Em meados de setembro deste ano, registou-se uma forte precipitação em grande parte da Europa Central. A tempestade Boris devastou cidades na Polónia, na República Checa, na Áustria, na Roménia e na Eslováquia. Semanas mais tarde, a cidade espanhola de Valência foi atingida por uma inundação devastadora que afetou diretamente quase dois milhões de pessoas e resultou em, pelo menos, 224 mortes.
A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, admitiu após as inundações em Valência: “Esta é a realidade dramática das alterações climáticas. E temos de nos preparar para lidar com ela”. A Europa ainda não está preparada para as consequências de uma atmosfera sobreaquecida.
Porquê? Há anos que os meteorologistas alertam para o facto de os fenómenos meteorológicos extremos estarem a tornar-se mais frequentes devido às alterações climáticas.
Complexo do mosteiro franciscano em Kłodzko, Polónia, durante as inundações, 2024. (Foto: Jacek Halicki)
As estratégias são vagas e há falta de controlo
O debate sobre a necessidade da Europa se adaptar às novas condições climáticas começou em 2005. O primeiro documento publicado sobre esta matéria foi o Livro Verde da Comissão, de 2007, sob o nome “Adaptação às alterações climáticas na Europa – possibilidades de ação na UE”. Em 2013, é adotada a primeira estratégia de adaptação da União Europeia (UE).
Mas um olhar mais atento ao documento, mesmo na sua nova versão de 2021, revela que a denominada estratégia é um plano vago. Embora a Comissão Europeia reconheça no documento de 2021 que “a falta de acesso a soluções implementáveis é um dos principais obstáculos à adaptação”, não são mencionadas quaisquer medidas concretas. Além disso, por muito que o documento recomende vivamente às autoridades locais a elaboração de um plano de adaptação, tal não é exigido à luz da legislação da UE.
“É pedido aos Estados-Membros que reportem as suas iniciativas ligadas à adaptação. E boa parte deles tem já a sua estratégia de adaptação às alterações climáticas”. Contudo, não há nenhum tipo de consequências, como sanções, para aqueles que não o fazem, explica Pedro Matos Soares, investigador e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Esse pode ser um fator de peso no que toca às disparidades entre países e à velocidade e capacidade de adaptação climática em cada um deles.
Em dois relatórios separados publicados em 2024, tanto a Agência Europeia do Ambiente como o Tribunal de Contas Europeu (TCE) alertam para o facto de as sociedades europeias não estarem suficientemente preparadas para as novas condições climáticas e de a UE correr o risco de ficar para trás na corrida à adaptação climática.
“Existe o risco de a política e as medidas de adaptação da UE não conseguirem acompanhar o ritmo das alterações climáticas”, lê-se na auditoria do Tribunal de Contas. A execução de projetos no terreno, em particular, está também a causar dificuldades a uma resposta que se quer incisiva e urgente.
De facto, há problemas no que se refere ao controlo dos fundos atribuídos a projetos de adaptação às alterações climáticas. Por outras palavras, ninguém sabe exatamente que projetos foram executados, quanto dinheiro foi gasto e quais os resultados alcançados. O TCE constatou que, atualmente, não é possível avaliar os progressos em matéria de adaptação às alterações climáticas nos Estados-Membros, uma vez que estes são, em grande medida, “descritivos e não fornecem informações quantificáveis”.
Por outro lado, algumas das estratégias nacionais de adaptação baseiam-se em dados desatualizados e todas as perdas materiais, associadas ao clima, calculadas nos relatórios acima referidos só podem ser estimadas, uma vez que ainda não existe um mecanismo que permita aos países da UE comunicá-las à Comissão.
E a inação? Quanto custa?
A falta de adaptação às alterações climáticas não só tem um impacto direto na vida das pessoas, causando problemas de saúde e mortes, como também tem um impacto económico nos orçamentos nacionais. De acordo com um relatório de 2018 da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu, “o montante total de perdas económicas declaradas resultantes de fenómenos meteorológicos e outros fenómenos climáticos extremos na Europa entre 1980 e 2016, ascendeu a mais de 436 mil milhões de euros”.
O relatório adverte ainda que “os danos anuais em infraestruturas críticas na Europa, decorrentes exclusivamente das alterações climáticas, poderão decuplicar até ao final do século, num cenário base de evolução tendencial (dos atuais 3,4 mil milhões de euros para 34 mil milhões de euros)”. Segundo o documento, “as perdas seriam mais elevadas nos setores da indústria, dos transportes e da energia”.
Entre 2021 e 2023, os fenómenos meteorológicos e climáticos extremos terão causado perdas económicas num total de 162 mil milhões de euros, de acordo com um outro relatório publicado pela Agência Europeia do Ambiente, em outubro passado. Em comparação, a União Europeia (UE) planeia gastar 658 mil milhões de euros em projetos relacionados com o clima entre 2021 e 2027. O relatório afirma ainda que os fenómenos climáticos extremos irão tornar-se mais frequentes e graves em todo o mundo e que cada vez mais setores na Europa serão afetados e sofrer grandes perdas económicas.
Limpeza após a inundação em Catarroja, perto de Valência, Espanha, 2024. (Foto: Manuel Pérez García e Estefania Monerri Mínguez)
Há cidades que não estão preparadas em Portugal
No princípio de 2024, uma avaliação da empresa Get2C, que tem monitorizado a ação climática a nível local, avançava que apenas 124 dos 308 municípios portugueses tinham concluído o Plano Municipal de Ação Climática ou estavam a desenvolvê-lo.
Desde que foi promulgada, em 2021, a Lei de Bases do Clima obriga a que todas as autarquias elaborem os seus planos de ação climática. Estes são planos que têm de aliar medidas de mitigação e de adaptação face às alterações climáticas, apresentando uma caracterização das emissões municipais e regionais e do esforço de redução dessas mesmas emissões. Assim, no princípio do ano, mais de metade dos municípios não estava a cumprir a lei.
Uma das críticas que Pedro Matos Soares aponta é que, na conceção da Lei de Bases do Clima, “não foram dadas ferramentas aos municípios” para a elaboração de tais análises pormenorizadas, baseadas em evidência científica. “Outros [municípios], tiveram a sorte de ter técnicos especializados e proativos” em funções nos departamentos ligados ao ambiente e ao clima.
Mas poderá o sucesso da adaptação às alterações climáticas a nível local depender, única e exclusivamente, da equipa técnica camarária?
“Adaptação às alterações climáticas? Nunca ouvi falar”
Os efeitos das alterações climáticas fazem-se sentir, em particular, nas cidades. As razões são diversas, segundo um relatório da Agência Europeia do Ambiente: as zonas urbanas densamente povoadas estão mais vulneráveis às ondas de calor e à precipitação extrema; o efeito de ilha de calor pode intensificar o impacto das ondas de calor, especialmente durante a noite; o elevado grau de impermeabilização do solo e os espaços verdes limitados e abertos na cidade aumentam o risco de inundações, especialmente durante chuvas torrenciais.
Mesmo que os efeitos sejam já tão palpáveis, o conceito ‘adaptação climática’ reverbera pouco nos ouvidos dos residentes. Ao contrário da ação climática, esta não parece ser uma expressão popular.
Desde que o movimento global ‘Fridays for Future’ veio para as ruas em 2019, o clima tem estado na ordem do dia, mas está sobretudo associado à ação climática e a medidas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Em contrapartida, a importância da adaptação climática, ou seja, a ação de resposta à possível ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos, como a precipitação intensa, as ondas de calor e as secas, está menos presente na consciência pública.
Calcorreámos as cidades de Oradea, na Roménia, de Loulé, em Portugal, e de Rostock, na Alemanha, para sabermos mais sobre a sensibilização da população local relativamente à adaptação climática. Através de um questionário para o qual contribuíram entre dez e 15 pessoas em cada cidade, a conclusão foi que a maioria das pessoas sabe pouco sobre o termo adaptação climática.
Em Rostock, três em cada quatro pessoas responderam à pergunta sobre medidas de adaptação climática na cidade com os seus conhecimentos sobre medidas de mitigação. Quando a questão se prendia ao Plano Municipal de Ação Climática de Loulé, a resposta chegou em uníssono: “adaptação às alterações climáticas? Nunca ouvi falar”.
Embora o estado atual da adaptação nas cidades europeias possa ser pouco animador, há uma série de medidas que se revelaram eficazes nalgumas cidades e que podem ser replicadas noutras, para atenuar os efeitos das alterações climáticas ou agir para lhes responder, de forma adequada e informada.
Em Rostock, por exemplo, a Câmara Municipal está a aplicar o princípio da cidade-esponja e a construir cisternas subterrâneas para armazenar água durante os períodos de chuva intensa. Em Loulé, a Câmara Municipal está a integrar a reutilização da água no planeamento e na gestão dos recursos hídricos, a fim de se preparar para períodos de seca. Estes princípios podem também ser aplicados em todas as cidades que, no futuro, serão cada vez mais afetadas por chuvas intensas ou períodos de seca.
Medidas com base no inquérito aos municípios sobre a adaptação às alterações climáticas realizado por Correctiv.Lokal
A implementação das medidas está nas mãos dos governos e das administrações locais. Ine Vandecasteele, especialista em adaptação urbana, afirma numa entrevista publicada no site da Agência Europeia do Ambiente: “As cidades têm um papel fundamental a desempenhar não só na proteção dos seus cidadãos, mas também na garantia da resiliência climática e da sustentabilidade ambiental a longo prazo”.
Já o que poderia ajudar os municípios a implementar medidas de adaptação e a proteger os seus cidadãos é, no entanto, outra questão.
Este artigo resulta de uma cooperação entre as jornalistas Carlotta Terhorst, Sara Pinho, Georgiana Anghel e CORRECTIV, NDR, BR e WDR. É o primeiro de dois trabalhos sobre a adaptação às alterações climáticas a nível local em três cidades europeias.
Este artigo foi desenvolvido com o apoio do Journalismfund Europe.