O que é a Ethical Assembly e qual o trabalho que desenvolve?
Trata-se de uma cimeira sobre clima e justiça social que fundei em Lisboa, em 2019.
O nosso evento serve como plataforma de diálogo transparente, multidisciplinar, livre de greenwashing e focado em soluções sistémicas para as questões mais prementes do mundo. O próximo encontro realiza-se nos dias 2 e 3 de Outubro em Lisboa, no Beato Innovation District and Factory, e é a nossa maior edição até ao momento, com 150 oradores e 70 sessões. A cimeira reúne cientistas, ativistas, inovadores, legisladores e líderes de base, para debaterem temas críticos como a descarbonização, a ciência climática, a economia circular, a biodiversidade, agricultura regenerativa, moda ética e direitos humanos. O nosso objetivo é democratizar o acesso ao debate climático, criar um espaço de colaboração autêntica e inspirar ações coletivas para a construção de um futuro justo, resiliente e sustentável. Na Ethical Assembly acreditamos que nenhuma narrativa ou solução única resolverá a crise climática. É por isso que nos focamos em conversas interseccionais e inclusivas, garantindo que um amplo leque de vozes fazem parte do discurso, porque cada um de nós tem um papel essencial a desempenhar!
O que diferencia a Ethical Assembly de outras organizações e eventos similares?
A urgência da crise climática não pode ser desvalorizada. Há já milhões de pessoas deslocadas das suas casas devido a perturbações ambientais e isso é um sinal claro de que os impactos das alterações climáticas não são ameaças distantes, mas sim realidades prementes. A crise da biodiversidade aproxima-se também a passos largos. Aliás, já nos encontramos em plena sexta extinção em massa, com seis dos nove limites planetários já ultrapassados. Esta situação alarmante põe em perigo não só os ecossistemas, como também os próprios alicerces da sobrevivência humana. No fundo estamos a enfrentar uma policrise que entrelaça desafios ambientais, sociais e políticos. Portanto, já não é viável participar em conversas isoladas ou diálogos específicos do setor. O nosso evento serve assim como plataforma para promover a colaboração entre diferentes regiões geográficas, indústrias e comunidades. Damos prioridade à construção de alianças robustas, unindo legisladores, líderes éticos, empresas, ONGs, startups, ativistas e cidadãos. Esta abordagem colaborativa promove o desenvolvimento de estratégias inovadoras para gerar um impacto real. Outro aspeto fundamental é que somos totalmente independentes e orientados para a solução; Evitamos deliberadamente qualquer tipo de patrocínios corporativos ou de modelos pay-to-play que possam comprometer a integridade da nossa missão. Sem a influência dos grandes poluidores, conseguimos manter uma operação de baixo impacto e concentrar-nos em entregar ao público um conteúdo significativo, em vez de termos apenas apresentações chamativas ou brindes de marca.
Reconhecida na COP 26 como uma das “26 principais vozes femininas em Clima, Patricia Imbarus fundou em 2019 a Ethical Assembly, uma cimeira global independente sobre clima e justiça social. (foto: Maria Rita)
Porquê a escolha de Lisboa para receber mais esta edição da Ethical Assembly?
Ao longo da última década, testemunhei a evolução desta cidade e a forma como se tornou num vibrante centro de desenvolvimento sustentável, feito de inovação e responsabilidade social. A própria paisagem de Portugal está repleta de iniciativas notáveis na permacultura e agrofloresta, bem como ambiciosos projetos de reflorestação, que demonstram um compromisso genuíno com a restauração de ecossistemas. A abordagem proactiva do país em relação às energias renováveis, particularmente no aproveitamento energia eólica e solar, demonstra também dedicação em relação a um futuro sustentável. No entanto, é vital que esta transição energética seja justa, inclusiva e benéfica para todos os segmentos da sociedade. Iniciativas de agricultura regenerativa como a Terramay e a Terra Sintrópica estão a abrir caminho para práticas agrícolas mais sustentáveis, mas continua a existir uma necessidade premente de investimento nestas áreas cruciais. Mas igualmente de repensar os ambientes urbanos para priorizar a natureza, a saúde e a inclusão, de modo a libertar todo o potencial de Lisboa. Estratégias como melhorar o transporte público, um maior desenvolvimento de zonas pedonais e a integração de agroflorestas no tecido urbano são fundamentais para promover a resiliência da comunidade. Embora iniciativas como a Urbem, a FCULResta e a Upfarming estejam a progredir, iriam beneficiar muito com um aumento do apoio municipal e financeiro para expandir o seu alcance. E o mesmo se passa com alguns movimentos populares nesta área, que poderiam prosperar muito mais se houvesse um esforço mais coordenado, envolvendo governo, entidades financeiras e legisladores, de modo a eliminar obstáculos e aumentar o impacto das iniciativas de sustentabilidade. O princípio da sustentabilidade deve ser integrá-la em todos os aspetos do desenvolvimento desde o início do processo.
A realização deste evento em Lisboa não só irá realçar todos estes projetos que já estão em curso, como também cultivar a colaboração, impulsionando mudanças substanciais e refletindo o compromisso duradouro da cidade com um futuro sustentável.
Como se vão processar os trabalhos?
A edição deste ano vai ser a mais ambiciosa de sempre, contando com 150 oradores, todos eles inspiradores, e 70 sessões bastante dinâmicas, que abrangem uma grande variedade de temas, incluindo descarbonização, energia renovável, agricultura regenerativa, moda ética e saúde dos oceanos. Contaremos com dois palcos a funcionar em paralelo e diversos espaços para workshops, laboratórios, networking e exposições. O nosso programa é meticulosamente concebido para promover a construção de comunidades e oferecer uma abundância de descobertas em várias disciplinas. Por exemplo, vamos ter mais de vinte sessões de filmes da Waterbear, uma plataforma gratuita de curtas-metragens e documentários sobre soluções positivas para um mundo em mudança, incluindo a estreia portuguesa do documentário Planet Soil, que será no dia 3 de outubro, às 19h15. Estamos também a organizar um evento de networking com a Net Zero Insights, a Climate Café e a Force of Nature, para nutrir um verdadeiro sentido de comunidade. Além disso, este ano, estamos entusiasmados por elevar a experiência da Ethical Assembly, com uma série de eventos paralelos concebidos para cultivar o envolvimento da comunidade e a ação colaborativa. Após o nosso evento principal de dois dias, os participantes poderão participar numa variedade de experiências imersivas, a realizar de 4 a 8 de outubro, que irão mergulhar profundamente em projetos locais de inovação climática e social. Estas atividades práticas permitirão aos participantes estabelecer ligações significativas, atuando diretamente no terreno com diversas organizações. Será uma oportunidade única de aprendizagem, mas também para contribuir e conhecer pessoas que pensam da mesma forma e estão empenhadas em promover mudanças positivas no mundo.
Quais são os critérios para a escolha dos oradores?
O nosso foco principal está em selecionar naqueles que incorporam genuinamente os valores da colaboração, inovação e inclusão. Procuramos indivíduos que representam diversas perspetivas e experiências, para conseguirmos oferecer uma abordagem multifacetada das questões climáticas e de justiça social. Isto inclui ativistas, especialistas de organizações de base e líderes inovadores que podem partilhar soluções viáveis e assim contribuir para uma mudança significativa. Para manter a integridade da nossa plataforma, evitamos conscientemente as ações corporativas, bem como patrocínios ou palestras pagas. Este compromisso ajuda-nos a evitar o greenwashing e a garantir que as discussões permanecem livres de quaisquer influências externsa que possam minar a nossa missão. Ao priorizar oradores comprometidos com uma sustentabilidade genuína e equidade social, criámos um ambiente onde as ideias transformadoras podem florescer, incentivando os participantes a envolverem-se profundamente com os desafios que enfrentamos e a encontrar soluções que podemos implementar em conjunto.
Que nomes destacaria nesta edição?
É difícil escolher, porque temos imensos oradores, projetos e artistas fantásticos a juntarem-se nós, mas um dos principais destaques será a presença da atriz Lily Cole, estrela de filmes como Star Wars ou Parnassus, que também é uma ativista climática mundialmente conhecida. O seu livro, Who Cares Wins, é de leitura obrigatória para qualquer pessoa dedicada à ação climática. Admiro o seu trabalho há uma década e tê-la connosco é realmente um sonho tornado realidade. Estamos também muito entusiasmados por receber Jeanne Zizi de Kroon, que é uma referência em questões como a moda ética e a preservação cultural, através do seu trabalho inovador com a ZAZI, ao lado de Masami Sato, outro empreendedor social pioneiro, orador TED, autor de best-sellers e fundador da iniciativa global de doação B1G1. A diversidade de mentes brilhantes que se juntam a nós reflete de facto o espírito de inclusão e colaboração do evento.
Quanto a projetos inovadores, teremos a Ponda, que está a introduzir soluções regenerativas revolucionárias, em termos de fibras que prometem remodelar o sector têxtil; A Poseidona, que está a transformar algas invasoras em fontes alimentares sustentáveis, materializando no terreno o que pode ser alcançado quando a criatividade se encontra a necessidade ambiental. Temos também a Plastic Fischer, que se dedica limpar os rios mais poluídos. E estamos igualmente satisfeitos por ter a bordo os ativistas da Climaximo para abordar questões críticas como os desafios da transição justa ou do decrescimento.
Conhecida pelo seu ativismo social e ambiental, atriz e modelo inglesa Lily Cole é uma das principais cabeças-de-cartaz da Ethical Assembly, que este ano vai receber mais de 150 oradores.
Como é que um evento desta escala consegue ser zero waste, tal como está anunciado?
Sem investidores ou grandes patrocinadores, focamo-nos apenas em ter esse baixo impacto. Vemos isto não como uma limitação, mas como uma oportunidade para sermos criativos e intencionais em cada decisão que tomamos. Na prática, isto resume-se a uma definição de objetivos claros de sustentabilidade e à sua organização a todos os níveis. Temos três pilares principais: o local do evento, utilização de materiais e gestão de resíduos, e alimentação e bebidas. No que ao primeiro pilar diz respeito, a comunidade do Beato Innovation District e Factory Lisbon tem sido incrível, apoiando os nossos esforços para criar um evento amigo do ambiente. O local é também acessível por transportes públicos, permitindo-nos promover essa opção de locomoção aos participantes. Quanto aos materiais para a produção e decoração do espaço, damos prioridade a materiais reciclados, alugados ou emprestados. Plásticos descartáveis e artigos promocionais são estritamente proibidos. E colaboramos com os fornecedores para minimizar ao máximo materiais desnecessários, da mesma forma que utilizamos convites e materiais digitais sempre que possível. Já a alimentação, é toda vegetariana, com tantos produtos locais, biológicos e sazonais quanto possível; além disso, toda a comida é servida em pratos e utensílios reutilizáveis ou compostáveis; e nós próprios incentivamos ativamente os participantes a trazerem os seus próprios artigos reutilizáveis de casa. Queremos garantir o mínimo possível de desperdício alimentar e quaisquer sobras de refeições serão doadas a instituições sociais ou bancos alimentares. Também estamos a trabalhar para conseguir água de estações de carregamento no local, para eliminar a necessidade de água engarrafada. Portanto, por favor, tragam garrafas de água reutilizáveis. Definir estas metas de forma tão clara ajuda-me a mim e à equipa, a gerir de forma mais eficaz todas as tarefas do dia-a-dia associadas ao planeamento do evento.
É um modo dar o exemplo e mostrar que é possível?
É essencial reconhecer que não é viável atingir 100 por cento de sustentabilidade, mas que em vez disso se trata de uma jornada contínua. Embora nos esforcemos pelos mais elevados padrões (e pelos menores impactos da produção), existem desafios inerentes ao processo que resultam em desperdícios. As opções sustentáveis têm frequentemente custos mais elevados que se tornam difíceis de suportar para eventos de base como o nosso. Os princípios de desperdício zero também exigem uma monitorização contínua e recursos dedicados que são mais fáceis de fazer com grandes equipas. Mesmo assim e apesar de todos estes desafios, estou feliz com os resultados que temos alcançado, reconhecendo sempre, como já referi, que o caminho para a sustentabilidade é um trabalho contínuo e sempre em curso. A nossa esperança é que, ao criarmos este modelo de como deve ser um evento de baixo impacto, possamos inspirar outros a pensar de forma crítica sobre os seus próprios métodos de produção e encorajar uma mudança para soluções mais sustentáveis.
Quais são, na sua opinião, os maiores desafios que o mundo enfrente ao nível da sustentabilidade?
Muitos dos desafios ambientais associados às alterações climáticas, como as secas, as ondas de calor e os incêndios florestais estão, infelizmente, a ocorrer um pouco por todo o mundo, incluindo Portugal. O que torna as alterações climáticas um problema grave é a forma como agravam as desigualdades sociais e afetam desproporcionalmente comunidades vulneráveis, como famílias de baixos rendimentos, populações idosas e as zonas rurais mais dependentes da agricultura. Enfrentar estes desafios requer um esforço conjunto, para garantir que as estratégias de adaptação e mitigação são inclusivas. A boa notícia é que já estão disponíveis muitas soluções e quanto mais inclusivos formos nas tomadas de decisão e na implementação de soluções, mais rapidamente poderemos enfrentar todas estas questões críticas e promover uma sociedade mais resiliente e equitativa.