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Patrícia Barnabé

Valérius 360º: o futuro da indústria têxtil passa por Portugal

12 Jan 2024 - 10:00
Uma antiga fábrica que hoje alberga uma máquina gigante que recicla os desperdícios das fábricas têxteis nacionais. Transforma-os em fio, que será um tecido que será uma nova peça de roupa. O futuro começa aqui.

Fica em Guilhabreu, encostado a Vila do Conde, mas parece um cenário de ficção científica. É um projeto pensado para o mundo, para o planeta, e o único caminho possível e direto para um futuro sustentável na indústria têxtil.

Sabendo nós que a moda é das indústrias mais poluentes, logo a seguir aos combustíveis fósseis e à industrialização do gado para alimentação humana, também sabemos que a mudança desse padrão começa quando todos consumirmos menos e melhor.

O grupo Valérius, dos maiores na área têxtil no país, e dos mais bem preparados para liderar a inovação e a sustentabilidade para as próximas gerações, é um grande exemplo da importância primordial que as empresas têm na mudança de paradigma – se dúvidas houver, basta conhecer a Valérius 360º, e saber que, mesmo em pandemia, foram investidos 25 milhões de euros nesta unidade de reciclagem.

A Valérius 360º alberga um dos raros pólos de reciclagem têxtil na Europa, único no país

Patrícia Ferreira, filha do fundador, cresceu nas fábricas têxteis e hoje lidera a área de inovação desta reconhecida empresa familiar, a Valérius hub, e pensou, ao lado do irmão engenheiro, que projetou e implementou esta máquina específica que é a 360º, um dos raros pólos de reciclagem têxtil na Europa, único no país.

A ideia nasceu quando um cliente da área do desporto, em 2017, disse querer reciclar a sua roupa e transformá-la em nova matéria-prima. Patrícia foi investigar e descobriu uma empresa espanhola e uma italiana, países afins de grande herança têxtil, e resolveu criar um processo para a indústria nacional.

A grande ambição era criar um modelo de produção têxtil completamente circular que pudesse ser exemplar. Está a laborar em pleno desde o início de 2021: “Decidimos montar um projeto vertical, das cortadeiras à produção do fio, e assim fechar o ciclo. Havia um gap entre o upcycling total e os desperdícios que não tinham destino.”

Transformar desperdício em novos produtos reduz os gastos de produção em pelo menos 50%, o gasto de água em 85%, o de energia leva um corte de 83% e o prejudicial uso de químicos de 98,5%

Parece uma grande nave espacial aterrada no espaço da antiga fiação Outex, fechada há mais de duas décadas e abandonada ao seu destino. Nela entram hoje farrapos e restos de corte têxtil da indústria e sai um fio mesclado e sedoso que se enrola num novelo.

Cá fora amontoam-se fardos coloridos de restos de jersey de algodão, desperdício das suas fábricas, de outras clientes e de stocks de coleções e tecidos que não são vendidos e cujo destino seria o aterro.

Separadas por cores e texturas, as fibras do desperdício fabril são cortadas em pedaços de dois a três milímetros e submersas numa solução amaciadora até ficarem preparadas para serem maceradas por cilindros que as transformam numa nuvem de fibra de algodão reciclado, ao qual se junta depois algodão orgânico (poderia ser outra fibra sustentável como o lyocell, feito a partir de celulose, ou o seacell, à base de macro-algas) para ganharem mais corpo e consistência.

“Usamos as fibras mais naturais e sustentáveis possíveis. É esta mistura que vai para a fiação e consegue uma média de seis toneladas de fio por dia, 180 toneladas por mês”, diz-nos Patrícia Ferreira, visivelmente orgulhosa. “Entre 7 e 10 minutos conseguimos fazer cerca de 15 a 20 mil fios reciclados, o que é muito bom”.

A Valérius 360º consegue fabricar uma média de seis toneladas de fio por dia, cerca de 180 toneladas por mês

Como este é um processo mecânico, pode fazer reciclagem de diferentes fibras, e assegurar um fio de qualidade que pode ser de novo tingido, e será uma malha resistente para produzir peças desportivas e têxteis-lar.

“Transformar desperdício em novos produtos reduz os gastos de produção em pelo menos 50%, o gasto de água em 85% – a produção de uma t-shirt 360º com 60% de lyocell e 40% de algodão reciclado poupa 722 e 1400 litros de água mais do que uma t-shirt comum de algodão – ,os gastos de energia levam um corte de 83%, e o prejudicial uso de químicos de 98,5%”, remata.

Já os desperdícios que não servem para fazer fio são transformados em diferentes rolos de papel sedoso, onde se vislumbram linhas e desperdícios de outras indústrias, como sementes, cortiça e confettis.

Hoje a Valérius 360º tem a capacidade de produzir vinte toneladas de papel algodão por dia e promete chegar ao Carbono Zero até 2030.