“Temos de recuar ao fim do último período glacial, há cerca de 80 milhões de anos, para encontrar o registo do aparecimento do estuário do Tejo, época em que o nível do mar submergiu a zona baixa do vale do rio e integrou o estuário do rio Sado até há 2 milhões de anos”, salienta Maria José Costa, autora do livro O Estuário do Tejo, onde o rio encontra o mar.
“No complexo mesolítico de Muge, o mais intrincado da Europa, encontram-se os concheiros de Muge, estruturas constituídas por grande acumulação de conchas datáveis entre 10.000 anos (Neolítico) e 5.000 anos antes de Cristo e que remetem às últimas sociedades de caçadores recoletores do centro e sul de Portugal e da Península Ibérica”, detalha a investigadora logo nos primeiros capítulos do seu livro.
Com 80 km de extensão e uma superfície de 320 km quadrados, o estuário do Tejo é uma zona de transição biogeográfica, com floras e faunas de climas mais quentes (Mediterrâneo e Atlântico Subtropical) e de zonas relativamente mais frias (Atlântico temperado).
A sua dinâmica de marés, com temperaturas entre 8 e 26º C e salinidade bastante variável, permite uma renovação do oxigénio dissolvido na água do estuário, graças ao arejamento atmosférico, que é excelente, e à mistura com águas bem oxigenadas de origem marinha e fluvial.

Maria José Costa, autora do livro “O Estuário do Tejo, onde o rio encontra o mar”, é professora catedrática reformada da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Investigadora do MARE, Centro de Ciências do Mar e do Ambiente e uma das 100 cientistas homenageadas pelo Ciência Viva no Dia da Mulher em 2017 .
“As ervas marinhas, plantas rasteiras nas zonas estuarinas e costeiras, asseguram o sequestro de carbono. Por exemplo, as sebas e prados na praia do Samouco sequestram o equivalente às emissões de oito automóveis durante um ano, sendo o mais produtivo ecossistema do planeta. O problema é que são normalmente destruídas pela atividade humana apesar de serem protegidas pela Diretiva Habitats”, sublinha.
Segundo a autora só em finais dos anos 90 houve uma melhoria da qualidade da água graças ao desmantelamento de certas unidades industriais, à despoluição do Trancão e à reabilitação zona oriental com o advento da Expo 98.
“Ocorreu também uma maior sensibilização ambiental por parte da população, das autarquias, das próprias regras da União Europeia”, diz Maria José Costa, destacando as Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETARS) que livraram o Tejo das águas residuais, embora mesmo assim a comunidade piscícola só tenha recuperado após os 13 primeiros anos da instalação das mesmas.

A dinâmica das marés, com temperaturas entre 8 e 26º C e salinidade bastante variável, permite uma renovação do oxigénio dissolvido na água do estuário do Tejo. (Foto: Maria Pernadas)
“Os problemas que o estuário do Tejo enfrenta hoje ainda são complexos como a captura ilegal de mexilhão, de ameijoa japonesa e de corvina, além da navegação intensa que conduz ao surgimento de espécies exóticas e que obriga também a dragagens permanentes do leito do rio”, alerta Maria José Costa.
E sendo um ecossistema de interface entre o mar e o rio, o estuário depende de ambos e também da quantidade e qualidade do caudal de água doce que nele entra, ou seja, a qualidade da água a montante que vem da Espanha, o que representa “um dos principais problemas ambientais da atualidade”.
Atualmente, para a autora, “o mais importante é a manutenção dos habitats naturais para a fauna e flora e do corredor migratório de aves do Atlântico Norte”. Tal como também é “o cuidado com a artificialização das margens do rio”, para não destruir estes habitats.
“Se a temperatura da água aumentar temos de estar atentos ainda à provável entrada de espécies não indígenas tropicais como o tubarão bicudo, que é um predador de topo.», assinala.