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Joana Ramiro

A crise ambiental está a afetar a fertilidade humana?

26 Jan 2025 - 10:00
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, a infertilidade afeta uma em seis pessoas à escala mundial. Em Portugal, os números apontam para mais de 290 mil casais inférteis e segundo diversos estudos poderá mesmo haver uma relação de causa e efeito com a degradação do meio ambiente.
verdadeiro

Um relatório publicado por um consórcio de cientistas, por ocasião da COP29, alertou recentemente para como as alterações climáticas estão a afetar significativamente a saúde materna e reprodutiva. E ao longo dos anos, vários estudos têm vindo a demonstrar que a fertilidade – em particular a fertilidade masculina – tem sido vítima da crescente poluição atmosférica. Dados dos últimos 50 anos apontam para uma queda em 50% na contagem de espermatozóides em homens dos países mais desenvolvidos.

Também em Portugal, “temos que combater (a infertilidade) em termos do ambiente,” disse em entrevista à RTP, o obstetra e presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, Luís Ferreira Vicente. “Existem disruptores endócrinos, que são substâncias que são tóxicas para a reprodução humana.”

Mas que “disruptores” são estes e de que forma estão a afetar a nossa capacidade reprodutora?

Dados dos últimos 50 anos apontam para uma queda em 50% na contagem de espermatozóides nos homens dos países mais desenvolvidos.

Desreguladores Endócrinos

Talvez o mais polémico dos disruptores sejam as matérias que intervêm na produção ou sistema hormonal humano, também conhecidas como desreguladores endócrinos. Fazem parte deste grupo o composto orgânico sintético Bisfenol A (BPA), utilizado em altas quantidades na produção de embalagens, brinquedos e tintas, por todo o mundo, incluindo a União Europeia.

Nas mulheres, o BPA funciona como um xenoestrógeno, uma substância química exógena que imita o estrogénio. Quando consumida, pode resultar em doenças ligadas à infertilidade, como a endometriose e a síndrome dos ovários policísticos.

Dados da Agência Europeia do Ambiente mostram que Portugal é um dos três países europeus em que os níveis de BPA presentes na urina estavam acima do recomendado em todos os indivíduos estudados.

Vários produtos herbicidas, como a atrazina e a TCDD, são hoje conhecidos por serem disruptores endócrinos e proibidos na União Europeia, mas ainda utilizados em vários outros países, incluindo os Estados Unidos.

Os efeitos da TCDD na fertilidade feminina têm sido particularmente estudados em Itália, onde um acidente industrial em 1976 expôs pelo menos os 17000 residentes da cidade de Seveso à dioxina. Cientistas da Universidade Berkeley em colaboração com a Universidade de Milão-Bicocca seguiram 981 das mulheres expostas ao TCDD e descobriram que 18% teve dificuldades em conceber.

Entre 2014 e 2020 a mesma equipa de cientistas estudou os efeitos na fertilidade das filhas das mulheres expostas ao TCDD e descobriu que até 11% também sofreu complicações no processo de conceção.

Um estudo realizado na China revelou terem sido encontrados microplásticos na urina e no sémen de todos os homens examinados..

Plástico

Os plásticos e substâncias plastificantes são também considerados desreguladores endócrinos. Mas hoje em dia é a presença inescapável de microplásticos que preocupa os especialistas.

Em outubro do ano passado, um artigo na conceituada revista médica The Lancet revelou que cientistas chineses tinham encontrado microplásticos na urina e no sémen de todos os homens que examinaram.

No estudo, dos 113 homens entre os 24 e os 58 anos, vindos de três regiões da China, não houve um em que não fossem detetadas quantidades preocupantes de microplásticos.

Os tipos de plástico mais prevalentes foram, o poliestireno (esferovite), polipropileno (PP – utilizado na maior parte dos recipientes de plástico e “tupperwares”) e polietileno (PE), mas nos participantes expostos a politetrafluoroetileno (PTFE) foi também detectada uma significativa perda de qualidade no sémen. O PTFE – também conhecido como Teflon – é comumente utilizado na produção de utensílios de cozinha “não aderentes”. 

Também em 2024, cientistas da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, publicaram os resultados de pesquisas feitas em placentas humanas durante três anos, tendo sido encontrado plástico em todas elas.

“Foi fácil encontrar os plásticos,” disse o médico e professor Matthew Campen à estação de televisão KRQE. “Essa foi provavelmente a parte que mais nos alarmou”, sublinhou o clínico.

Um estudo dinamarquês provou que o risco de infertilidade sobe nos homens expostos por cinco ou mais anos a ambientes de alta poluição.

Poluição

Segundo um estudo dinamarquês publicado em 2024 na revista BMJ, o risco de infertilidade sobe nos homens expostos por cinco ou mais anos a ambientes de alta poluição, como áreas de muito tráfego automóvel.

Homens que inalem, em média anual, 2.9µg por metro cúbico de microparticulas derivadas da poluição rodoviária ou de queima de combustíveis fósseis – conhecidas por PM2.5 – podem ver a sua fertilidade afetada até 24%. Lamentavelmente, em Portugal a média anual de níveis de PM2.5 é de 8.3µg por metro cúbico.

O mesmo estudo sugere que para as mulheres com mais de 35 anos o fator de risco é a poluição sonora, principalmente quando derivada do trânsito.

Mas um outro trabalho de 2023, feito por alguns dos mesmo cientistas, aponta para a inalação das mesmas microparticulas como responsável por “pequenas reduções na fecundabilidade”.

Também as alterações climáticas estão a causar efeito na fertilidade e saúde materna.

Alterações Climáticas

As alterações climáticas – em particular as grandes ondas de calor – estão igualmente a causar efeito na fertilidade e saúde materna. Um estudo realizado na Índia concluiu que o risco de aborto espontâneo era o dobro em mulheres grávidas expostas ao stress térmico.

Na Califórnia, investigadores encontraram ligações expressivas entre a exposição prolongada ao calor e o aumento de complicações no parto, incluindo parto prematuro e nados mortos.

Também as cheias e outros desastres naturais cada vez mais comuns e cada vez mais potentes graças às alterações climáticas têm efeitos devastadores na saúde materna, no parto e no puerpério.

“É evidente que existe uma ligação entre o aumento da ocorrência de resultados adversos da gravidez materna e infantil e os furacões e inundações de tempestades tropicais que acompanham as alterações climáticas nas latitudes temperadas e tropicais,” foram as conclusões das médicas Melissa Suter e Kjersti Aagaard do Baylor College of Medicine, EUA, num ensaio publicado há dois anos.

Outro estudo demonstrou como a exponencial exposição à radiação vinda dos nossos artigos electrónicos está a afetar a fertilidade masculina.

Radiação

A exponencial exposição à radiação vinda dos nossos artigos electrónicos está a afetar a fertilidade masculina, segundo um artigo publicado na revista Reproductive Biology and Endocrinology em 2018.

O electro-smog, como os autores do estudo chamam à poluição por radiação eletrónica, é criado pelos nossos telemóveis e computadores portáteis, o nosso indispensável wi-fi e até mesmo o nosso microondas.

Na conclusão lê-se que a exposição a todos estes utensílios domésticos “produz efeitos deletérios nos testículos, que podem afetar a contagem de espermatozoides, a morfologia e a motilidade” (quantidade de espermatozoides ativos por mililitro de esperma).

E os cientistas acrescentam: “A poluição por electro-smog está constantemente a aumentar e pode-se esperar ainda mais problemas de saúde, incluindo o aumento das taxas de infertilidade masculina devido a esse tipo de radiação.”