Sempre se acreditou que o oxigénio oriundo do mar era produzido pela fotossíntese das plantas marinhas – algo que requer luz solar. Além disso, dominava a ideia de que o fundo do oceano era “oxigenado” pelo sistema global de correntes oceânicas, que transporta águas ricas em oxigénio da superfície para as profundezas.
Um estudo, publicado em julho na revista Nature Geoscience, contraria no entanto essas premissas. A investigação descobriu que nódulos polimetálicos também produzem o elemento químico essencial à vida na terra, a cerca de 5 quilómetros de profundidade, onde o sol não chega. Ao que conclui o trabalho, estas formações rochosas ricas em metais raros dividem a água do mar em hidrogénio e oxigénio.
“Vi isto pela primeira vez em 2013 – uma enorme quantidade de oxigénio a ser produzida no fundo do mar na escuridão total”, explica o investigador principal, Andrew Sweetman, da Scottish Association for Marine Science, à BBC.
“Ignorei-o, porque me tinham ensinado que só se obtém oxigénio através da fotossíntese. Por fim, apercebi-me que durante anos tinha estado a ignorar esta descoberta potencialmente enorme”, acrescenta.
Uma investigação publicada na revista Nature Geoscience descobriu que os nódulos polimetálicos também produzem o elemento químico essencial à vida na terra, a cerca de 5 quilómetros de profundidade, onde o sol não chega.
O cientista e os seus colegas conduziram a investigação numa área do oceano profundo situada entre o Havai e o México, uma vasta região do fundo marinho coberta por nódulos polimetálicos. Estas formações desenvolvem-se ao longo de milhões de anos, à medida que metais dissolvidos na água se acumulam em fragmentos de conchas ou outros detritos.
O elemento é descrito pela equipa de investigadores como “oxigénio negro”, por ser produzido na ausência de luz. Andrew Sweetman acredita que pode ser importante para a sobrevivência de organismos que respiram oxigénio e vivem na escuridão total, em grandes profundidades.
Ao Green eFact, a ANP|WWF diz encarar “esta descoberta com grande entusiasmo” e como uma evidência adicional da “importância crítica dos ecossistemas de mar profundo”.
“A produção de oxigénio a partir de processos biológicos no mar profundo demonstra que estas áreas não são apenas repositórios de biodiversidade única, mas também desempenham um papel vital na manutenção da saúde do nosso planeta”, descreve Bianca Chaim Mattos, coordenadora de Políticas da ANP|WWF.
Mas estes nódulos também são valorizados por outro motivo. Empresas de mineração têm desenvolvido tecnologia para os recolher e trazer à superfície, já que contém metais como lítio, cobalto e cobre – todos eles necessários para fabricar baterias.
A preservação da biodiversidade, contudo, não anda de mãos dadas com a mineração em mar profundo, defendem cientistas e ativistas ambientais. A descoberta de Andrew Sweetman reforça este alerta, já antigo, sob o argumento de que a extração de metais pode perturbar a produção de “oxigénio negro” e a vida marinha que dele depende.
“Este achado científico reforça a necessidade urgente de implementar uma moratória à mineração em mar profundo”, considera Bianca Chaim Mattos.
“Qualquer perturbação destes ecossistemas pode ter consequências graves e imprevisíveis, não só para a vida marinha, mas para a própria estabilidade climática da terra – e, logo, para toda a humanidade”, reforça.
A exploração mineira no fundo do mar está num ponto crítico, com debates intensos sobre a sua viabilidade e impactos. Mais de 30 países reivindicam uma moratória da atividade, temendo danos irreversíveis nos ecossistemas marinhos. Ao mesmo tempo, empresas apoiadas por países como Nauru fazem pressão para iniciar a exploração mineira o mais rapidamente possível.
A extração de metais pode perturbar a produção de “oxigénio negro” e a vida marinha que dele depende.
Em Portugal, o Parlamento chegou a aprovar, na generalidade, uma moratória para a exploração mineira em mar profundo, mas a queda do Governo, em novembro passado, interrompeu o processo legislativo e o diploma caducou. O PAN já avançou, entretanto, com uma nova iniciativa, mas aguarda data para a ver discutida pelos deputados.
“Nós da sociedade civil ficaremos atentos e faremos pressão para que a moratória seja aprovada o mais rápido possível”, assegura a coordenadora de Políticas da ANP|WWF.
“Importa sempre lembrar que Portugal possui a terceira maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) da União Europeia e a vigésima do mundo, pelo que é mesmo urgente que o Governo da República e os Governos regionais se articulem e estabeleçam medidas fortes.”
Enquanto isso, a descoberta do “oxigénio negro” no fundo do mar também dá pistas sobre a origem da vida terrestre e mesmo extraterrestre. Os investigadores acreditam que o mesmo processo – a produção de oxigénio sem luz – pode estar a acontecer noutras luas e planetas, criando ambientes compatíveis com a vida.
“Esta descoberta mostrou que talvez houvesse outra fonte de oxigénio há muito tempo e que a vida que respira oxigénio poderia ter persistido antes do aparecimento da fotossíntese – e se isso está a acontecer no nosso planeta, poderá também estar a acontecer noutros planetas”, diz Sweetman.
Apesar do amplo destaque dado ao estudo de Andrew Sweetman, a ciência funciona com base nos princípios da verificação e, portanto, estas descobertas ainda terão de ser confirmadas por outras investigações independentes – o que ainda não aconteceu.