taxa de perda de glaciares é a mais elevada desde que há registo, reforça outro estudo divulgado dias antes. Segundo o relatório anual sobre o estado do clima da Organização Meteorológica Mundial (OMM), a Noruega, a Suécia, o arquipélago de Svalbard e os Andes tropicais estão entre as zonas mais afetadas, tendo registado a maior perda de massa glaciar dos últimos três anos.
Desde 1998, a África Oriental perdeu cerca de 80% dos seus glaciares, enquanto nos Andes desapareceram entre um terço e metade. Na Europa, os glaciares dos Alpes e dos Pirenéus foram os mais atingidos, com uma redução de cerca de 40% durante o mesmo período.
“O degelo e os glaciares ameaçam a segurança da água a longo prazo para muitos milhões de pessoas. Este ano internacional deve ser um sinal de alerta para o mundo”, diz a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, em nota de imprensa.
O declínio dos glaciares tem consequências adicionais. A perda de gelo expõe solos escuros que absorvem mais calor, diminuindo a capacidade de refletir a radiação solar. “O derretimento dos glaciares tem um impacto na refletividade da radiação [solar] e isso terá impacto em todo o sistema climático”, explica Abou Amani, diretor das ciências da água na UNESCO, citado pelo The Guardian.
O degelo também contribui para o aumento de avalanches, uma vez que a chuva sobre a neve é um dos fatores que as desencadeia. A acumulação de água em glaciares em processo de degelo pode provocar inundações súbitas em vales e ameaçar populações que vivem nas encostas. Além disso, o derretimento do permafrost liberta dióxido de carbono e metano, ambos gases com efeito de estufa que agravam o aquecimento global.

O degelo acelerado dos glaciares afeta também a vida selvagem, pois à medida que o gelo e o permafrost desaparecem, os animais adaptados ao frio, como ursos-polares, morsas, raposas-do-ártico ou renas, perdem habitat.
Outro estudo, publicado em fevereiro na revista Nature, já tinha alertado para o ritmo recorde do degelo dos glaciares. Descrita como a análise científica mais exaustiva até à data sobre este tema, a investigação estima que, desde 2000, o mundo perdeu, em média, 273 mil milhões de toneladas de gelo por ano.
“Para se ter uma noção, a perda anual de 273 mil milhões de toneladas de gelo equivale, aproximadamente, ao consumo de água de toda a população mundial durante 30 anos”, explicou Michael Zemp, diretor do Serviço Mundial de Monitorização dos Glaciares e principal autor do estudo, num evento da ONU que assinalou o Dia Mundial dos Glaciares.
Na Europa Central, quase 40% do gelo ainda existente já derreteu. Se o ritmo atual se mantiver, “os glaciares não sobreviverão a este século nos Alpes”.

Na mesma ocasião, Sulagna Mishra, técnica científica da OMM, acrescentou que, se as emissões de gases com efeito de estufa não abrandarem “e as temperaturas continuarem a subir ao ritmo atual, no final de 2100 vamos perder 80% dos pequenos glaciares” na Europa, África Oriental, Indonésia e noutras regiões do mundo.
O degelo acelerado dos glaciares afeta também a vida selvagem. À medida que o gelo e o permafrost desaparecem, animais adaptados ao frio, como ursos-polares, morsas, raposas-do-ártico ou renas, perdem habitat e enfrentam maiores dificuldades para encontrar alimento e reproduzir-se.
Este desequilíbrio ameaça cadeias alimentares inteiras e empurra muitos destes animais para mais perto das populações humanas, em busca de refúgio e fontes alternativas de sustento, aumentando o risco de conflitos, alerta a WWF.