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Sara Pinho

Mineração em mar profundo: o que é e quais os seus impactos?

7 Aug 2024 - 09:00
O fundo do mar é o sítio menos conhecido do planeta, mas já se contam décadas de pesquisa sobre os impactos que projetos de extração mineira no mar profundo podem vir a ter na vida marinha e nos ecossistemas. A ciência diz que serão graves, danosos e irreversíveis.

Quando falamos em mar profundo, estamos a falar do mar que começa a partir dos 200 metros de profundidade. Quanto à mineração no fundo do mar, esta é uma atividade que consiste na extração de minérios por volta dos quatro mil metros de profundidade. Aqui, pode-se encontrar cobre, cobalto, manganês, ferro, níquel, ouro e lítio – uns em maior quantidade que outros.

Ao contrário do que acontece na mineração terrestre, não se fazem buracos na superfície. Trata-se antes de um processo de raspagem transetorial, por máquinas instaladas de 10 a 20 centímetros do solo, onde ao longo de milhões de anos se foram depositando minerais como os nódulos polimetálicos, que servem de lar para anémonas, corais e outras formas de vida.

Hoje alvo de interesse, estes nódulos são essencialmente rochas, dispostos espaçadamente e do tamanho de uma bola de ténis. Depois de soltos, são aspirados por um tubo que os conduzem à máquina e daí para o navio-mãe, onde acontece a separação entre o metal e o sedimento. Por fim, o sedimento volta a ser enviado para o oceano.

Há ainda outras duas zonas que também têm atraído as atenções: as fontes hidrotermais e os sulfetos de cobre e níquel. É através das fontes hidrotermais que se dá o afloramento de águas ricas em metais a temperaturas extremamente elevadas, que vêm das camadas mais internas da Terra. São consideradas hotspots de biodiversidade, na medida em que essas águas, tóxicas para a espécie humana, permitem a existência de vida a muitos seres vivos ali.

A mineração no fundo do mar é uma atividade que consiste na extração de minérios por volta dos quatro mil metros de profundidade, a partir da qual podem ser encontrados materiais tão valiosos como cobre, cobalto, manganês, ferro, níquel, ouro ou lítio.

A intervenção nestas fontes pressupõe esmagar a fonte, destruí-la e aspirar aquilo que sobra. É por isso que o alvo principal são os nódulos polimetálicos. Além de “as fontes hidrotermais, em muitos Estados, estarem protegidas por várias leis por serem hotspots de biodiversidade, os nódulos polimetálicos são de mais fácil acesso e a tecnologia está mais bem preparada para eles”, explica Ana Matias, coordenadora de Clima na Sciaena, ONG portuguesa de conservação marinha.

Acrescenta ainda a bióloga que a maquinaria em causa pode ser equiparada à da exploração espacial, devido às condições serem extremas: as temperaturas são muito baixas, as pressões muito altas e os locais não têm luz.

A necessidade de se apressar a transição energética para cortar nas emissões de carbono e assim combater o aquecimento global resultou numa procura crescente de minérios raros como o cobalto, o níquel e o manganês, necessários para produzir, por exemplo, as baterias de iões de lítio dos telemóveis e dos carros elétricos ou os painéis solares.

Mas os impactos ambientais já previstos apontam para uma destruição irreversível do mar profundo, que não se coaduna com os esforços de conservação e proteção do ambiente. A rede de ONGs para o Ambiente Seas at Risk expressa num relatório que “a mineração em mar profundo pode levar-nos ainda mais perto do caos climático”.

Os impactos ambientais já previstos apontam para uma destruição irreversível do mar profundo, que não se coaduna com os esforços de conservação e proteção do ambiente.

Entre os impactos mais bem estudados, está a libertação de grandes quantidades de CO2, armazenadas nos sedimentos depositados no fundo do mar; alterações nos fundos marinhos e nas características geoquímicas nas proximidades do local de exploração mineira, o que pode levar à extinção de espécies que se encontram a viver junto destes locais; plumas de sedimentos que podem causar não só dificuldades respiratórias nos organismos pela falta de movimentação da água a estas profundidades, como a redução da capacidade de alimentos e da comunicação visual; e impactos sonoros e luminosos dos equipamentos, que podem influenciar a comunicação e a orientação de espécies como as baleias.

Dado o valor biológico que se perde, a falta de conhecimento sobre o fundo do mar e a tecnologia pouco madura para o efeito, enquadrar a mineração no fundo do mar como uma das soluções para a crise climática ou como uma alavanca para a transição energética é, para Ana Matias, “um salto ilógico”.

“Se a nossa ideia é continuar com o modelo de consumo atual, com todos os carros a combustão que temos e passá-los todos para elétricos, então não há minerais no mar profundo suficientes para conseguir suprimir essa necessidade. Nem sequer no planeta Terra”, argumenta.

A prioridade, acrescenta a bióloga, devia ser o investimento em transportes públicos e coletivos e a transição para eles, em detrimento dos individuais, bem como a reciclagem de baterias de telemóveis e de computadores.

As fontes hidrotermais são consideradas hotspots de biodiversidade, na medida em que essas águas, tóxicas para a espécie humana, permitem a existência de vida a muitos seres vivos ali.

Acresce o facto de que mais de metade do mar não pertencer a ninguém. Para a regulamentar, nasceu a Autoridade para os Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês), que declarou como “património comum da humanidade” os fundos marinhos para lá da jurisdição nacional, e que quaisquer benefícios da utilização deste património deveriam ser partilhados, “para o desenvolvimento de todos os países”.

Nela, estão representados os signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (168 países e a União Europeia), que a rege.

Nesta sexta-feira, a ISA foi a eleições, tendo sido eleita para o cargo de secretária-geral a oceanógrafa brasileira Letícia Carvalho, a candidata que disputava a liderança desta agência da ONU com o advogado inglês e especialista em política marinha Michael Lodge, o qual ocupava esse cargo desde 2016. As eleições surgem no seguimento de acusações a Lodge de falta de transparência, mau uso de fundos e de proximidade com a indústria de mineração.

A nova secretária-geral, que é também reguladora ambiental das Nações Unidas, assume agora a responsabilidade de preservar os ecossistemas do fundo dos oceanos e criar as regras para a exploração dos minerais raros que lá existem.

Há já 27 países a argumentar que não há dados suficientes para iniciar a mineração em mar profundo.

Os apelos por uma pausa na exploração do fundo do mar estão, contudo, a intensificar-se. Há já 27 países a argumentar que não há dados suficientes para iniciar a mineração em mar profundo, de acordo com o jornal The Guardian. A Noruega, por outro lado, tornou-se o primeiro país a aprovar a extração mineira neste contexto.

Em Portugal, foi aprovada na anterior legislatura uma moratória até 2050 para a exploração mineira em mar profundo, mas do atual governo continua a faltar uma resposta oficial.

Pese embora os vários pedidos de esclarecimento oficiais por parte da Sciaena e de outras organizações ambientalistas, no sentido de criar legislação que vá ao encontro da pausa preventiva relativamente à mineração em mar profundo, o governo ainda não retorquiu. Isto faz que seja “muito difícil perceber o que Portugal quer efetivamente fazer”, afirma Ana Matias.