voltar

Sara Pinho

Têxteis: há duas empresas portuguesas a utilizar o I&D em nome da economia circular

3 Aug 2024 - 09:00
Tecnologias de investigação e desenvolvimento (I&D) como a de tingimento têxtil estão a dar a novas formas e cores às nossas roupas e há empresas têxteis em Portugal que as enquadram numa perspetiva de economia circular, com o objetivo de reduzir o desperdício têxtil e o consumo excessivo, criando produtos com menos impacto no ambiente.

Sabemos por onde é que uma peça de roupa que compramos já andou ou por que fases passou para ter aquela forma, cor ou textura? E onde entra a sustentabilidade na indústria têxtil? Há duas empresas portuguesas que pretendem dar uma resposta mais clara e direta a estas questões cada vez mais prementes: uma delas é a RDD – Research, Design and Development, sediada em Barcelos; outra é a Tintex Textiles, em Vila Nova de Cerveira.

Com um pé na inovação e outro na sustentabilidade, a RDD é uma empresa têxtil que se dedica à confeção de roupa com vista a melhorar os processos de produção na indústria da moda. Estando integrada no grupo têxtil Valérius, consegue tirar proveito de práticas ou tecnologias desenvolvidas por outras empresas que também fazem parte do grupo e operam em diferentes fases da cadeia de valor, aplicando-as, assim, à sua produção.

Exemplo disso é o facto de trabalharem com resíduos têxteis para criarem novos produtos têxteis. A recolha de roupa ou de tecidos das mesas de corte, já depois da confeção, cabe ao Valérius 360, um projeto que pretende que todas as roupas saídas da sua fábrica a ela regressem para serem recicladas e servirem um novo propósito. Posteriormente, o desperdício das mesas de corte é mecanicamente transformado em fibra.

“Com a maior parte da fibra fazemos fio. Com a fibra que não dá para ser utilizada para desenvolver fio, fazemos papel”, explica Rute Santos, diretora de Desenvolvimento Comercial e de Produtos da RDD, ao Green eFact.

RDD é uma empresa têxtil, sediada em Barcelos, que se dedica à confecção de roupa com vista a melhorar os processos de produção na indústria da moda.

A cadeia de valor é composta, essencialmente, por cinco fases: a fiação, a tricotagem e tecelagem, o tingimento, o acabamento e a confeção. Quem nos ajuda a perceber o que se passa em cada uma delas é Pedro Magalhães, diretor de Inovação da Tintex Textiles.

Na fase da fiação, é através da fibra têxtil que se obtêm os diferentes tipos de fio. Sucede a etapa da tricotagem ou da tecelagem, através da qual se faz a malha (habitualmente usada nas t-shirts) ou o tecido (presente maioritariamente em camisas e têxteis largos, como lençóis ou cortinas), respetivamente.

A fase do tingimento é a responsável por dar cor à peça que foi produzida através do fio, sendo que a fase de acabamento se define por lhe dar estabilidade dimensional. “Quando se põe uma peça na máquina de lavar e ela sai com a mesma forma, é porque foi bem acabada”, explica Pedro Magalhães. “Mas também dá para manipular o toque”, acrescenta.

“[As peças] podem ser mais deslizantes e apresentar outras características, como a repelência à água, ou serem anti-microbianas, anti-bacterianas, anti-virais ou fast drying, no caso da roupa para o desporto”.

Por fim, passa-se à fase de cortar e coser as peças – a confeção. O processo pode ou não acabar aqui, uma vez que, entre a fase de acabamento e a fase de confeção, pode haver métodos adicionais como o revestimento das peças ou a estamparia localizada.

É na fase do tingimento que a Tintex se tem destacado, na medida em que procurou substituir corantes sintéticos por produtos naturais, adotando o tingimento natural nos seus processos de produção.

“Sabemos que os corantes ainda são constituídos por processos metálicos e ainda têm o seu impacto. Se calhar não diretamente em nós, mas no planeta eventualmente vão ter”, afirma Pedro Magalhães.

É na fase do tingimento que a Tintex se tem destacado, na medida em que procurou substituir corantes sintéticos por produtos naturais.

Ao tocar numa prática mais sustentável para o ambiente, o diretor de inovação da Tintex faz a ponte com as práticas de consumo de hoje em dia. Defende que “por muitos produtos sustentáveis, inovadores e disruptivos que criemos, se continuarmos a consumir a este ritmo não vamos ter solução para isto”.

Para deixar de lado as práticas nocivas para o ambiente, esta empresa têxtil aproveita resíduos de outras indústrias (como a do vinho, a da cortiça e a do café), valorizando simultaneamente os resíduos têxteis que normalmente vão para aterro.

Na RDD, por outro lado, em vez de tingimento natural utiliza-se tingimento por bactérias, as responsáveis por dar cor ao substrato têxtil.

Quando chegam à fábrica, as bactérias estão “adormecidas” e são transportadas para máquinas de tingimento. “É através da reação química com um gel composto por água e açúcar que elas crescem”, explica Rute Santos. Ao atingirem o estado ideal, é-lhes então conferida cor.

Rute Santos salienta a importância das parcerias, na medida em que quem possibilita este processo de inovação para a empresa portuguesa é a sua parceira Colorfix, uma start-up britânica de biotecnologia, conhecida por estar a desenvolver um método de tingimento têxtil que explora as cores de pássaros e borboletas e usa microrganismos, através de modificação genética, para recriá-las nos tecidos.

Na RDD, em vez de tingimento natural, utiliza-se tingimento por bactérias.

O que une a RDD e a Tintex é a forma como olham para a produção têxtil e para o vago conceito de sustentabilidade. Querem evitar que o desperdício têxtil vá para aterro e potenciar tanto a economia circular como o aparecimento de novas empresas que operem nas várias etapas dos seus processos de produção. O consumo excessivo é igualmente uma preocupação para ambas.

Na perspetiva de Pedro Magalhães, cabe ao consumidor perceber a cadeia de valor, ou seja, “perceber que aquela t-shirt começou no campo de algodão, passou pela fiação, pela tricotagem, pelo tingimento, pelo acabamento, pela confeção e pelo transporte para a loja”. Percebê-lo servirá para, “pelo menos, pensarmos assim: como é que esta peça custa um euro?”, conclui.