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Teresa Lencastre

Porque é que o branqueamento dos corais é tão preocupante?

27 Dec 2024 - 10:00
A ONU convocou recentemente uma sessão de emergência para debater o maior episódio de branqueamento de corais alguma vez registado a nível global. Esta reunião, normalmente reservada a crises humanitárias, catástrofes naturais ou conflitos armados, sublinha a urgência e gravidade deste fenómeno, com repercussões nos ecossistemas marinhos e no equilíbrio ambiental do planeta. Mas, afinal, o que é o branqueamento de corais e porque é que é tão preocupante?

O branqueamento de corais ocorre quando estes, sob stress ambiental, expulsam as microalgas simbióticas que vivem nos seus tecidos e lhes dão cor e alimento. Este processo é frequentemente causado pelo aumento das temperaturas dos oceanos, ou seja trata-se de uma consequência direta das alterações climáticas.

“Várias alterações ambientais podem levar ao branqueamento dos corais, como mudanças drásticas de temperatura, incidência luminosa, soterramento ou mesmo agentes patogénicos”, explica Amana Garrido, bióloga marinha brasileira que tem vindo a especializar-se no fenómeno.

“Mas, sem dúvida, a principal causa de branqueamento atualmente é o aumento da temperatura da água do mar e as ondas de calor, que têm vindo a tornar-se muito intensas e frequentes devido às mudanças climáticas globais”, acrescenta.

Quando a água se torna demasiado quente, os corais entram num estado de stress e, em resposta, perdem as microalgas, ficando com a aparência esbranquiçada. Se as condições não melhorarem rapidamente, os corais acabam por morrer.

Quando a água se torna demasiado quente, os corais entram num estado de stress e, em resposta, perdem as microalgas, ficando com a aparência esbranquiçada.

“Na grande maioria dos casos, os corais não conseguem recuperar do branqueamento. A perda da simbiose faz com que os corais não recebam os produtos da fotossíntese e morram literalmente de fome”, explica ao Green eFact Jean-Baptiste Ledoux, investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), em Matosinhos.

O cientista, que obteve recentemente financiamento para projetos de conservação de corais no Mediterrâneo, responsabiliza a ação humana: “Estas ondas de calor marinhas são eventos climáticos extremos e são consequências diretas das mudanças climáticas de origem antropogénica.”

Os recifes de corais são o ecossistema com maior biodiversidade do oceano. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), albergam cerca de 25% das espécies marinhas, apesar de ocuparem apenas 1% do fundo dos oceanos. São também essenciais a perto de mil milhões de pessoas, fornecendo alimento, protegendo zonas costeiras e contribuindo para a economia através de atividades como a pesca.

“Os recifes tropicais de corais são, no contexto das comunidades biológicas, caracterizados por uma biodiversidade gigantesca. Entre outros papeis, os recifes de corais tropicais são reservas de comida para as comunidades humanas próximas e também estruturas protetoras para as costas”, esclarece Jean-Baptiste Ledoux.

Por esse motivo, os impactos do branqueamento não se limitam aos corais. Dada a importância ecológica destas formações, o fenómeno tem repercussões alargadas, afetando outras espécies marinhas e o equilíbrio ambiental do planeta.

Jean-Baptiste Ledoux, investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), em Matosinhos, obteve recentemente financiamento para projetos de conservação de corais no Mediterrâneo e responsabiliza a ação humana pelo fenómeno do branqueamento. (foto: Alexis Rosenfeld)

Os números mais recentes, que motivaram a reunião de emergência da ONU, indicam que a situação está a piorar: o branqueamento em massa dos recifes de coral, que ocorre em todo o mundo desde fevereiro de 2023, é o mais grave alguma vez registado, afetando 77% dos corais a nível global, segundo a Administração para o Oceano e a Atmosfera (NOAA) dos Estados Unidos.

“Esses dados são tão preocupantes primeiramente porque estamos a causar diretamente a morte de muitos organismos, tanto dos corais como de diversas outras espécies associadas aos ecossistemas recifais”, considera Amana Garrido.

“Em segundo lugar, os corais e recifes têm papéis muito importantes na manutenção da biodiversidade marinha, na provisão de alimentos para populações humanas costeiras, na ciclagem de nutrientes no planeta – principalmente carbono e oxigénio – e na proteção das linhas de costa, como barreira física à ação das ondas. Ou seja, nós dependemos da presença dos corais para nosso bem-estar no planeta.”

O branqueamento em massa dos recifes de coral, que ocorre em todo o mundo desde fevereiro de 2023, é o mais grave alguma vez registado, afetando já 77% dos corais a nível global.

As zonas mais afetadas pelo branqueamento de corais estão concentradas principalmente em regiões tropicais e subtropicais, onde os recifes de corais são mais abundantes. Entre as áreas mais atingidas incluem-se a Grande Barreira de Coral, na Austrália, os recifes das Caraíbas, o Triângulo de Coral, no Sudeste Asiático, ou os recifes de coral do mar Vermelho.

No Brasil, a temática também é particularmente relevante, considera Amana Garrido. Apesar de não ser tão afetado como outros países do mundo, alberga “formações recifais únicas e muitas espécies endémicas.”

“Estamos a observar a mortalidade de corais em sistemas recifais que ainda não são bem compreendidos. O foco central da minha pesquisa é compreender a diversidade de associações simbióticas nas espécies de corais ao longo dos recifes brasileiros e investigar a sua suscetibilidade aos eventos de branqueamento e impactos em múltiplas escalas”, adianta a investigadora.

Na Europa, embora não ocorram episódios de branqueamento como nos trópicos, o Mediterrâneo enfrenta “episódios de mortalidade massiva” associados às ondas de calor marinhas, explica Jean-Baptiste Ledoux.

“Os corais do Mediterrâneo são formadores de habitats, como as árvores na floresta. Infelizmente, os nossos resultados sugerem uma baixa capacidade de adaptação às ondas de calor marinhas. As populações de corais nas águas superficiais estão a desaparecer. Estamos a perder estas florestas marinhas e todos os serviços ecossistémicos associados”, lamenta o investigador.

Em Portugal, este fenómeno não ocorre, “simplesmente porque não tem o tipo de recifes de corais tropicais impactados pelo branqueamento”.

A espécie de coral Paramuricea clavata é uma das mais impactada pelas ondas de calor no Mediterrâneo. (foto: Jordi Chias)

Após a sessão de emergência da ONU, países como a Nova Zelândia, Reino Unido, Alemanha e França comprometeram-se a contribuir com um total de 30 milhões de dólares para o Fundo Mundial para os Recifes de Coral, criado por esta organização em 2020 para a conservação dos recifes de coral.

Até 2030, o fundo tem como objetivo mobilizar até 3 mil milhões de dólares em financiamento público e privado para apoiar os esforços de preservação dos recifes de coral. Até à data, foram angariados aproximadamente 225 milhões de dólares, adianta a Associated Press.

De acordo com a mesma fonte, os países já estão a ser incentivados a reforçar as suas contribuições para o fundo global, com a meta de angariar mais 150 milhões até à conferência da ONU sobre os oceanos, que se realiza em Nice, no próximo ano.

“Em 2024, as alterações climáticas e outros impactos humanos desencadearam o quarto evento de branqueamento em massa dos recifes de coral, o mais extenso e devastador de que há registo”, disse, na ocasião, o enviado especial da ONU para os oceanos, Peter Thomson.

“Temos de garantir um futuro sustentável para os recifes de coral e para as inúmeras vidas que deles dependem – antes que seja demasiado tarde.”