Como surgiu a Goparity e com que objetivo?
A ideia de criar a Goparity surgiu em 2009, quando regressei a Portugal depois de ter vivido mais de cinco anos no estrangeiro e não conseguir encontrar um banco ético para depositar o meu salário, onde soubesse que o dinheiro estava a ser usado para financiar projetos de acordo com os meus princípios e valores. Nessa altura, propus à minha madrasta alugar o telhado do seu pequeno hotel rural em Tavira para instalar painéis solares. Com o dinheiro da venda de eletricidade, pagaríamos o aluguer da superfície e o resto seria lucro. Como não consegui juntar dinheiro suficiente para o investimento inicial, criei um sistema em que os “investidores” (amigos e familiares) receberiam juros em troca do financiamento desta iniciativa, recebendo mais “juros” quem estivesse disposto a ter o dinheiro investido mais tempo. De repente foi fácil juntar o dinheiro necessário e foi assim que surgiu a ideia da Goparity. Devido à falta de enquadramento legal, demorámos ainda alguns anos a arrancar, mas já tínhamos o projeto-piloto.
Hoje mantemos o mesmo propósito de procurar que qualquer pessoa que queira rentabilizar o seu dinheiro saiba que o pode fazer fomentando a sustentabilidade social e/ou ambiental através da Goparity. Para garantirmos que cada investimento é totalmente responsável e consciente, partilhamos sempre com os nossos investidores informação detalhada sobre cada projeto e respetiva empresa promotora – desta forma os investidores sabem exatamente como e onde o seu dinheiro está a ser utilizado. Da mesma forma, mostramos também a todos os utilizadores o impacto social e/ou ambiental do seu projeto.
Como foi recebida pelo mercado, tendo em conta que o cenário do crowdfunding em Portugal ainda está a dar os primeiros passos?
Inicialmente, tanto as empresas e organizações promotoras como os investidores achavam que o modelo era “demasiado bom para ser verdade”. O facto de em Portugal não termos modelos popularizados de crowdfunding, como é o exemplo do Gofundme, também pode ter dificultado um pouco o arranque. Ainda assim, temos tido um crescimento que considero ser bastante robusto e consistente, portanto acho que a receção tem sido positiva. Em agosto de 2024, a nível global a comunidade da Goparity superou os 40 milhões de euros investidos. Só em Portugal, até ao fim do ano passado, este valor era 21,9 milhões de euros. Diria que esse é um número bastante significativo e que reflete a crescente popularidade de modelos de financiamento alternativos que envolvem toda a comunidade, como é o caso do crowdlending que praticamos.
Nuno Brito Jorge, cofundador e CEO da Goparity, criou esta plataforma para funcionar como uma alternativa ética e sustentável uma alternativa interessante aos empréstimos bancários tradicionais.
Quais são as principais diferenças entre o conceito de crowdfunding mais tradicional, em que as pessoas doam dinheiro para determinados projetos, e a Goparity, que se assume como um modelo de financiamento – e investimento – alternativo, no sentido em que alia o rendimento a um impacto positivo e sustentável?
O crowdlending é um dos subtipos de crowdfunding que funciona por via de empréstimos, intermediados por plataformas digitais, como a Goparity. Ou seja, para os investidores, o crowdlending é uma oportunidade de investimento em economia partilhada, financiando diretamente projetos em que acreditem e com retorno frequentemente mais atrativo do que outros produtos de investimento mais tradicionais. Por outro lado, para as entidades que procuram financiar-se, esta é uma alternativa interessante a um empréstimo bancário tradicional.
Na Goparity procuramos projetos e empresas de impacto, que contribuam positivamente para a sociedade e para o ambiente, que possam ser financiadas por pessoas ou empresas que partilhem desses mesmos valores e queiram investir na sua ação, por um mundo melhor. Com este modelo é possível garantir que conseguem continuar a cumprir o seu propósito, ao mesmo tempo que investidores podem receber um retorno atrativo enquanto contribuem para esse impacto.
Como funciona, tanto para quem necessita de investimento como para quem investe?
Qualquer pessoa ou empresa pode investir a partir de 5€ nos projetos abertos para investimento. O montante que investem são empréstimos aos promotores dos projetos, tendo então taxas de juro, duração e periodicidade de pagamento pré-determinadas. Após o fim da campanha de angariação de fundos, são emitidos os Contratos de Mútuo entre o promotor e os investidores. Nesse momento, o capital angariado é disponibilizado aos promotores e inicia-se o plano de pagamentos aos investidores. Do lado de quem procura investimento, as entidades interessadas podem fazer uma simulação na plataforma da Goparity, indicando quanto querem pedir emprestado, e em quanto tempo pretendem pagar o empréstimo. Após esta simulação, podem pedir uma proposta de financiamento diretamente através do website, que receberão num prazo máximo de 48h. Caso seja aprovada por ambas as partes, começa a preparação do plano de comunicação juntamente com a nossa equipa de Marketing que antecede o lançamento da campanha, que é comunicada a todos os investidores da comunidade Goparity.
Quais são as áreas prioritárias da Goparity e quais as que têm tido mais procura e maior retorno?
Os nossos projetos estão agrupados em cinco principais categorias: economia azul, transição sustentável de negócios, uso sustentável do solo, energia sustentável e economia social. Até 2020, a maior parte dos nossos projetos eram energia solar para autoconsumo e eficiência energética – este era o modelo base. Apesar de hoje a energia sustentável ainda ser a categoria com mais peso, os negócios em transição têm um uma representação muito significativa. Uma das melhores experiências que tivemos foi a da Comunidad Solar, que está a investir no seu parque solar La Cervantina, em Múrcia, Espanha. O objetivo inicial era 600 mil euros, mas depois de o terem conseguido, o promotor estendeu e aumentou para 800 mil euros – fazendo desta a maior campanha alguma vez registada na nossa plataforma. Temos também, por exemplo, o caso do primeiro projeto de canábis medicinal financiado por crowdlending em Portugal. O promotor, Valcon Medical, que pertence a um programa-piloto da Dinamarca, abriu a 14 de agosto e em cinco dias juntou 300 mil euros junto da nossa comunidade; investidos por um total de 1774 investidores de 23 países. Com esta campanha financiámos o nosso primeiro promotor dinamarquês, sendo também a primeira vez que a Goparity ofereceu uma oportunidade de investimento numa das indústrias com maior crescimento da atualidade. Foi um prazer ver o crowdlending a funcionar como potenciador deste tipo de projetos.
A Goparity publicou recentemente o seu primeiro Relatório de Impacto, com os principais resultados obtidos em 2023, que balanço faz da atuação da plataforma?
A principal conclusão, com este balanço, é que estamos no caminho certo. Com o apoio da nossa comunidade, em agosto deste ano já superámos os 40 milhões de euros de investimento. No que respeita aos dados de 2023, até ao final do ano passado tinham sido investidos 32 milhões de euros e mais de 140 organizações de impacto receberam financiamento. Das entidades financiadas, a maioria foram empresas (88,7%) e 11,3% foram organizações sem fins lucrativos e cooperativas. Do lado dos investidores, que chegaram em 2023 aos 15 mil, 14,5 milhões de euros do capital e juros já foram pagos. Através da ação de todos os investidores, o nosso relatório mostra que foi possível impactar quase 90 mil pessoas, criar mais de 4.700 empregos, ajudando a evitar a emissão de 25 mil toneladas de CO2 por ano para a atmosfera, a gerar energia limpa e renovável e a promover uma gestão sustentável dos solos e da água.
Desde a sua criação, em 2017, a equipa da plataforma Goparity já angariou cerca de 40 milhões de euros para financiar mais de 300 projetos de impacto alinhados com Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Quantos utilizadores já têm e de onde são?
Já ultrapassámos os 48 mil utilizadores e mais de 17 mil investidores, de mais de 120 países, que para além de Portugal incluem muitos países da Europa do Sul e Central, mas também Reino Unido, Estados Unidos, Brasil, Angola ou Macau, por exemplo.
Qual o valor do investimento já arrecadado e quantos projetos já foram financiados?
Ao dia de hoje, que já adiciona aos resultados do relatório, contamos com mais de 40 milhões de euros de financiamento captado por mais de 360 campanhas de crowdlending.
Como é feita a seleção dos projetos a financiar e quais os critérios utilizados?
Para um projeto ser considerado de impacto ou sustentável, deve contribuir para o alcance de pelo menos um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas. Temos em conta os objetivos de cada ODS para a seleção de cada projeto, bem como a atividade a ser financiada, ou seja, para onde vai ser empregue o dinheiro da campanha. Aquilo que mais impacta a nossa seleção são, assim, as consequências diretas do projeto a ser financiado. Ao mesmo tempo, enquanto plataforma de investimento, temos também a avaliação de risco financeiro (que tem em conta a sustentabilidade financeira da empresa e o risco técnico de cada projeto). Neste processo altamente rigoroso, tentamos sempre encontrar o equilíbrio entre oferecer uma rentabilidade apelativa aos investidores e condições de crédito justas aos promotores.
Quais os planos para o futuro? Tendo em conta o crescimento dos últimos dois anos, até onde pode chegar a Goparity?
O plano é responder àquilo que me levou inicialmente a pensar em criar um projeto como a Goparity: suprir a necessidade de um banco ético em Portugal. Essa é a nossa visão a longo prazo. Numa visão de termo mais curto, espero que a comunidade continue a crescer, em particular em Portugal e Espanha, ajudando ainda mais empresas de impacto a fazer a diferença no nosso mundo.