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Nysse Arruda

Miguel Lacerda e a infindável luta contra o plástico nos mares

13 Feb 2025 - 10:00
Primeiro português a mergulhar nos mares da Antártica, Miguel Lacerda é um veterano ativista ambiental marinho. Presidente da Cascaisea, uma associação criada para defender os oceanos, Miguel luta contra o lixo plástico nos mares.

Velejador oceânico, veterano de uma regata à volta do mundo e de 19 travessias do Atlântico, Miguel Lacerda, 67 anos, é também mergulhador desde miúdo e tem percorrido um longo caminho para chamar a atenção do público e das autoridades para o flagelo do lixo plástico nos rios, mares e oceanos. Lançou inclusive um estudo ambicioso – “O lixo marinho no litoral Oeste Sintra-Cascais 2014-2019”.

Há mais de dez anos, dedica-se a vasculhar as íngremes falésias e praias remotas na costa de Cascais e Sintra – numa zona delimitada entre São Julião da Barra (Oeiras) e a Praia da Adraga (Sintra)  – recolhendo e catalogando o lixo plástico que todos os dias se acumula por todo o lado, seja trazido pela maré seja para ali atirado por cidadãos, empresas e indústrias negligentes.

Miguel Lacerda retirou mais de 90.000 litros de plásticos e derivados na região costeira de Cascais e Sintra durante seis anos consecutivos.

“É uma faina exigente recolher lixo plástico de falésias com 140 metros de altura, acessíveis apenas através de trilhos difíceis, com pedras escorregadias, escarpas… Para chegar às grutas e fendas nas rochas à beira da água o trabalho é ainda mais complicado requerendo paciência e certos malabarismos para recolher o lixo que dificilmente seria retirado dali e só iria degradar-se ainda mais”, detalha Miguel que por causa destes esforços físicos já teve de ser submetido a duas cirurgias ao joelho.

“Cheguei à conclusão de que 70% do lixo é proveniente da pesca, sendo as bóias de esferovite as mais problemáticas pois o esferovite degrada-se facilmente tornando-se microplástico, o tipo de plástico que mais polui os oceanos. Isto sem contar as redes que pesam até 300 quilos e enroscam-se nas rochas e grutas à beira-mar”, explica Miguel Lacerda dizendo que a maior parte deste plástico já não é reutilizável, pois o tempo e o mar degradam as propriedades do plástico.

 

Cerca de 70 por cento do lixo recolhido por Miguel lacerda é proveniente da pesca.

“Muito do lixo que vem dar à costa portuguesa tem origem nos Estados Unidos e Canadá. Já encontrei um copo que tinha impresso o nome de um bar de praia da Flórida – Ana Maria Island Beach Café – e que deve ter demorado mais de um ano para atravessar o Atlântico Norte, desde o interior do Golfo do México.

“Realizo este trabalho de recolha de lixo plástico também nas marinas desde 1998 – seja em Oeiras, Santo Amaro, Belém … como também nos portos em Sesimbra, Açores e Madeira e mesmo em portos estrangeiros como nos Países Baixos, França, Inglaterra … onde faço escalas nas minhas rotas oceânicas. Uma vez encontrei aqui na nossa costa fardos de borracha, datados da 1.ª Grande Guerra, que se libertaram dos navios afundados no canal da Mancha!”.

 

Entre a panóplia de lixo que já recolheu recorda um copo de um bar de praia da Flórida e alguns fardos de borracha da 1ª Grande Guerra.

Em 2019, Miguel Lacerda criou a Cascaisea, uma associação sem fins lucrativos que tem agido de forma voluntária para minimizar os danos que o lixo plástico causa nos oceanos  e especialmente no mar de Cascais, somando 184 ações de limpeza por ano na região, com o apoio de mais de uma centena de voluntários e o patrocínio de algumas empresas (Ecobrent, Ford Ranger, Yamaha Motor, Grundfos e Marina de Cascais).

A Cascaisea já retirou mais de 500.000 litros de plásticos e derivados na região durante seis anos consecutivos. “Em apenas três quilómetros deste litoral recolhemos mais de 30 mil litros de plástico por ano.”, conta Miguel que com estes dados quer trazer a público o grau de poluição nesta zona costeira, recordando que na década de 1980, quando iniciou estas ações de limpeza, quase chegou a ser preso em Cascais por trazer lixo do mar para a terra.