voltar

Teresa Lencastre

Os glaciares estão a derreter mais rápido do que nunca?

6 Apr 2025 - 10:00
Os glaciares estão a derreter a um ritmo sem precedentes devido às alterações climáticas, com consequências graves para o planeta. O recuo do gelo acelera a subida do nível do mar, agrava o risco de cheias e ameaça o abastecimento de água e alimentos de cerca de dois mil milhões de pessoas. Para promover medidas de mitigação, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2025 o Ano Internacional da Preservação dos Glaciares.
verdadeiro

Diferentes organizações e estudos científicos têm abordado o problema do degelo dos glaciares. Um dos alertas mais recentes foi feito a 21 de março de 2025, data em que se assinalou pela primeira vez o Dia Mundial dos Glaciares.

Nesse dia, a UNESCO apresentou o Relatório sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2025, que reitera que “à medida que o mundo aquece, os glaciares estão a derreter mais depressa do que nunca, tornando o ciclo da água mais imprevisível e extremo”.

“Devido ao recuo dos glaciares, as inundações, as secas, os deslizamentos de terras e a subida do nível do mar estão a intensificar-se, com consequências devastadoras para as pessoas e para a natureza”, lê-se no documento.

O recuo dos glaciares compromete o abastecimento de água e alimentos de dois mil milhões de pessoas em todo o mundo, alerta a agência das Nações Unidas. Segundo o relatório, dois terços da agricultura de regadio a nível global poderão ser afetados pela redução do volume de gelo e pela diminuição da queda de neve nas regiões montanhosas – consequências diretas da crise climática.

O recuo dos glaciares compromete o abastecimento de água e alimentos de dois mil milhões de pessoas em todo o mundo, alerta a agência das Nações Unidas.

Mais de mil milhões de pessoas vivem em zonas de montanha e, nos países em desenvolvimento, cerca de metade já enfrenta insegurança alimentar. A situação poderá agravar-se, uma vez que a produção agrícola nestas regiões depende da água proveniente do degelo e dos glaciares.

Os países desenvolvidos também enfrentam riscos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a bacia do rio Colorado – que abastece cerca de 40 milhões de pessoas e depende da neve das Montanhas Rochosas – está em seca desde 2000, situação que poderá agravar-se com o aumento das temperaturas e a redução do manto de neve.

“Independentemente do local onde vivemos, todos nós dependemos, de alguma forma, das montanhas e dos glaciares – as torres de água do nosso planeta”, escreve Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO, no relatório.

“É essencial que a comunidade internacional se una e se mobilize para proteger os glaciares e a criosfera. Para aumentar a consciencialização e promover a ação, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2025 como o Ano Internacional da Preservação dos Glaciares”, adianta.

Segundo o relatório da UNESCO, dois terços da agricultura de regadio a nível global poderão ser afetados pela redução do volume de gelo e pela diminuição da queda de neve nas regiões montanhosas.

A taxa de perda de glaciares é a mais elevada desde que há registo, reforça outro estudo divulgado dias antes. Segundo o relatório anual sobre o estado do clima da Organização Meteorológica Mundial (OMM), a Noruega, a Suécia, o arquipélago de Svalbard e os Andes tropicais estão entre as zonas mais afetadas, tendo registado a maior perda de massa glaciar dos últimos três anos.

Desde 1998, a África Oriental perdeu cerca de 80% dos seus glaciares, enquanto nos Andes desapareceram entre um terço e metade. Na Europa, os glaciares dos Alpes e dos Pirenéus foram os mais atingidos, com uma redução de cerca de 40% durante o mesmo período.

“O degelo e os glaciares ameaçam a segurança da água a longo prazo para muitos milhões de pessoas. Este ano internacional deve ser um sinal de alerta para o mundo”, diz a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, em nota de imprensa.

O declínio dos glaciares tem consequências adicionais. A perda de gelo expõe solos escuros que absorvem mais calor, diminuindo a capacidade de refletir a radiação solar. “O derretimento dos glaciares tem um impacto na refletividade da radiação [solar] e isso terá impacto em todo o sistema climático”, explica Abou Amani, diretor das ciências da água na UNESCO, citado pelo The Guardian.

O degelo também contribui para o aumento de avalanches, uma vez que a chuva sobre a neve é um dos fatores que as desencadeia. A acumulação de água em glaciares em processo de degelo pode provocar inundações súbitas em vales e ameaçar populações que vivem nas encostas. Além disso, o derretimento do permafrost liberta dióxido de carbono e metano, ambos gases com efeito de estufa que agravam o aquecimento global.

O degelo acelerado dos glaciares afeta também a vida selvagem, pois à medida que o gelo e o permafrost desaparecem, os animais adaptados ao frio, como ursos-polares, morsas, raposas-do-ártico ou renas, perdem habitat.

Outro estudo, publicado em fevereiro na revista Nature, já tinha alertado para o ritmo recorde do degelo dos glaciares. Descrita como a análise científica mais exaustiva até à data sobre este tema, a investigação estima que, desde 2000, o mundo perdeu, em média, 273 mil milhões de toneladas de gelo por ano.

“Para se ter uma noção, a perda anual de 273 mil milhões de toneladas de gelo equivale, aproximadamente, ao consumo de água de toda a população mundial durante 30 anos”, explicou Michael Zemp, diretor do Serviço Mundial de Monitorização dos Glaciares e principal autor do estudo, num evento da ONU que assinalou o Dia Mundial dos Glaciares.

Na Europa Central, quase 40% do gelo ainda existente já derreteu. Se o ritmo atual se mantiver, “os glaciares não sobreviverão a este século nos Alpes”.

A perda anual de 273 mil milhões de toneladas de gelo equivale, aproximadamente, ao consumo de água de toda a população mundial durante 30 anos
Michael Zemp, diretor do Serviço Mundial de Monitorização dos Glaciares

Na mesma ocasião, Sulagna Mishra, técnica científica da OMM, acrescentou que, se as emissões de gases com efeito de estufa não abrandarem “e as temperaturas continuarem a subir ao ritmo atual, no final de 2100 vamos perder 80% dos pequenos glaciares” na Europa, África Oriental, Indonésia e noutras regiões do mundo.

O degelo acelerado dos glaciares afeta também a vida selvagem. À medida que o gelo e o permafrost desaparecem, animais adaptados ao frio, como ursos-polares, morsas, raposas-do-ártico ou renas, perdem habitat e enfrentam maiores dificuldades para encontrar alimento e reproduzir-se.

Este desequilíbrio ameaça cadeias alimentares inteiras e empurra muitos destes animais para mais perto das populações humanas, em busca de refúgio e fontes alternativas de sustento, aumentando o risco de conflitos, alerta a WWF.