voltar

Miguel Judas

As alterações climáticas são positivas para a humanidade?

10 May 2025 - 09:00
Já se passaram mais de 20 anos desde que o Vladimir Putin defendeu a tese dos benefícios das alterações climáticas e, apesar do próprio presidente russo já ter mudado de opinião, a ideia parece ter feito escola e, ciclicamente, volta à ordem do dia.

manipulado

Em 2003, quando a Rússia debatia a sua adesão ao Protocolo de Quioto, o primeiro tratado jurídico internacional alguma vez firmado para “limitar as emissões quantificadas de gases com efeito de estufa”, o já então presidente Vladimir Putin afirmou ainda não ter a certeza sobre as desvantagens do aquecimento global, que até poderia ser vantajoso em território mais expostos ao frio.

Em tom jocoso, Vladimir Putin disse que se “as temperaturas subissem dois ou três graus, os russos passariam a gastar menos em casacos quentes” e manifestou a sua esperança “numa melhoria das colheitas nas regiões mais frias da Sibéria”. O presidente da Federação Russa ressalvou no entanto que se devem também “ter em conta as consequências dessas mudanças em certas regiões, mais propensas a secas e inundações”.

Apesar de Vladimir Putin ter mudado de opinião, como se comprova com o compromisso assumido em 2019 pela Federação Russa, de atingir a neutralidade nas emissões de dióxido de carbono até 2060, as declarações céticas feitas pelo eterno presidente russo há mais de duas décadas continuam ainda hoje a ser citadas nas redes sociais quando se quer colocar em causa os efeitos do aquecimento global.

 

As declarações feitas pelo presidente russo há mais de duas décadas continuam ainda hoje a ser citadas nas redes sociais quando se quer colocar em causa os efeitos do aquecimento global.

Entre os impactos potencialmente positivos destacam-se, além do alargamento e melhoria da agricultura em regiões hoje geladas, a redução de custos de aquecimento em climas muito frios ou a abertura de novas e mais diretas rotas marítimas no Ártico, decorrentes do degelo dos polos, que poderiam significar menos emissões e maior rapidez, mas teriam em contrapartida sérias implicações geopolíticas e, claro, ambientais.

Um dos principais gurus desta corrente de pensamento é o cientista político dinamarquês Bjorn Lomborg, habitual colunista de títulos como New York Times, Wall Street Journal, Washington Post, Economist ou Financial Times, em tempos considerado pela Time Magazine uma das cem personalidades mais influentes do mundo e autor do best-sellers The Skeptical Environmentalist e Cool It, que em 2020 editou também o livro Falso Alarme, no qual disserta sobre “a cultura do medo criada em torno das alterações climáticas”, o enorme custo económico das atuais políticas ambientais e de como estas “atingem os mais pobres e não servem para salvar o ambiente”.

Não pondo em causa a ciência que comprova as alterações climáticas, mas sim as políticas com que o mundo as enfrenta, as ideias defendidas por Bjorn Lomborg são também muitas vezes usadas como prova dos alegados benefícios de um eventual aumento da temperatura global.

Apesar de alguns efeitos locais parecerem positivos a curto prazo, a ciência já demonstrou que os impactos negativos são muito mais predominantes e permanentes a nível global.

A ciência, porém, demonstra que embora alguns efeitos locais possam parecer positivos a curto prazo, o balanço global é amplamente negativo, com os impactos a serem muito mais predominantes – e permanentes – a nível planetário.

Entre estes destacam-se fenómenos meteorológicos extremos (ondas de calor, secas, inundações e furacões mais intensos), perda de biodiversidade, aumento do nível do mar, crises alimentares, problemas de saúde pública, instabilidade económica e migrações climáticas, como assegura o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal autoridade científica global sobre alterações climáticas.

A própria Comissão Europeia sublinha que as alterações climáticas representam “uma ameaça grave para diversos aspetos da vida na Terra” ao nível, por exemplo, da “degradação dos solos, desertificação ou alterações nos padrões de precipitação”, com todas as consequências que daí advém em termos de impactos na saúde e bem-estar humanos.

Ou seja, os possíveis benefícios a nível local não compensam os riscos globais e sistémicos. O consenso científico a este nível é aliás quase total, rondando quase os 100 por cento, apesar das vozes contrárias conseguirem, por vezes, ser bastante ruidosas.