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Miguel Judas

Saskia Bloch: “Não há problema se o mercado de segunda mão aumentar e os produtos da Fjällräven continuarem a ser desejados”

12 Sep 2024 - 09:41
Numa indústria ainda tão opaca como a do vestuário, a Fjällräven tornou pela primeira vez público o seu relatório anual de Sustentabilidade e Responsabilidade Social Empresarial. O objetivo, conforme explica em entrevista ao Green eFact a diretora global de sustentabilidade, Saskia Bloch, é “partilhar algumas das melhores práticas” desta marca sueca de material de outdoor, conhecida pela durabilidade das peças, mas também para “reconhecer tudo aquilo que ainda pode ser melhorado”, nomeadamente “a necessidade de diminuir a intensidade de CO2 na produção dos produtos”.

Qual o objetivo de divulgar este relatório de sustentabilidade?

A empresa-mãe da Fjällräven, a Fenix ​​Outdoor, é uma empresa cotada em bolsa na Suécia e, como tal, somos obrigados a publicar um relatório de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) anual. Desde 2013 que o fazemos, mas sempre só ao nível dos acionistas, pelo que decidimos ter chegado a altura de começar a divulgar também com o público o conteúdo relacionado com nossa maior marca, a Fjällräven. No fundo, queremos partilhar tudo o que já alcançámos nesta jornada rumo à sustentabilidade e o que pretendemos fazer no futuro para melhorar ainda mais.

 

Como foi elaborado o relatório e por quem?

O relatório baseia-se nos dados do relatório principal de RSE da Fenix ​​Outdoor, a partir do qual foram analisadas todas as ações específicas da Fjällräven. Com base nesse trabalho, a equipa de comunicação e marketing da empresa criou este documento, para que os resultados de RSE da marca pudessem partilhados na linguagem única da Fjällräven. Portanto, tudo foi feito internamente.

 

Não têm receio de ser acusados de greenwash?

Podemos sempre ser acusados de tudo! Mas também acreditamos que não podemos ficar em silêncio. Acima de tudo, acreditamos na transparência e, como tal, estamos abertos para todo o tipo de feedback e diálogos construtivos.

Para a diretora global de sustentabilidade da Fjällräven, o derradeiro objetivo desta marca sueca de material de outodoor “é conceber produtos duráveis e com uma longa vida útil”, para que possam “ser passados de geração em geração”.ar

Neste relatório há uma série de indicadores positivos, como o recurso a materiais considerados mais ecológicos, sustentáveis ​​e éticos para a produção de vestuário, como é o caso da lã, em que há uma preocupação com a forma como as ovelhas são tosquiadas. De que forma é feita essa rastreabilidade dos materiais?

Fizemos uma primeira parceria em 2018, no sentido de começar a garantir a plena rastreabilidade nos nossos produtos, mas percebemos logo na altura que ainda era um pouco cedo para o conseguirmos na totalidade. A parte mais complicada é obter mais informações sobre a cadeia de abastecimento mais além do fornecedor de nível 2, ou seja o material, pois a partir desse momento já não temos mais contactos diretos. No entanto, não desistimos! Estamos agora a testar um novo método. Além disso, a Fjällräven tem relações muito boas e diretas com vários fornecedores de lã e de penas. E também exigimos todos os certificados possíveis que nos indiquem a origem dos materiais, para garantir o cumprimento das nossas normas de sustentabilidade.

 

Ainda segundo o relatório, são reconhecidos dois objetivos que ainda não foram alcançados, nomeadamente “a necessidade de diminuir a intensidade de CO2 da produção de produtos” e o de “aumentar a utilização de poliéster reciclado”. O que está a ser feito nesse sentido?

Temos de reconhecer que é difícil reduzir a intensidade de carbono dos nossos produtos. Bem mais difícil do que esperávamos, quando estabelecemos esse objetivo. A intensidade do produto é composta por três etapas: produção de tecido, incluindo o nível agrícola; consumo de energia, a partir da montagem do produto; e transporte dos produtos acabados.

 

Quais são as áreas responsáveis pela maior emissão de CO2?

A produção de produtos e o transporte de bens acabados.

“Não seguimos as tendências, nem somos uma empresa de fast fashion, pelo que tentamos utilizar os melhores materiais disponíveis no mercado e sempre de fornecedores responsáveis”.

Existe algum trabalho de pesquisa por novas soluções de materiais? Quais poderão ser a soluções mais sustentáveis para o futuro?

Sim, claro! Temos equipas dedicadas a pesquisar materiais sempre mais sustentáveis. Estabelecemos objetivos para aumentar a utilização de fibras excelentes a esse nível. Isto não se baseia apenas nos resultados científicos do Textil Exchange, mas também na experiência dos nossos próprios especialistas. Seguimos de perto a investigação da indústria e estamos abertos a testar diferentes materiais. Neste momento, estamos a testar resíduos de algodão reciclados e pós-consumidos, para encontrar novas formas de fechar o ciclo. Acreditamos que um modelo de negócio circular é fundamental para ser mais sustentável.

 

Em termos de sustentabilidade social, qual é a política da marca em relação à cadeia de abastecimento? Existem alguns critérios que todos os fornecedores têm de cumprir?

Desde 2013 que a Fenix ​​Outdoor é membro da Fair Labour Association, na qual foi acreditada em 2018. Este enquadramento, em conjunto com o nosso Código de Conduta do Fornecedor, constitui a nossa base de trabalho no que aos direitos humanos diz respeito. Além disso, realizamos avaliações e auditorias regulares através dos nossos próprios auditores ou de um parceiro de terceiros. Aceitamos outras avaliações verificadas e somos signatários do SLCP. O questionário de auditoria é adaptado de acordo com o Código de Conduta. Os critérios ‘No Go’ estão bem definidos e se um fornecedor não cumprir as nossas normas especificadas, abordamo-lo de imediato e tentamos encontrar soluções em conjunto. Se a correção não acontecer, não desencorajamos logo o fim da parceria – esse é sempre o último passo, como se pode comprovar nos mais recentes relatórios de RSE da Fenix ​​Outdoor.

 

Os clientes podem recorrer ao retalhista que vendeu o artigo para solicitar a reparação das peças ou enviá-las diretamente para a marca, que dispõem de equipas dedicadas em exclusivo a esse trabalho.

Sendo a indústria da moda e do vestuário/calçado uma das mais poluentes e insustentáveis, o que pode ser feito para inverter esta situação?

Acreditamos na abordagem da circularidade, bem como no crescimento e planeamento inteligente e sustentável, contrário ao conceito de “excesso de consumo” de grande parte da indústria. Daí a importância de encontrarmos soluções que ajudem a indústria a criar menos impacto no ambiente. O objetivo de Fjällräven é conceber e produzir produtos duráveis e ​​com uma longa vida útil. Oferecemos diferentes serviços aos nossos clientes para manter e reparar os bens adquiridos. Os nossos clientes geralmente sentem-se emocionalmente ligados aos produtos, até devido aos momentos passados na natureza, e queremos que esta sensação dure o maior tempo possível.

 

Mas não é a própria indústria, tal como está concebida, que incita os consumidores a comprarem cada vez mais e mais?

Esta é uma questão bastante filosófica, mas no fundo queremos é que os nossos clientes utilizem os produtos e os passem às novas gerações. Isto, no entanto, nem sempre é possível, porque os clientes é que decidem se precisam ou não de um novo produto. Embora ouçamos os nossos clientes com muita atenção e tentemos conceber os nossos produtos da melhor forma possível, fazendo sempre mudanças quando é necessário, o nosso objetivo é apenas equipar as pessoas para que possam desfrutar das suas aventuras ao ar livre sem se preocuparem em ficar molhadas ou sentirem-se desconfortáveis.

Segundo Saska Bloch, a ligação emocional dos clientes com os produtos é fundamental para manter a filosofia de sustentabilidade da marca.

Não é contra o próprio conceito de comércio incentivar os clientes a comprar menos, a reparar as peças e até mesmo a colocá-las no mercado de segunda mão?

Não, se adaptarmos o negócio a todas estas novas possibilidades. Todas as empresas têm de encontrar formas de permanecer no negócio a longo prazo, se a procura mudar. É isso que estamos a fazer. Mantemo-nos ágeis e adaptamo-nos a todas as mudanças que se enquadrem no nosso ADN. Não vemos qualquer problema se o mercado de segunda mão estiver a aumentar, achamos ótimo que os nossos produtos ainda estejam em uso e continuem a ser desejados. Então, aí sim, estamos a conseguir atingir os nossos valores comerciais de durabilidade e longevidade.

 

A marca tem algum sistema de reparação de peças? Como funciona?

Sim, os clientes podem recorrer ao retalhista que vendeu o artigo para solicitar a reparação ou enviá-lo diretamente para a Fjällräven, onde temos equipas dedicadas exclusivamente a isso, que irão corrigir tudo o que for necessário no produto em causa.

“Temos de reconhecer que é difícil reduzir a intensidade de carbono dos nossos produtos. Bem mais difícil do que esperávamos, quando estabelecemos esse objetivo”.

A maior parte das peças da Fjällraven são bastante mais caras que as das marcas concorrentes, o que pode ser justificado pela qualidade e durabilidade das mesmas, mas não evita um pequena provocação: A sustentabilidade ainda só está ao alcance dos clientes mais ricos? Se sim, de que forma é que isto pode ser invertido?

Concebemos os nossos produtos para que possam passar de geração em geração. Não seguimos as tendências, nem somos uma empresa de fast fashion, pelo que tentamos utilizar os melhores materiais disponíveis no mercado e sempre de fornecedores responsáveis. Fazemos o nosso trabalho de casa e não confiamos “apenas” em certificados externos, que normalmente vêm com um preço. A sustentabilidade não tem necessariamente de ser dispendiosa; há uma razão porque vale a pena pagar esse preço. Talvez o melhor conselho seja: experimentem e se mesmo assim considerarem que é caro, partilhem connosco o porquê dessa opinião, para podermos iniciar um diálogo a partir daí.