voltar

Teresa Lencastre

A reciclagem resolve todos os problemas do lixo?

8 Sep 2024 - 09:00
A reciclagem não resolve todos os problemas do lixo, alertam os especialistas. Ainda que seja frequentemente promovida como uma solução para a gestão de resíduos, não é capaz de mitigar os impactos decorrentes da produção e descarte de lixo. Reduzir o consumo e reutilizar os produtos é fundamental para aliviar a pressão sobre o ambiente.
falso

Uma das principais limitações da reciclagem é a sua incapacidade de reciclar certos materiais, sobretudo plásticos. Desde que a produção em massa de plásticos começou, de 1950 a 2015, menos de 10% de todo o plástico produzido no mundo foi reciclado, estimou um estudo publicado na revista Science Advances. A demais percentagem foi incinerada, acabou em aterros e na natureza, contribuindo para a poluição ambiental, não só em terra, mas também nos oceanos.

Além disso, a reciclagem de plásticos comporta obstáculos tecnológicos e económicos. O processo de reciclagem é muitas vezes mais caro do que a produção de novos materiais, especialmente em contextos onde os preços do petróleo estão baixos, tornando o plástico novo mais barato do que o reciclado​. Em 2023, uma análise da Royal Society of Chemistry conclui que a matéria-prima do plástico reciclado é 1,6 vezes mais cara do que a do plástico virgem.

A contaminação do lixo é outro problema. Quando os resíduos não recicláveis são misturados com materiais recicláveis, a reciclagem de todo o lote pode ficar comprometida. Um relatório do Greenpeace revelou que plásticos que contêm substâncias químicas tóxicas podem contaminar todo o processo de reciclagem, espalhando essas toxinas para outros materiais reciclados.

Segundo um estudo publicado na revista Science Advances, desde que a produção em massa de plásticos começou, de 1950 a 2015, menos de 10% de todo o plástico produzido no mundo foi reciclado.

Embora a reciclagem seja preferível ao descarte direto, pode contribuir para a poluição. De acordo com uma investigação publicada no Journal of Hazardous Materials Advances, as instalações de reciclagem podem libertar centenas de toneladas de microplásticos no ambiente todos os anos. O processo pode envolver o uso de produtos químicos e consumir grandes quantidades de água e energia, gerando impactos ambientais adicionais.

“A realidade demonstra bem as limitações da reciclagem”, reforça Susana Fonseca, vice-presidente e coordenadora da área Sociedades Sustentáveis da associação ZERO. “A reciclagem faz parte de uma economia circular, mas não é a solução. É apenas uma das soluções e nem sequer é primeira na hierarquia de gestão de resíduos”, adianta a especialista.

“Antes da reciclagem é fundamental trabalhar na redução e na reutilização e reparação, de forma a prolongar a vida dos produtos”. Susana Fonseca refere-se aos chamados “R’s” da sustentabilidade, um conceito popularizado na década de 70, inicialmente composto por três pilares relacionados com a gestão eficaz de resíduos: reduzir, reutilizar e reciclar.

Aos três “R’s” iniciais do conceito de sustentabilidade – reduzir, reutilizar e reciclar – acrescentam-se hoje mais alguns, como reparar, repensar ou recusar.

Hoje, outros “R’s” complementam o modelo – reparar, repensar ou recusar são alguns exemplos –, mas o foco mantém-se nos princípios mais importantes: reduzir o consumo, para evitar a produção de lixo desde a origem, e reutilizar materiais, prolongando a vida útil dos produtos e minimizando a necessidade de novos recursos.

“A melhor solução é sempre tentar evitar ao máximo a produção de resíduos”, reitera Susana Fonseca. “Do ponto de vista individual, o ideal é ser consciente em termos do que se compra e porque se compra. Refletir sobre a necessidade. Se for mesmo real, perceber se consegue pedir emprestado, se pode alugar ou comprar em segunda mão”, descreve.

“Quando compramos algo, procurar que seja durável, reparável para que possamos reutilizar e prolongar o tempo de vida. E se já não precisarmos, procurar trocar com alguém ou vender em segunda mão”, aconselha a especialista.

A ênfase exclusiva na reciclagem pode, paradoxalmente, perpetuar a produção de resíduos, alerta ONG americana Center for Climate Integrity.

A ênfase exclusiva na reciclagem pode, paradoxalmente, perpetuar a produção de resíduos. Em vez de reduzir a quantidade de lixo gerado, a ideia de que podemos sempre reciclar pode incentivar o consumo de materiais descartáveis, sem encarar a necessidade de reduzir os resíduos na sua origem. Essa é, aliás, uma das denúncias do relatório “The Fraud of Plastic Recycling” do Center for Climate Integrity, uma ONG americana dedicada ao jornalismo de investigação, que tem como missão “responsabilizar as empresas de petróleo e gás por décadas de mentiras sobre as alterações climáticas”.

Publicada em fevereiro deste ano, a investigação revela que grandes petrolíferas e a indústria de plásticos têm promovido a reciclagem como solução para os resíduos plásticos, mesmo sabendo há muito tempo que esse processo não é viável em termos técnicos ou económicos em grande escala.

Susana Fonseca acrescenta que é “fundamental” que as políticas públicas sejam desenhadas para “simplificar” todo o processo de gestão de resíduos. A especialista defende a “implementação e o reforço da legislação europeia” para aumentar a durabilidade e reparabilidade dos produtos, incentivar a reutilização e penalizar a descartabilidade.

“É importante aproximar as soluções das necessidades dos cidadãos e dar os sinais certos, inclusive através de incentivos e penalizações”, remata.