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Teresa Lencastre

O Ártico contribui para as emissões de carbono?

15 Feb 2025 - 10:00
O Ártico, aliado histórico no arrefecimento do planeta, está a transformar-se numa fonte de emissões. O rápido aquecimento global e a intensificação dos incêndios florestais estão a transformar ecossistemas como a tundra, as florestas boreais e as zonas húmidas, provocando a libertação de carbono. De acordo com um estudo recente, mais de um terço do Ártico boreal já emite mais carbono do que é capaz de reter.
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O Ártico, aliado histórico no arrefecimento do planeta, está a transformar-se numa fonte de emissões. O rápido aquecimento global e a intensificação dos incêndios florestais estão a transformar ecossistemas como a tundra, as florestas boreais e as zonas húmidas, provocando a libertação de carbono. De acordo com um estudo recente, mais de um terço do Ártico boreal já emite mais carbono do que é capaz de reter.

No imaginário de muitos, o Ártico é uma região distante e isolada. A sua influência no resto do planeta, contudo, é muito maior do se possa pensar. Durante milénios, esta região do Hemisfério Norte desempenhou um papel-chave na regulação do clima, funcionando como um “congelador” natural.

O elemento central deste sistema é o permafrost – ou pergelissolo, em português – uma camada de solo permanentemente gelada que armazena enormes quantidades de carbono, estimadas globalmente em 1.500 gigatoneladas, mais do que o dobro do carbono presente na atmosfera.

A maior parte deste permafrost encontra-se no Ártico, cobrindo vastas áreas do Alasca, Escandinávia, Rússia, Islândia e Canadá, além de se estender sob o Oceano Ártico, tundras e florestas boreais.

Erosão da tundra, ecossistema típico de ambientes frios, no Mar de Beaufort, revela o permafrost, camada de solo permanentemente congelada. (Foto: Craig McCaa/Bureau of Land Management)

Um equilíbrio que está no entanto em risco, devido às alterações climáticas. O Ártico está a aquecer pelo menos três vezes mais depressa do que o resto do planeta. Com o aumento das temperaturas, o permafrost também começa a descongelar, expondo matéria orgânica anteriormente congelada.

Este material é decomposto por microrganismos, libertando dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), ambos gases com efeito de estufa que amplificam o aquecimento global. Este ciclo, conhecido como “permafrost carbon feedback” (PCF), acelera o degelo e a libertação de carbono, agravando ainda mais a crise climática.

Um novo estudo, publicado na revista Nature Climate Change, quantifica a dimensão do fenómeno. Com base em dados recolhidos entre 1990 e 2020, os investigadores concluíram que o aquecimento global está a transformar os ecossistemas terrestres do Ártico – como florestas boreais, zonas húmidas e tundras – em fontes líquidas de emissões de carbono.

“Embora a Zona Boreal Ártica fosse em geral um sumidouro terrestre de CO2, entre 2001 e 2020, mais de 30% da região era uma fonte líquida de CO2”, escrevem os autores. Por outras palavras, estas áreas ainda conseguem absorver carbono, mas libertam mais CO2 do que conseguem armazenar, contribuindo para o agravamento do efeito de estufa.

Transformações no Ártico incluem o aumento do degelo do permafrost e mudanças nos ecossistemas, como o declínio das manadas de caribus. (Foto: Lisa Hupp/USFWS)

O impacto dos incêndios florestais, cada vez mais frequentes perto do Ártico, agrava o problema. Quando as emissões dos fogos são incluídas nos cálculos, a percentagem de área que atua como fonte de carbono sobe para 40%.

Com o recuo da cobertura de gelo, o Ártico está a tornar-se mais verde, aponta a investigação. Embora isso possa parecer uma boa notícia, o fenómeno comporta riscos. O aumento da vegetação pode gerar mais emissões, através de incêndios ou da decomposição de matéria orgânica. Os investigadores mostram que, embora a vegetação na zona boreal tenha aumentado 49%, apenas 12% dessas áreas conseguiram absorver mais CO2.

A preocupação com estas transformações também consta do Boletim do Ártico de 2024, publicado no mês passado pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA). O relatório reitera que o aquecimento contínuo e o aumento dos incêndios florestais estão a transformar a tundra ártica numa fonte de emissões.

Aumento da vegetação no Ártico pode intensificar as emissões de carbono, devido à decomposição orgânica e aos incêndios florestais. (Foto: Jakub Fryš/CC BY SA 4.0)

“As nossas observações mostram agora que a tundra do Ártico está atualmente a sofrer um aquecimento e um aumento dos incêndios florestais, emitindo mais carbono do que armazena, o que irá agravar os impactos das alterações climáticas”, diz Rick Spinrad, administrador da NOAA.

“Este é mais um sinal, previsto pelos cientistas, das consequências de uma redução inadequada da poluição causada pelos combustíveis fósseis”, acrescenta o cientista.

A investigação, que contou com a colaboração de 97 cientistas de 11 países, também documenta recordes históricos que refletem as alterações em curso na região polar norte, incluindo temperaturas persistentemente elevadas do ar, maior frequência de incêndios florestais, o declínio acentuado das grandes manadas de caribus do interior e o aumento da precipitação.

Erosão costeira no Ártico revela o permafrost rico em gelo escondido sob a camada superficial do solo (Foto: U.S. Geological Survey/Flickr).

Outro estudo, publicado este mês na revista Communications Earth and Environment, centra-se nos impactos do degelo do permafrost, concluindo que não só representa uma ameaça global devido à libertação de gases com efeito de estufa, como terá outras consequências de grande alcance, incluindo falhas nas infraestruturas, perturbações nos transportes e no abastecimento, a deterioração da qualidade da água, ameaças à segurança alimentar e a exposição a doenças e poluentes.

Estas descobertas surgem num contexto de crescente preocupação científica com os processos naturais que regulam o clima da Terra, cada vez mais ameaçados pelo aumento das temperaturas globais.

No seu conjunto, os oceanos, as florestas, os solos e outros reservatórios naturais de carbono do planeta absorvem cerca de metade de todas as emissões humanas, mas há sinais crescentes de que estão sob pressão.