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Teresa Lencastre

O consumo de drogas afeta o ambiente?

9 Feb 2025 - 10:00
As drogas ilícitas não afetam só a saúde pública e a segurança, toda a cadeia produtiva destas substâncias, desde o cultivo até ao consumo, tem impactos ambientais, tais como desflorestação, poluição química, pressão sobre os recursos naturais e degradação dos ecossistemas.
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Devido à natureza clandestina das drogas, os seus efeitos no ambiente são difíceis de detetar e medir. Apesar disso, várias fontes apontam para consequências negativas. Os problemas surgem logo na etapa inicial, com o cultivo das plantas usadas para produzir drogas.

O cultivo de coca, por exemplo, está ligado à desflorestação de vastas áreas de floresta tropical. De acordo com o Relatório Mundial Sobre a Droga de 2015 das Organização das Nações Unidas (ONU), só na Colômbia perto de 290 mil hectares de floresta foram perdidos como resultado direto do cultivo de coca entre 2001 e 2013.

O documento também alerta para a técnica de corte e queima usada na preparação de novas áreas para o cultivo de coca. Essa prática destrói a matéria vegetal que, de outra forma, protegeria o solo: “Além da perda de floresta, isso também resulta num aumento da erosão. Outros danos ambientais têm sido causados pelos herbicidas e fertilizantes utilizados no cultivo de arbustos de coca.”

O cultivo de coca está ligado à desflorestação de vastas áreas de floresta tropical.

Outro estudo, este publicado em 2017 na revista Environmental Research Letters, descobriu que o tráfico de cocaína é responsável por até 30% da desflorestação anual na Nicarágua, Honduras e Guatemala. Este fenómeno tem transformado florestas ricas em biodiversidade em terras agrícolas.

Além da desflorestação causada diretamente pelo cultivo, o narcotráfico também contribui para outro fenómeno: a “narco-desflorestação”. Este termo refere-se à destruição de florestas causada pela lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de droga.

De acordo com um relatório da ONU sobre os impactos da droga na Amazónia, os lucros ilícitos são frequentemente reinvestidos em atividades como especulação fundiária, pecuária, agricultura e construção de infraestruturas. Este fenómeno tem acelerado a destruição da floresta amazónica, agravando a perda de biodiversidade e a pressão sobre os recursos naturais da região.

O processo de transformação da folha de coca em cocaína envolve o uso de substâncias tóxicas, como ácido sulfúrico, acetona e gasolina.

A produção de cocaína também gera poluição química, alerta a mesma fonte. O processo de transformação da folha de coca em cocaína envolve o uso de substâncias tóxicas, como ácido sulfúrico, acetona e gasolina. Estes produtos são frequentemente descartados de forma inadequada, contaminando rios e solos.

“São necessários mais de 300 litros de gasolina para produzir um quilograma de cocaína, resultando em impactos persistentes que incluem a poluição da água e a degradação dos solos, com consequências para a saúde animal e humana”, lê-se no documento.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a produção de cannabis representa cerca de 1% do consumo energético total.

A cannabis, embora muitas vezes vista como uma droga menos prejudicial, também tem um impacto ambiental elevado. De acordo com uma revisão publicada no Journal of Cannabis Research, que compila estudos sobre esta matéria, o cultivo desta planta pode consumir grandes quantidades de energia elétrica, especialmente em estufas, devido à necessidade de iluminação artificial, climatização e ventilação. “O consumo de energia conduz a emissões de gases com efeito de estufa”, escrevem os autores.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a produção de cannabis representa cerca de 1% do consumo energético total, valor que inclui as plantações legais desta planta. Além disso, o uso intensivo de água em regiões áridas agrava a escassez hídrica, enquanto fertilizantes e pesticidas contaminam solos e cursos de água.

Produzir um quilograma de MDMA puro, principal substância do ecstasy, gera até 10 quilogramas de resíduos químicos.

As drogas sintéticas, como o MDMA e as anfetaminas, também preocupam, devido ao impacto ambiental da sua produção e descarte inadequado.

Produzir um quilograma de MDMA puro, principal substância do ecstasy, gera até 10 quilogramas de resíduos químicos, enquanto a produção de anfetaminas pode resultar em até 30 quilogramas de lixo tóxico, lê-se num estudo publicado no Journal of Illicit Economies and Development.

“Estima-se que a produção de anfetaminas e metanfetaminas consumidas na UE em 2017 possa ter gerado entre 1240 e 1860 toneladas de resíduos, ao passo que, no que respeita ao MDMA, a quantidade de resíduos produzidos poderá ter sido de 53 a 88 toneladas”, adianta a análise.

Uma reportagem da estação pública holandesa NOS ilustrou a corrosividade destes resíduos perigosos, que podem incluir substâncias como o hidróxido de sódio. Na reportagem, um cientista mergulhou uma perna de frango numa solução com essa substância e, ao fim de dois dias, toda a carne se dissolveu, restando apenas o osso.

A expansão do cultivo de papoila, para produção de opiáceos, em antigas áreas desérticas do sudoeste do Afganistão tem causado uma grave redução dos níveis de águas subterrâneas.

Os opiáceos, como o ópio e a heroína, são outra fonte de preocupação ambiental. O cultivo de papoila, planta de onde se extrai o ópio, é frequentemente realizado em áreas montanhosas e remotas, onde práticas agrícolas sustentáveis são difíceis de implementar.

De acordo com um relatório de David Mansfield, especialista em economias ilícitas no Afeganistão, a expansão do cultivo de papoila em antigas áreas desérticas do sudoeste do país tem causado uma grave redução dos níveis de água subterrânea, com o lençol freático a cair até 3 metros por ano em algumas regiões.

Além disso, o uso intensivo de fertilizantes químicos tem contaminado aquíferos com nitratos, agravando os riscos para o ambiente e para a saúde das comunidades locais.

Além dos impactos diretos e indiretos do cultivo e produção de drogas, o consumo em si também tem consequências ambientais. O lixo gerado pelo consumo de drogas, como seringas descartáveis e embalagens, contribui para a poluição urbana.